Era uma vez uma mulher… Seria simples? Seria quem? Seria o quê? Xantipa carrega um nome com um legado pesado. Este trabalho é uma abordagem a esta personagem histórica esquecida, só lembrada para tudo o que é negativo na mulher. Mas quem era? A única fonte aparentemente mais directa seria Platão, que, até há quem especule, teria uma paixão pela mulher do seu Mestre. Muito se especula acerca desta mulher, mas quem é ela realmente para cada um de nós? “Quem é Xantipa para mim?” Esta é uma pergunta que deveremos fazer.
Xantipa, uma jovem mulher, diz-se, com cerca de trinta anos a menos que o seu marido, que teria tido uma ligação a Platão, mas se vira casada com Sócrates. Para abordar Xantipa, precisamos de pensar no ambiente em que ela viveria: um mundo de homens, homens cultos, pensadores e desafiadores da ordem instalada. Homens inquietos e com sede de Saber e com Vontade de Ser. Se pensarmos apenas em Karma, será justo pensarmos que a imagem tantas e tantas vezes vendida, e ainda mais oferecida, de que Xantipa era uma víbora encarnada em corpo de mulher ou até uma manada de búfalos enfurecidos? Não parece. Sentemo-nos a pensar sobre isto: se Sócrates era um homem de importância ímpar, que se veio a tornar um dos Pais da Grécia e, até com algum, pouco, atrevimento, da sociedade actual, como poderia ter casado com uma mulher histérica, que unicamente servia para incomodar o seu marido?
Para Platão, Xantipa tornou-se no arquétipo da mulher do filósofo, que brigava e resmungava. Imaginemos que assim era… Quem nunca discutiu e quem nunca resmungou que atire a primeira pedra, como dizem que Cristo disse. Voltemo-nos para a sociedade grega e para a importância da mulher lá e cá. Hoje, como então, encontramo-nos a braços com uma sociedade patriarcal. Hoje, claramente mais bem disfarçada. O papel da mulher na Antiguidade era de suma importância: era a educadora por excelência, era a cuidadora de preferência, a gestora por competência. A mulher encarregava-se dos pequenos e dos grandes detalhes da vida de todos os dias e era a responsável pelo fogo na casa. Que fogo é este? Não estamos só a abordar o fogo físico, que nos auxilia no aquecimento e na cozinha, ou até mesmo na desinfecção ou esterilização, mas no Fogo Interior, que é dever de cada um descobrir e manter ao longo da vida sempre aceso.
A mulher, como educadora, como congregadora, como cuidadora, era por excelência a capacitada para, no silêncio e fora dos olhares da sociedade, poder ensinar os seus filhos a ter uma vivência com sentido. Sentido, esse, de dever para com os seus antepassados, para consigo e em especial para com a Natureza e para com o mundo futuro. Uma mulher para poder realmente dirigir os seus filhos tem de ter Cultura, Elevação, Luz Divina, Intuição e Sabedoria. Não basta saber ler, escrever, falar muitas línguas ou tocar piano, ou até mesmo ter um ofício. A mulher tem de ter a capacidade de olhar para si mesma, ouvir a Voz do Silêncio Interior, que dói, pela dureza e pela verdade que indica a cada um. A parte mais difícil não é estar na escuridão, mas o primeiro mergulho que se faz do dia para a noite, da luz para as trevas; mas de que outra forma seremos capazes de ouvir a verdade de nós próprios? De que outra forma poderemos mudar o mundo, se não começarmos por nós mesmos? Então, como pode uma mulher educar e cuidar, se não for capaz de mergulhar nas suas próprias trevas, parar o mundo exterior, sentar-se e deixar o seu Eu falar e indicar o caminho, mesmo que seja por cima de vidros partidos, que sangram os pés que por lá caminham, mas que limpam a Alma que atravessa a escuridão em caminho à Luz no fundo da caverna que somos, quando velados?
Por outro lado, a mulher é a fiel devota a causas, a Deus e à família, na sua entrega constante, mesmo quando inconsciente. Pelas causas em que acredita, ela desce, como Héracles, ao fundo dos infernos e regressa com a energia renovada de quem foi capaz de cumprir o seu dever e de superar as provas que se atravessaram no caminho. Cada caminho é único, como é única cada mulher, como é única a sua visão do mundo e a sua resposta ao mundo. Assim, como poderemos julgar uma mulher, uma simples mulher, que de simples não teve nada, como nenhum de nós tem? Quem somos nós para dizer que é brigona e resmungona, quando simplesmente é honesta na sua forma de partilhar o que intui, percepciona, pensa, sente, vivifica e vive?
Na cena descrita no Fédon, de Platão, observamos que Sócrates estava sem grilhões, com Xantipa e com o seu filho pequeno. Xantipa estava sentada ao pé de Sócrates com a criança nos braços, em silêncio. Assim que vê os amigos de Sócrates a chegar, começa a lamentar-se em voz alta de que era a última vez que os amigos falariam com Sócrates e este com eles. De seguida, Sócrates pede a Críton para alguém a levar para casa. Ela é levada por servos de Críton, a gritar e a desferir ataques aos peitos. Mais tarde, após Sócrates tomar o seu último banho, chegaram os seus três filhos e as mulheres da casa. Falou com eles em frente de Críton e fez as recomendações que considerou; despediu-se das mulheres e dos filhos e regressou para junto dos outros. “Era quase sol-posto”, aliás o sol brilhava nas montanhas, segundo Críton, e ainda não se tinha posto.

A morte de Sócrates. Domínio Público.
Sócrates indica aos amigos que não precisa de nada depois da sua morte, apenas que cuidem da sua vida. Este é um homem que não confia na sua mulher? Perguntam-lhe na sua derradeira conversa e frente ao copo da morte, se tem alguma indicação a deixar por causa dos seus filhos ou de algum negócio e ele responde para tratarem de si próprios. Este é um homem que abraça a sua amiga morte, sabendo que deixa os seus filhos, o seu legado entregue, e bem entregue. Como podemos dizer que uma mulher, que lança um grito de desespero pela morte do seu marido, pai do seu filho, é a providência divina para Sócrates? Na verdade, não sabemos, mas assim parece ser o caso. Qual o papel de Xantipa?
Como podemos observar na única cena descrita directamente em Platão (Fédon 60), Xantipa surge uma mulher tranquila junto ao seu marido, com o filho ao colo, e, em silêncio. É a imagem de quem respeita a solenidade da vida e a solenidade da morte. É alguém que já teve o tempo de ponderar, o tempo de colocar à prova e o tempo de maturar a realidade presente. Alguém que se questionou sobre o seu Destino e sobre o Destino dos seus. É alguém que aceita tudo o que a vida lhe dá, serenamente. Alguém que, com o seu silêncio, procura ser motor da serenidade que transparece e que respeita a pessoa que está prestes a partir, mesmo sabendo que o desafio sobrante recai sobre si própria. Contudo, consciente de que, naquele precioso momento, nada disso importa, apenas a entrega à Causa, à família, ao marido, ao Mestre.
Na imagem referida, Sócrates não tem grilhetas já, o que pode também simbolizar que, com Xantipa, ele é ele mesmo, sem amarras, em especial, com a serenidade esperada a receber uma grande amiga esperada: a morte. Sabe que deixa esta vida e com ela todos os seus pertences e o seu legado com Xantipa, sabendo que ela é a pessoa que continuará a manter o seu legado vivo e vivificado, pelo seu filho, pela consciência que teria da entrega de Sócrates à Causa; pela atenção aos detalhes, quando Sócrates não pôde ser capaz de perceber que a sua família também precisava de cuidado e de sustento; pela memória da sua vida partilhada com Sócrates e dos ensinamentos compartilhados entre eles; pela forma inteligente como teria de saber gerir a sua vida familiar e a sua imagem na sociedade, para não se deixar intimidar pela sociedade em geral e pelos homens em particular; pela sua capacidade de observação e de intuição e até de previsão do futuro, se ela não tomasse as rédeas decisórias aquando dos devaneios do seu marido e dos seus comparsas; pela forma como lutava pela sua família ao indicar a Sócrates que existem costumes e hábitos e até vontades que poderemos querer seguir, mas que existe sempre um Bem maior a que atender e devemos com discernimento e parcimónia percepcionar o que é realmente necessário ser feito pelo bem de todos, incluindo da própria família; pela sua capacidade de viver cada momento e de sentir o que há para sentir e ser honesta consigo própria, em vez de tentar abafar o seu grito justo; pela forma como se entrega à sua família e demonstra um amor enorme, tratando dos pequenos detalhes para que Sócrates pudesse ter a sua vida filosófica, sem prejuízo do lar que Xantipa criava a cada dia; pela sua personalidade guerreira, que não se amedronta perante os costumes da sociedade, nem perante a fama do seu marido, nem se coíbe de dizer o que pensa em nome da Justiça pela sua família, em especial pelos seus filhos; pela vontade inabalável com que consegue ser mulher, esposa, mãe e cidadã, num mundo em que as mulheres não tinham grande hipótese de ser cidadãs reconhecidas na sociedade, num mundo em que as mulheres apenas viviam no silêncio e ela conseguiu libertar o nó das cordas vocais e dizer o que considerava justo ao seu marido, um homem tantas vezes mal interpretado pela sociedade, mas amado e conhecido pela sua esposa, que teria uma capacidade de leitura da pessoa e da Alma de Sócrates, que tentava dentro dos limites razoáveis criar as possibilidades para que Sócrates progredisse na sua vocação, a Filosofia, mesmo carregando consigo própria a gestão da casa e a educação dos seus filhos e por consequência a imagem íntegra do seu marido na Cidade.
Quando pensamos nisto tudo, como poderemos considerar que Xantipa era uma mulher injusta, uma megera, uma ignóbil, uma torturadora? A sua entrega à Causa do marido é incrível. De tal forma incrível, que se nota na forma como se expressa, nos últimos momentos de Sócrates, na cela, em que indica como será a última vez que Sócrates irá ver os seus amigos. Esta cena diz muito mais de Xantipa do que de qualquer outra personagem presente ou até mesmo ausente, incluindo de Sócrates. Poderemos ler que, no momento em que os amigos de Sócrates chegam e ela começa a lamentar a morte de Sócrates, a única coisa que a preocupa é a missão do marido para com a Filosofia e para com a Humanidade. Não lhe chegam à memória os defeitos ou os excessos de Sócrates, mas tudo o que de Bom ele fez e que terá de interromper, seja por justiça ou por injustiça! É uma mulher que traz consigo um muito aceso sentido do dever, sem se preocupar muito com aquilo que outros vão pensar ou dizer, mas apenas com a injustiça por a sociedade, à qual o seu marido se entregou, e tantas vezes relegando para alguns lugares abaixo a sua família, matar um ser que nada mais fez do que amar a Cidade. Esse é o sentimento de injustiça que a povoa quando grita e fere os peitos. A sua dor pela morte de uma Causa, pela injustiça cometida e pela desesperança sentida pela ausência. Não é uma mulher, não é uma esposa. É simplesmente uma Alma dorida em busca de sentido de Justiça, de Verdade, de Bondade e de Beleza, quando sente que a Luz parece eclipsada. Quando se despede em último, ninguém relata choro ou gritos por parte das mulheres e dos filhos. Há uma aceitação, uma compreensão que vai muito além do entendimento, vai ao encontro do Divino. Pelo contrário, os amigos de Sócrates choram no último momento e isso contrasta com a serenidade da despedida da família para o choro, que o próprio Sócrates associa às mulheres, dos seus amigos, com a sua desesperança. Podemos também debruçar-nos sobre o facto de que Sócrates tomou um banho antes de se encontrar com a família uma última vez e antes de tomar o seu cálice de morte, antes de abraçar a morte como amante, como amiga, como companheira. Este é um acto até ritual, um acto de pureza, de limpeza, de expiação, para que se possa reunir com os grandes Sábios do lado de lá da margem. É um acto também de limpeza energética, que purga tudo o que possa arrastar a Alma para o terreno. É um acto de Amor para com a entrega à Vida, celebrando, aceitando e abraçando a morte.

A Prisão de Sócrates, Mark Cartwright. Creative commons
Por fim, o facto de ser pôr-do-sol, ou estar iminente, é interessante, porque, tal como a Vida é considerada Luz e a Morte considerada Escuridão, esta fase do dia associada à sua morte indica que estamos perante a morte de alguém luminoso, que mesmo ao partir deixa ainda luz que há-de perdurar até as trevas cobrirem novamente o mundo.
Analisando também a República, de Platão, podemos observar que Sócrates tem algumas ideias distintas da normalidade ateniense sua contemporânea, como o facto de que “homens de boas disposições na sua alma, que, no seu exterior, condigam e se harmonizem com aquelas por que participam do mesmo modelo” (402d) seria o ideal para a Cidade, já que o amor verdadeiro é “um amor sóbrio e harmonioso da ordem e da beleza” (403a). É interessante que ele vai indicando tudo como analogias, mas seriam mesmo? Ele diz: “Preservemos, pois, a analogia e atribuamos às mulheres nascimento e criação semelhantes” (451d) e que homens e mulheres com a mesma natureza devem ter as mesmas funções, a mesma educação, tratar em comum os filhos, serem ambos considerados cidadãos, de forma política activa, partilhando tudo sem contrariarem a ordem natural entre eles, visto serem ambos seres comunitários (467d). Aliás, afirma-se mesmo que as mulheres podem ser governantes, caso tenham todas as qualidades exigidas para o efeito (540c), tal como se se tratasse de um homem, porque o importante é que “quando os verdadeiros filósofos (…), tornando-se governantes (…) e, considerando como o bem mais importante e único necessário a justiça, a qual servirão e farão florescer, organizando assim a sua Cidade” (540d-e), porque homens e mulheres são iguais em dignidade (451-467). Por outro lado, em 543a, reconhecem-se “como governantes ou soberanos, aqueles que mais se distinguiram na filosofia e na guerra”, apenas se distinguem as pessoas não pelo seu sexo, mas pela sua natureza. De acordo com a sua natureza, assim o homem deveria casar-se, ser educado, servir a comunidade e ser “pago”. Naturezas diferentes, funções diferentes. Em As Leis, de Platão, a mulher é sempre tida como uma igual ao homem, com as suas responsabilidades e com as suas formas de estar equivalentes, sempre de acordo com a natureza. Platão, na República, também apresenta as mulheres como guardiãs com capacidade de ordenação dos seus apetites através da Inteligência, cujo dever era serem honestas (398e).

O castigo de Sócrates. Domínio Público.
Podemos observar que para Sócrates todas as discussões sobre a criação de uma nova Cidade e do papel das mulheres não era de todo um tema teórico, mas algo que colocava em prática na sua relação com Xantipa, de tal forma que ela era reconhecida por todos os amigos como alguém que demonstrava ter carácter, por vezes até demasiado activo para aquilo que era o hábito e o costume atenienses, causando dissabores ou, pelo menos, desafios a Sócrates na sociedade, que o incitava a demonstrar outra postura por ser o homem, quando nem sequer entendiam que, na verdade, ele não era dono nem Senhor da sua esposa, mas companheiro, cujos papéis estavam bem definidos, mesmo que houvesse uma amnésia momentânea ou constante dos deveres de cada um. No fundo, podemos ler que Xantipa e Sócrates partilhavam a Filosofia como Causa, mas que cada um cumpria com um dever diferente para que fosse possível tomarem parte da vida da Cidade e poderem transformar, a partir de dentro, a Sociedade que lhes seria certamente muito cara, até porque Sócrates se recusava a abandonar Atenas. Sócrates tinha uma liberdade extraordinária de movimentos e de pensamento, porque Xantipa cumpria os seus deveres para com a família, facilitando a vida de Sócrates, para que ele tivesse de abdicar o menos possível da Causa. Contudo, como mulher, como cidadã (não reconhecida pela sociedade, apenas pelo seu marido) e como mãe, tinha momentos em que necessitava de expressar claramente e de forma assertiva e dura o que sentia e pensava ser o melhor, em nome da Justiça. Podemos realmente questionar onde estava a autoridade de Sócrates em relação a Xantipa, mas a relação deles não era uma relação de poder, mas de partilha de Saber e de Vivência, em que cada um se dedicava a incitar e a ensinar ao outro aquilo de que ele carecia: Sócrates, de presença, empenho, cuidado e entrega à sua família; Xantipa, de dialéctica e de oratória mais paciente. Xantipa era o exemplo de honestidade para Platão e a desonestidade e a falsidade não eram defeitos que lhe pudessem ser indicados por ninguém. Ela cumpria este dever, só precisava de um pouco mais de serenidade na forma de o fazer.
Existe um desafio inerente quando nos dedicamos a tentar compreender as formas de viver passadas e começamos a tentar perceber o ambiente em que vivemos. Tornamo-nos quase estrangeiros na nossa própria casa, na nossa própria pátria. Para que mundo caminhamos? Hoje, achamos que inventamos a roda e que toda a luta feminina reside em ter os mesmos direitos, mas será que é isso que está a acontecer e que é isso que precisamos, quando, na verdade, já os gregos debatiam estas questões? Paremos um pouco para perceber a realidade instalada actualmente em Portugal: em geral, homens e mulheres trabalham ambos para conseguirem sobreviver e poderem criar os seus filhos; os filhos vão à escola e quase não há tempo e não há quase nada de relação entre pais e filhos, nem mesmo entre netos e avós; a mulher, para além de ter que ser “obrigada” a trabalhar, porque socialmente é mais bem aceite, tem de ser dona de casa e o que é exigido é em dobro. Felizmente, nos dias de hoje, o homem participa cada vez mais nas tarefas familiares e talvez estejamos, nesse aspecto, mais perto da sociedade idealizada por Sócrates, Platão e outros tantos, em que mulher e homem partilharam as tarefas familiares, nomeadamente a educação dos filhos, para além das suas actividades, caso se percebesse que tinham a mesma natureza e que esse deveria ser o mote para o casamento entre eles e não outra coisa qualquer, porque só podemos Amar quando compreendemos e só compreendemos quando aceitamos; e só aceitamos quando conhecemos; só conhecemos quando temos interesse; só temos interesse quando despertamos.
Actualmente, os pais, mesmo que quisessem, a menos que se dediquem à formação e à educação dos seus filhos, não têm quase qualquer controlo sobre a forma como os filhos são formados e formatados, contrariando o que nos é indicado, em As Leis e na República, sobre o facto de que os pais devem conhecer perfeitamente o caminho educativo que querem dar aos seus filhos e que não devem permitir que se dêem aos filhos ensinamentos e doutrinas que não se consideram adequados. A mulher, educadora por excelência e por vocação, na maioria dos casos, não tem como, porque tem de trabalhar e tem de tratar de todas as lides. Mas que exemplo damos todos aos nossos filhos, quando vivemos para trabalhar, em vez de trabalhar para ter como viver aquilo que Deus nos pede? Que sociedade é esta que valoriza tanto o dinheiro e o estatuto? Para onde caminhamos? O mais inacreditável é considerarmos que somos mais evoluídos do que os gregos. Tristeza! Santa ignorância! Somos os mesmos, apenas uns séculos depois e, talvez, com um pouco mais de tecnologia.
Desta luta entre o Antigo e o nosso contemporâneo, resta sempre a dúvida de como viver neste limbo de forma equilibrada. Xantipa e Sócrates são um exemplo de casal que tentava encontrar o equilíbrio, mesmo nos momentos mais desequilibrados. Xantipa era uma pensadora, uma devota à Causa Filosófica, que cuidava dos seus filhos, contrariava o marido quando sentia que devia, que fazia frente a uma sociedade para erguer a sua voz, que lutava pela honra de forma feroz pelo seu marido e pela Filosofia. Era uma mulher de uma entrega ímpar, inclusive na morte do seu marido. Seguiu o Coração e simplesmente acompanhou o marido nos desafios da vida e lutou, porque lutar era a sua forma de ser e o seu Amor, a sua forma de estar. Nunca desistiu.
Xantipa é uma inspiração de equilíbrio de vida familiar e de vida filosófica. Uma mulher-exemplo do que realmente importa. Uma mulher-guerreira pela forma como lutava pelo que acreditava ser o correcto. Xantipa era uma mulher complexa, como somos todos, mas honesta no seu sentir, na sua acção e no seu pensar. Uma matriarca. Não vemos muitas, hoje. Hoje, homens e mulheres, só vamos sonhando em poder ser uma centelha de tantos antepassados nossos, que deixaram marcas profundas em cada um de nós e em toda a comunidade que os rodeava. A nossa esperança é podermos ser uma pequena vela que não se apague perante o desafio da vida. Xantipa é e pode ser o Arquétipo da Mulher Filósofa e da mulher do Filósofo. Sejamos todos capazes de ver para lá das entrelinhas a sua fibra, a sua mensagem, a sua entrega, o seu Amor, o seu Serviço!
Joana Simões
Imagem de destaque: Xantipa, Promptuarii Iconum Insigniorum. Domínio público.