Max Weber apresenta-se como uma figura de destaque intelectual e de profunda relevância para a fundação da moderna sociologia e de todo o pensamento emergente do século XIX. Um académico de corpo e alma, nascido no ano de 1864, Max Weber apresentou grandes contributos para a área do direito, da política, da gestão, economia entre outros. Com um profundo conhecimento das antigas religiões e civilizações, Weber apresentou nos seus escritos uma interessante tendência para o estudo comparado das diferentes culturas sob uma perspectiva simbólica, mítica, espiritual, mas também social, politica, científica e artística.
Recordai o maravilhoso quadro que nos é descrito no começo do livro sétimo da República de Platão: aqueles homens prisioneiros numa caverna, com o rosto virado para a parede do fundo”…”os outros dizem que ele está louco, mas, pouco a pouco, ele aprende a ver na luz e, em seguida, empreende a tarefa de descer até onde os seus companheiros ficaram para os libertar das suas cadeias e os conduzir a ela. Ele é o filósofo; a luz do sol é a verdade da ciência, que não busca as aparências e as sombras, mas o verdadeiro ser. – da conferência de Weber “Ciência como Vocação”.
Apresentou as linhas que edificaram o confucionismo, o hinduísmo, o budismo, o judaismo, o protestantismo, o catolicismo, falando com profunda admiração de Platão, Aristóteles, dos clássicos e, sem nunca abandonar o seu pensamento racional, elevou-se ao mundo do transcendente pelo profundo respeito que nutria pela arte. Filho de uma sociedade racional e científica, altamente hierarquizada pelo poder tradicional da família e da linhagem, Weber sustentou o seu pensamento crítico no impacto que o paradigma emergente no século XIX causaria no mundo ocidental.
Para o pensador, todas as sociedades viveram um espírito capitalista e materialista, ou seja, em todos os tempos o ser humano viveu o sentido da troca, a necessidade de lucro e da dependência de uma vida material. Mas aquilo que Weber definiu como o “desencantamento do mundo ocidental” nasceu da construção de uma sociedade capitalista ausente de um princípio humanizante e transcendente. Uma sociedade que acreditou na felicidade da ciência mecanizada e na construção de um consumo de visão radical. Uma sociedade ausente de humanismo, de magia, de símbolos e de mística.
Não é um acaso que a nossa arte mais elevada seja, hoje, uma arte íntima e não monumental, ou que só no seio dos mais restritos círculos comunitários, de homem a homem, no pianíssimo, pulse algo que corresponde ao que, noutro tempo, irrompia como pneuma profético, em fogo tempestuoso, no meio de grandes comunidades, fundindo-as.
A Vocação
Weber proferiu poucos anos antes da sua morte uma brilhante conferência escrita em “Ciência como Vocação”, onde apresentou uma visão altamente subtil e filosófica acerca do mundo do século XIX colocando a ciência em paralelismo com a arte, com a política, com o ensino, com Deus, com a sociedade, e com o próprio interior humano. Numa viagem que realizou em 1904 aos Estados Unidos com a sua esposa Marianne, o pensador transpôs um importante marco na formulação do seu pensamento.
Numa época em que a América se apresentava como o símbolo de uma civilização emergente, cujos princípios se esperavam de grande progresso e descoberta cientifica, Weber acabou por transmitir acerca deste movimento duras críticas. O sentido de apropriação do saber, de empresa académica, dos jovens recém formados e por isso “proletários” dos grandes doutores, dos docentes remunerados e excluídos quando não rentáveis, apresentou-se como uma das grandes frentes tecidas por Weber ao sistema docente americano. “Perante o professor, o jovem americano pensa: ele está a vender-me os seus conhecimentos e os seus métodos em troca do dinheiro do meu pai, tal como a campónia vende couves à minha mãe.”
Sabemos que esta é a realidade actual do mundo académico, o ensino como uma empresa, como um negócio, como um comércio lucrativo onde a ideia de mérito não depende da verdadeira vocação mas da capacidade de “encher salas”. O docente “corre o risco de ser despedido de “modo bastante impiedoso” se não corresponder às expectativas: a sua permanência dependente de um único factor: “ser capaz de encher a sala”. Mas para Weber, a única forma do jovem e dos docentes suportarem as duras penas deste mundo académico encontra-se centrado na palavra: Vocação, algo que move o Ser Humano independentemente do sistema que o envolve.
Queremos daqui tirar uma lição: que não basta ficar à espera e almejar. Importa fazer algo mais. É necessário lançar-se ao trabalho e responder – como homem e de um modo profissional – às “exigências de cada dia.”
Segundo Weber, a Vocação reveste-se de uma visão sagrada para com o local e para com o papel do docente enquanto transmissor do conhecimento e por outro da importante capacidade de sentir uma real “paixão” pela arte que pratica. Sem esta paixão, “Sem esta estranha embriaguez, ridícula para todos os que a contemplam de fora, sem esta paixão, sem este sentimento… se não se tem vocação para a ciência; que faça outra coisa. Pois nada tem valor para o homem enquanto homem, se o não puder fazer com paixão.”
Mas entre outras ideias, Weber referiu que nesta Vocação deve conter um elemento decisivo: a inspiração. Para o pensador, a inspiração é algo transversal a toda a actividade humana. Seja num negócio, num comerciante, num laboratório, pois sem inspiração e sem “duro trabalho” nenhum homem conseguiria criar “novas organizações”. A Vocação nasce para Max Weber das inúmeras provas que certificam se o motor da motivação surge desta “paixão” e não de um interesse económico ou meritório. A Vocação é para este notável pensador fruto da inspiração e de um “árduo trabalho” por parte de todo o Ser Humano que assim decide, dedicar a sua vida à construção de uma Obra.
“Pensas que conseguirás suportar, sem amargura e sem prejuízo, que, ano após ano, sejas ultrapassado por mediocridade após mediocridade?
No campo da ciência, só tem “personalidade” quem está pura e simplesmente ao serviço da causa. E não é só no âmbito científico que tal acontece. Não conhecemos nenhum grande artista que tenha feito outra coisa além de servir a sua obra, e só a ela.”