A biologia e a antropologia passaram por uma grande transformação nos últimos cinquenta anos. A biologia vem incorporando avanços em diferentes campos, como a genética, a biologia molecular, a biotecnologia… gerando um corpo de descobertas romanceadas que, por inércia, continuaram a ser incluídas dentro dos modelos teóricos existentes. A antropologia sofreu um aumento espectacular de descobertas e fósseis, o que dificulta a sustentação das teorias que nasceram no final do século XIX sobre a origem do homem, mais tarde englobadas dentro do neodarwinismo.
A Máximo Sandín temos que agradecer a sua sagaz inteligência, o que lhe permitiu juntar todas as peças de um grande quebra-cabeça, que felizmente já estavam à nossa disposição, mas que, atordoados por tanta novidade e informação, não fomos capazes de ver. Como diria a tradição budista, as árvores estavam nos impedindo de ver a floresta. O excesso de especialização provocou uma falta de capacidade para assimilar os progressos e integrá-los numa visão global.
Por mais revolucionária que possa parecer a proposta de Máximo, ela tem uma lógica avassaladora, e é difícil conceber que ela tenha passado despercebida até agora.
Portanto, Máximo Sandín deve ser aplaudido por ter sido capaz de reconhecer o momento de maturidade da ciência para esta nova teoria que ele apresenta agora, e que é endossada por muitos cientistas de reconhecido prestígio (www.thethirdwayofevolution.com/people).

Máximo Sandín. Revista Esfinge
Talvez seja difícil para o público leigo perceber as implicações que essa teoria oferece, mas para os que temos uma formação científica e trabalhamos em laboratórios e em biologia molecular o que Máximo Sandín tem a dizer é francamente revelador, vem resolver um vazio intelectual que sentíamos, e liga todas as pontas soltas deste ramo da ciência com grande maestria. Lança muita luz e coloca ordem e lógica num corpo de conhecimento que estava desunido, quando não incorria em francas contradições.
Para uma compreensão mais científica da estagnação e inércia da biologia à luz das novas descobertas que vêm acontecendo, recomendamos a leitura do artigo A Transformação da Evolução, que Máximo Sandín escreveu em 2005 no Boletim da Real Sociedade Espanhola de História Natural, Seção Biológica, Tomo 100 (1-4), 139-167.
Que diz esta teoria
Até agora, a ciência – fundamentalmente foi nos Estados Unidos, onde a controvérsia saiu do âmbito científico e saltou para a arena pública – nos apresentava uma disjunção entre as duas únicas posições sobre a origem do homem e a evolução: uma, o criacionismo, que não se baseia num método científico, mas que requer intervenção divina para a sua fundamentação, e que, portanto, se afasta inteiramente das teses da ciência; e a outra, que permanece como uma teoria exclusiva, o darwinismo, que já tem mais de 150 anos, e que, curiosamente, também se fundamenta noutro elemento misterioso, o acaso, que funciona arbitrariamente, e que, como diz Máximo Sandín, é totalmente não científico. O acaso é a maneira eufemista de esconder a nossa ignorância sobre como funcionam as leis da natureza. A posterior remodelação do darwinismo, ou seja, o neodarwinismo – que com um século de antiguidade também não é uma teoria muito moderna que se diga, e reflecte a imobilidade que a biologia sofreu durante tanto tempo – ignora importantes processos evolutivos rápidos, como a simbiose, a transferência horizontal do DNA, acção do DNA móvel e modificações epigenéticas. O neodarwinismo dá à selecção natural uma força criativa única, e não explica convenientemente a natureza acidental da variação hereditária.
No entanto, muitos cientistas acreditam que não precisa ser tudo reduzido a duas proposições que, afinal, nem sequer são bem afirmadas em evidências. Não poderia ser que houvesse muitas outras maneiras de explicar a realidade? O reducionismo está em franca contradição com o pensamento científico, que tem que ser, por definição, um pensamento crítico, onde deve haver muitas hipóteses em consideração.
Muitas vozes críticas e científicas com as suas contribuições têm inadvertidamente questionado ou desmantelado este modelo único de neodarwinismo ao longo de mais de cinquenta anos, mas em aspectos isolados. Stephen Gould, já na década de 1970, estabeleceu a teoria do equilíbrio nominal para diferenciar entre as mudanças abruptas que deram origem às espécies, que ele englobou sob o termo macroevolução, e as mudanças graduais que só explicaria a microevolução. Como disse Máximo Sandín, se considerarmos, por exemplo, a evolução de uma perna para uma asa através de sucessivas, graduais e minúsculas transformações de que fala a selecção natural, milhares de espécimes com cotos não teriam resultado em nenhuma vantagem evolutiva e teriam desaparecido. Algumas das mudanças evolutivas têm que ter sido, por necessidade, abruptas, como intuíram inicialmente e sem provas conclusivas na época em que viveram, naturalistas como George Cuvier.
Máximo Sandín empenhou-se em recuperar a figura de Jean-Baptiste Lamarck, tão vituperado pelo darwinismo, e ainda assim ele foi um cientista brilhante e previu ideias que a epigenética hoje tem demonstrado, como a influência do meio ambiente e a transmissão dos caracteres adquiridos.

Jean-Baptiste Lamarck. Domínio Público
Lynn Margulis fez outra contribuição fundamental para a biologia, ao colocar a simbiose como um dos mecanismos iniciais da evolução, com a sua teoria da aparição de células eucarióticas por incorporação simbiótica de células procarióticas, agora totalmente aceitas pela comunidade científica, e que está em forte contraste com a ideia darwinista de competição feroz entre toda a natureza. Lynn Margulis, até postulou que a simbiogénese seria a principal ferramenta da diversidade biológica.
Máximo Sandín explica que o darwinismo nasceu incorporando grande parte da ideologia sociológica do livre mercado da época, a qual se tornou numa teoria que se baseia na luta de espécies e na competição como realidade natural, quando era apenas a peculiaridade cultural do seu tempo, e uma maneira de justificar o status quo das classes poderosas do momento. Não se deve esquecer que Darwin e a sua época deram origem à eugenia, que além de todos os danos que fez na América e na Europa, seria então um dos fundamentos ideológicos do nazismo. É difícil compreender no nosso momento histórico, que faz gala promover a igualdade como um valor fundamental e inalienável dos seres humanos, como Darwin continua a ser considerado um dos grandes cientistas da história quando explicitamente se considerava racista e considerava a mulher inferior. Os seus escritos são francamente questionáveis, porque ele também justifica com argumentos de aparência científica, mas falaciosos, ideias que vão contra os ideais das sociedades democráticas.
Por essa razão, Máximo Sandín concluiu que por detrás desta teoria darwinista há muitos interesses sociológicos que não têm nada a ver com a ciência, e que eles continuam a contribuir para a sua prevalência, mesmo quando todas as evidências sejam contra ela. Em palavras suas, «a concepção darwinista da vida vai além de uma teoria ou hipótese científica, porque faz parte de toda uma visão da natureza e da sociedade com profundas raízes culturais no mundo anglo-saxónico, claramente hegemónica hoje no campo científico e económico» (M. Sandín. 2002. Uma nova biologia para uma nova sociedade. Política e Sociedade, Vol. 39 (3), 537-573).

E-Coli. Domínio Público
A ideia mais inovadora de Máximo Sandín, dentro deste postulado da terceira via, tem sido a de considerar bactérias e vírus como os constituintes essenciais da vida, em vez de considerá-los nossos inimigos, como propõe o neodarwinismo. Não só constituintes essenciais da vida na Terra, mas constituintes anteriores, pré-existentes no universo. O doutor Sandín afirma que a vida veio do espaço, e aqui na Terra o que fez foi desenvolver-se até alcançar níveis de grande complexidade a partir desses «tijolos» iniciais.
Um artigo na revista Nature em 2016 já demostra que havia bactérias desde 3700 milhões de anos, muito no princípio da vida do nosso planeta, que está datado de cerca de 4500 milhões de anos. E outros astrofísicos também falam sobre a presença de vida extraterrestre no sistema solar na forma de bactérias.
A visão darwinista dos vírus e bactérias apresenta-os a nós como pequenas vidas em clara competição e oposição a nós, aos quais temos que controlar e combater. A visão do Professor Sandín é muito diferente. Cada elemento da natureza desempenha um papel essencial, e todos trabalham em conjunto. Desaparece o conceito de «os bons» e «os maus». De facto, vírus e bactérias, contribuiriam para o desenvolvimento das características da vida na Terra como a conhecemos. Os vírus proporcionaram às bactérias os genes relacionados com a fotossíntese, as cianobactérias criaram o oxigénio da atmosfera, outras bactérias do solo estão relacionadas com a manutenção dos níveis de carbono, as plantas apareceram há 1500 milhões de anos de forma repentina, pela união das cianobactérias, e em conjunto, vírus e bactérias seriam responsáveis pelos equilíbrios que observamos nos ciclos da natureza.
Sandín também questiona o modelo do Big Bang como um universo que surgiu do nada, e apoia, em vez disso, as teorias de grandes cientistas como Fred Hoyle que falam de um universo estacionário, ou seja, eterno e pré-existente, sem início nem fim, onde, por exemplo, a radiação de fundo de micro-ondas seria um reflexo das próprias pulsações do universo.
Também mostra espanto com as explicações com algum verniz de seriedade de que naqueles momentos iniciais do universo as proteínas apareceram por acaso, por choque de moléculas, e o mesmo os ácidos nucleicos, o RNA e, posteriormente, o DNA. Lembra um pouco as teorias da geração espontânea de Aristóteles, que hoje são tão infantis. Para Máximo Sandín, a vida nasce da vida.
A explosão da vida multicelular, no Câmbrico, tão repentina e de tamanha magnitude (com o aparecimento de grandes linhas animais, moluscos, artrópodes, equinodermes, hemicordados, cordados), pode ser explicada como resposta dos genomas a grandes distúrbios ambientais. Mudanças que afectaram os ecossistemas no seu conjunto. Porque, como dissemos, outra das ideias centrais de Máximo é que a evolução é grupal, não individual, só pode ser compreendida a partir de uma visão de conjunto. Não é um fenómeno individual e aleatório, mas um processo de mudanças colectivas onde os organismos respondem de forma sincronizada aos estímulos do ambiente.
Precisamente os genomas dos organismos estão cheios de elementos móveis, chamados transposons, que têm um claro passado viral, ou seja, são vírus integrados nos organismos superiores. Este tipo de informação genética, no início da sequência do genoma humano, foi chamado de «DNA lixo», atendendo à ideia darwinista e simplista da evolução, alimentada por Richard Dawkins, de «um gene, uma proteína», que considerava que os nossos genomas incluíam resíduos ou lixo de um longo e refinado processo de evolução.
Hoje em dia vê-se que nos genomas não sobra nada, que estes elementos de origem viral têm funções estruturais e regulatórias que são cruciais, e que promovem uma grande versatilidade, onde a partir das sequências de codificação de um único gene, por splicing alternativo e outros mecanismos, diferentes troços de informação podem ser combinados para criar proteínas muito diferentes. É por isso que a manipulação genética dos organismos que levaram ao desenvolvimento comercial da ciência pode ter consequências de alcance desconhecido dada a inter-relação mostrada pelos genomas. Mudando uma parte pode-se estar afectando outras. Máximo Sandín, como muitos outros pesquisadores e cientistas, intuímos que por detrás das resistências a antibióticos de muitas bactérias e das doenças nosocomiais dos hospitais está a mão humana, com essa maneira ingénua e simplista de entender a ciência que temos tido até agora.

Staphylococcus aureus. Domínio público
Na verdade, o nosso sistema imunológico é a máquina biológica mais perfeita para prevenir doenças, incluindo o cancro, e a epigenética mostra que é condicionada pela nossa dieta e pelo ambiente onde vivemos, de modo que nosso estilo de vida actual, tão profuso em substâncias químicas e agentes poluidores, pode estar na raiz da maioria das nossas doenças. Talvez seja a conclusão mais dramática de todas o que este investigador levanta: que este século descobriu muitos avanços na medicina, mas que criou grande parte das doenças que sofremos actualmente.
Máximo Sandín inclui nesta terceira via da evolução a ideia de que as grandes mudanças da organização animal e vegetal que ocorreram ao longo da evolução da vida estariam relacionadas com grandes cataclismos ambientais. Algo que a ciência já reconhece é a associação entre a queda de meteoritos ou vulcanismo com o desaparecimento em massa de espécies, o qual, segundo o professor Sandín, provocaria ao mesmo tempo a mobilização dos elementos móveis dos genomas e ao surgimento de novas mudanças repentinas. Sabemos, por exemplo, que o aparecimento de mamíferos, incluindo humanos, foi repentino e de todas as espécies ao mesmo tempo, após o desaparecimento de dinossauros. O facto de algumas catástrofes coincidirem com momentos de inversão dos polos magnéticos oferece uma hipótese muito forte para essas mudanças. Sabe-se nos laboratórios que uma das formas de mobilizar os trasposones de um genoma é fornecendo-lhes radiação ultravioleta, e precisamente em momentos de inversão dos polos da Terra, o campo magnético terrestre, a magnetopausa, não é operacional e não pode proteger a vida deste tipo de radiações, o que supõe que muitos elementos móveis de muitos organismos ao mesmo tempo estariam submetidos a estas radiações solares e cósmicas.
Actualmente é reconhecido que os vírus estão implicados em diferentes processos embrionários. E poderíamos, portanto, considerar a «aparição» de todos os tipos de organização animal existentes na actualidade devido a programas embrionários fornecidos por vírus que passaram a tomar parte dos genomas dos seres vivos.
James Lovelock deu-nos na década de 1970 uma visão mais humana da ciência, falando da sua hipótese Gaia, onde identificava a Terra como um grande ser vivo, com capacidade para regular conjuntamente a vida, como havia sido reconhecido nos postulados de muitos filósofos da antiguidade grega. Máximo Sandín incorpora na sua teoria esse espírito de uma Terra viva, que forma uma verdadeira matriz de vida, assumindo a forma de um grande ecossistema, onde todos os elementos estão unidos e interligados entre si, produzindo um fluxo de informação e inter-relacionamento entre o mundo orgânico e o inorgânico, entre animais e plantas, entre o nível molecular e o ecossistema. E como ele diz, se o ser humano enlouquecer e caminhar em direcção à sua autodestruição, não é o fim de tudo, só significaria o seu próprio fim, afinal, a vida seguirá.
Máximo Sandín faz jus à sua profissão: biólogo, «estudante, amante da vida». Professa esse amor, esse interesse quase místico por uma Vida que é descoberta apenas aos olhos daqueles que a abordam com respeito.
Links de interesse:
www.somosbacteriasyvirus.com do Dr. em Biologia Máximo Sandín.
www.youtube.com/watch?v=RBdUQcSE5Vw Conferência. Venimos del universo.
www.thethirdwayofevolution.com
Bibliografia recomendada do Dr. Sandín:
- Pensando la evolución, pensando la vida
- Lamark y los mensajeros: la función de los virus en la evolución
Imagem de destaque: Escavação no depósito Gran Dolina, em Atapuerca (província de Burgos). Creative Commons