Juntamente com as conquistas científicas que nos deslumbram todos os dias e mostram a grande capacidade intelectual do homem, vivemos situações psicológicas de terror que nada têm a ver com inteligência. Corre por toda a parte uma onda de medo face às epidemias e catástrofes que assolam o mundo sem que ninguém consiga descobrir as causas, não tanto das epidemias ou catástrofes, mas das raízes do medo.

Como em qualquer época de decadência civilizacional, disseminam-se formas irracionais de pânico, como se predominasse o medo ancestral do castigo divino em vez da explicação lógica do que acontece. Costumamos observar duas formas de reação: a vaidade da ignorância que procura destruir os problemas pela força, atacando-os cegamente, ou o medo da ignorância que imagina uma mão vingadora atirando pedras e males dos céus, ou esse mesmo medo que nos faz fechar os olhos aos acontecimentos, como se não os víssemos significasse que não existem.

Como em todas as épocas decadentes, as epidemias aparecem. Doenças desconhecidas até há poucos anos atrás, aparecem em cena com uma força letal e, em princípio, nada pode detê-las ou aliviá-las. E quando, finalmente, se encontra uma pequena solução, surge uma nova praga que ocupa o lugar da anterior para causar a mesma ou mais mortes.

O medo da doença, da pobreza, da guerra e da morte estão presentes na iconografia apocalíptica tradicional. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, gravura de Dürer (1497-1498). Domínio Público

As catástrofes são inúmeras e diárias, desde as naturais como terremotos, secas, chuvas transbordantes, alterações climáticas…, até às provocadas pelo próprio homem através da contaminação progressiva da Terra e a destruição pelas guerras e o terrorismo. E embora a solução não tenha sido descrita como catastrófica, a verdade é que as coisas estão mudando ao nosso redor e não para melhor; já não se trata do maior ou menor entendimento entre os homens, mas da deterioração de tudo o que nos rodeia, de espécies animais que desaparecem, de árvores que já não crescem, de rios que já não correm, de dispositivos que já não respondem à vontade humana ou adoecem como os homens…

Descontando a óptica da vaidade e do medo, todos olhamos para o nosso mundo com olhos de espanto, de perplexidade, de perturbação e decepção. A Natureza parece actuar despoticamente e sem sentido e nos vemos impotentes para reagir.

Nas profundezas das nossas não muito despertas consciências surge um sentimento de culpa, como se tivéssemos infringido alguma lei, algum princípio fundamental que desconhecemos e, portanto, não conseguimos encontrar as respostas adequadas. É como se tivéssemos quebrado esse vínculo, tão valorizado pelos povos da antiguidade, entre o céu e a terra, entre os deuses e os homens, entre a inteligência do Universo e a nossa humilde inteligência.

E é possível que assim seja. Que tenhamos quebrado não um, mas vários vínculos, que tenhamos transgredido várias leis, a ponto de desencadear essas a que chamamos de epidemias e catástrofes que tendemos a considerar como castigos.

Detalhe de The Headless Horseman Pursuing Ichabod Crane, de John Quidor em 1858, no Smithsonian. Domínio Público

Como filósofos que também somos todos, mesmo nas profundezas das nossas não muito despertas consciências, é preciso voltar a trabalhar com causas e efeitos e encontrar a razão do que nos acontece, sem nos refugiarmos em explicações parapsicológicas ou em maldições bíblicas. Somos os arquitectos do nosso próprio destino e está em nós reduzir o mal, encontrando as suas causas, as mesmas causas que gradualmente nos levarão a produzir outros efeitos. Devemos buscar o fio condutor, o que une o homem consigo mesmo, com a Natureza e as suas leis, para que a mesma ordem volte a reinar entre nós.

Delia Steinberg Guzmán
Publicado na Revista Nueva Acrópolis España, número 213 em março de 1993.
Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 10-04-2023

Imagem de destaque: Disparate de Miedo, desenho do pintor espanhol Francisco de Goya para a série Los Disparates. Domínio Público