Numa ocasião, Jinarajadasa, sendo Diretor Internacional da Sociedade Teosófica, comentou sobre Sri Ram (1889-1973), que mais tarde seria o seu sucessor no cargo, que era uma personagem, uma alma semelhante àqueles que acompanhavam como sábios e conselheiros os grandes Reis Iniciados do período védico.
Todos os que puderam acompanhar as suas ações, discursos e livros diziam que a melhor qualificação para ele era o de Sábio, com maiúsculas.

C. Jinarajadasa. Domínio Público
Na minha juventude tive o privilégio de ouvir da boca do professor Jorge Ángel Livraga (1930-1991), e mais tarde, ler também, muitas anedotas sobre Sri Ram, como mestre do primeiro, então um jovem formado nas disciplinas mais internas e exigentes desta mesma sabedoria. Histórias admiráveis que não podem aparecer nas biografias oficiais porque são formadas por experiências de um discípulo diante do seu mestre, experiências que entram no reino do misterioso, ou do maravilhoso.
Tal impacto criou no jovem, que mais tarde no seu livro Ankor o Discípulo uma joia da poesia e ensinamentos filosóficos e secretos, o sábio hindu aparece como o sacerdote Sarihmar, que Ankor descreve nesta obra assim, antes de sua Iniciação no Templo Solar de Kuum:
“Uma aurela de dignidade e poder emanava dele, de modo que Ankor ficou paralisado olhando para ele. Para ele, até então tinha sido, na sua extrema ternura e humildade, mais do que tudo um amigo; naquele tempo o via como Mestre; o seu sorriso era o mesmo, e a sua afabilidade, mas o seu rosto estava submerso numa infinita e sobre-humana serenidade.”
A sua vida foi uma vida dedicada ao dever, ao ensino, ao trabalho e à manutenção da vida e harmonia de uma instituição mortalmente ferida pelos acontecimentos em relação com Krishnamurti, Instituição que já antes dele falecer em 1973 foi perdendo cada vez mais seu protagonismo histórico, e quase esqueceu os ensinamentos e o exemplo de H.P. Blavatsky que lhe deram vida.

H.P. Blavatsky, 1887. Domínio Público
Assim como formou em segredo J.A. Livraga e de acordo com as disciplinas da Escola Esotérica, teve que fazê-lo, “de boca ao ouvido” a vários jovens discípulos dispersos pelo mundo, ao mesmo tempo em que mantinha correspondência com centenas de verdadeiros idealistas para os quais seria o seu farol iluminador.
Vários dos seus livros editados eram um misto de palestras improvisadas e artigos. Um tratado filosófico e as doutrinas secretas sobre o ser humano foram concebidos como livro desde o princípio, com o título: O Homem, sua Origem e Evolução. Outros nasceram de anotações diárias, como: Pensamentos para Aspirantes I e II.
Nos seus livros encontramos muitas explicações profundas da filosofia de Platão, de ensinamentos de textos sagrados védicos, budistas, sobre o cristianismo esotérico, sobre a natureza humana e os seus problemas, sobre misticismo e até um artigo incrível sobre Iniciação, sobre Estética Metafísica – o mais belo perfume da filosofia – e um muito longo etc.
A sua formação em matemática o fez explicar temas de elevadíssima abstração usando os símbolos geométricos. A linguagem que usa é extremamente simples e sempre clara, mas o que disse é de uma profundidade que causa pavor. Ou seja, numa primeira leitura dizes que é fácil, muito fácil de entender; mas quando o lês com mais atenção, ficas impressionado com a elevação das suas conceções mentais, com a arquitetura do seu pensamento e com a imensidão do que expõe. E sendo tão subtil é muito difícil então sintetizar, e até dar exemplos do que disse, e é como se estivéssemos trabalhando com uma matemática de ideias, ou com axiomas que a alma vê assim, como à distância ou com olhos apertados.
Entre os livros destacam-se:
Um Olhar Teosófico sobre o Mundo; O Homem, sua Origem e Evolução; Pensamentos para Aspirantes I e II; o Interesse Humano; Os Aspetos Mais Profundos da Vida; Buscando a Sabedoria; a Natureza da nossa Busca; O Caminho da Sabedoria.
Além de inúmeras obras ou cadernos monográficos como: Teosofia, a Sabedoria Divina; Budismo, do Norte e do Sul; A Morte e o seu Significado; Regeneração Humana; A Consciência, sua Natureza e Ação; Modificações da Mente; O Significado de Cada Momento Presente; Evolução e Vida; Poderes não Descobertos no Homem e na Natureza, etc.
Enfim, se há um livro que poderia ser transformado numa obra de axiomas ou princípios metafísicos, este é, sem dúvida, Aproximação à Realidade, formado, como o próprio autor disse, de uma série de artigos e conferências suas.
A Metafísica de Aristóteles tornou-se num manual de Primeira Filosofia, ao longo da Idade Média, e muitos dos seus ensinamentos foram reformulados nas obras de São Tomás de Aquino ou em As Sentenças de Pedro Lombardo dois séculos antes, este último tratado de metafísica por excelência comentado repetidas vezes e que os alunos tinham que aprender de memória e discutir cada uma das máximas.

Aristóteles e o seu aluno Alexandre. Domínio Público
Da mesma forma, Uma Aproximação à Realidade poderia alegremente tornar-se num manual de metafísica, dividido em máximas para refletir e debater, e exemplificar durante milhares de horas. O autor diz humildemente no prefácio desta obra que:
“O tema da Realidade é difícil, e o que está nas páginas seguintes representa o acesso do escritor, e é apenas uma tentativa da sua parte para definir o que ele entende.”
E, no entanto, considero que esta obra é o maior tratado de metafísica do século XX, e com evidente projeção para o XXI. É fácil para sobre ele elaborar cursos anuais de mais de cem horas sobre Metafísica para estudantes na Universidade. Cada uma das suas máximas é uma joia de misteriosa iridescência, e convida ao diálogo filosoficamente atraindo como um ímã o melhor da nossa natureza. É verdade que a perspetiva e até a linguagem que usa é teosófica, mas a despoja da sua terminologia mais abstrusa, cria, de facto, uma linguagem nova, muito fácil, muito simples, embora o que ele disse com ela dá vertigem pela sua profundidade e ao mesmo tempo nos faz sentir seguros pela sua lógica e solidez conceitual: se descemos ao abismo do Eu, com maiúsculas, que seja em passos lógicos e firmes. Como diria o próprio Sri Ram e não me lembro em que livro ou artigo, é necessário descer ao abismo, mas passo a passo, não se lançar nele de forma suicida.
Disserta sobre o que é real e o que é aparente, o que é objetivo e o que é subjetivo, sobre o que é real em nós, sobre o mistério do Ser, de todo o cosmos, do próprio uno ou do átomo que vibra num espaço não vazio, mas fértil em ondulações desse mesmo ser; estabelece os fundamentos da correta cortesia, a lei da correta relação, a natureza da sabedoria, a diferença entre o ser e o devir, o sentido metafísico da beleza e da forma pura e o caminho da realidade espiritual.
Se se quiser fazer um estudo realmente profundo, além do trabalho de reflexão e diálogo filosófico (à maneira socrática da maiêutica) sobre este tratado, poderíamos buscar ajuda noutros artigos e livros onde o autor trata destes mesmos temas a partir de diferentes abordagens, e também na Doutrina Secreta de H.P. Blavatsky (1831-1891), que é o mar de onde surgem estas ilhas de cristalizada metafísica. De grande ajuda seriam também, e como, os livros e artigos do professor Jorge Ángel Livraga, de um poder enorme para sintetizar, condensar e quase petrificar esta sabedoria em joias preciosas, em verdadeiros talismãs de luz e vida.
Encorajo o aluno a entrar neste palácio encantado. Fiz isso na minha juventude e as suas galerias e conceitos tocaram a minha alma. Tenho voltado várias vezes e acredito cada vez mais firmemente que este pode ser o Manual da Metafísica, uma afirmação após a outra, deste século e dos que virão, com ou sem a Idade Média. Podem muito bem As Sentenças de Pedro Lombardo ou A Suma Teológica de São Tomás de Aquino, ou As digressões de Heidegger ceder respeitosamente lugar às maravilhas da Aproximação à Realidade de Sri Ram.
E um guia, que nos leve da mão, nestas doutrinas sublimes, de mestre a discípulo, seria também de grande ajuda, seguindo assim um padrão ditado pela própria natureza.
José Carlos Fernández
Escritor e Diretor da Nova Acrópole Portugal
Imagem de destaque: N. Sri Ram. Theosophy Wiki