Um estudo sugere que os mexicas usaram a emblemática zona arqueológica para atacar os tlatoanis e propõe que seja chamada de Teo uacan, a cidade do sol.
O nome e a origem mística de Teotihuacan poderia mudar como a conhecemos. Um novo estudo sugere que a cidade dos deuses é na realidade a cidade do sol e deveria ser conhecida como Teo uacan, tal como a teriam chamado os colonos que chegaram no século VIII depois de ter sido abandonada. A investigação também expõe que a zona arqueológica teria sido considerada pelos mexicas como um local de peregrinação, no qual foram investidos mais de um tlatoani, como eram chamados os governantes mesoamericanos.
A hipótese foi proposta por Verónica Ortega e Edith Vergara, investigadoras do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH), bem como pelo especialista independente Enrique del Castillo. A nova teoria, divulgada esta semana pelo INAH, decorre de estudos inéditos de epigrafia e iconografia datados do século XVI e desafia a tradução anterior, que se popularizou no último terço do século passado.
Teotihuacan, como é conhecida a mítica zona arqueológica nos arredores da Cidade do México, refere-se ao mito criador da “Lenda dos Sóis”, que narra a união de divindades naquele local como a origem da vida. As novas investigações argumentam que, além disso, aí se mencionava o sol, ao novo governante. É uma reivindicação mais política do que religiosa. “Já não é um lugar que permanece mítico, passamos para o campo político, falar do tlatoani é falar do sol, é falar de lugar do Governo e entrar plenamente na geografia política da época“, diz Ortega, diretor de projeto. “Não se trata de contestar a interpretação religiosa, mas de complementá-la com a política”, acrescenta.
Teotihuacan ainda contém várias incógnitas e mistérios. Até 2016, apenas 5% do sítio arqueológico havia sido escavado e não se tem a certeza o que causou o seu declínio. Sabe-se que foi estabelecido por volta de 100 antes de Cristo e que durou até 650 d. C., mas não se sabe quem são os seus governantes ou qual era a língua dominante.
Os investigadores têm encontrado evidências de que havia um fascínio das culturas posteriores por Teotihuacan e que os mexicas (como também se conhecem os astecas) nomearam pelo menos um tlatoani já no século XV no que então era uma cidade abandonada. A descoberta de peças teo uacanas no templo principal da antiga Tenochtitlan, no centro do Vale do México, evidenciaria essa ligação entre civilizações que floresceram com vários séculos de diferença.
“Os primeiros cronistas definiram a tradução e por centenas de anos ninguém questionou esse termo”, explica Ortega, a subdiretor técnica do sítio arqueológico. A arqueóloga comenta que desde os tempos de Frei Bernardino de Sahagún se tem feito esforços para compreender a importância de Teotihuacan para as culturas mesoamericanas, mas isso pode ter sido escondido pelo contexto em que começaram as investigações. “Era a época da Evangelização e talvez os indígenas não quisessem revelar tudo o que sabiam e a importância da sua religião e cultura”, diz.
A chave para sustentar essa nova interpretação está no Códice Xólotl, um relato pictográfico do século XVI que cobre 400 anos de história da cidade de Texcoco e do vale de Teotihuacan. O manuscrito encontra-se na Biblioteca Nacional de Paris em França desde o século XVII e nele um par de imagens de um sol e uma pirâmide ilustram o glifo com o qual Teotihuacan é conhecido, só que debaixo desses pictogramas apareceria a palavra Teo uacan, como já teriam se referido os colonos indígenas nos inícios de 1400.
A palavra “ti” e a letra “h” podem ter sido acrescentadas quando traduzidas para o castelhano, conforme análise epigráfica dos especialistas. Os investigadores afirmam, também com base noutras imagens encontradas em peças de cerâmica, que o glifo faz alusão à cidade do sol, um local onde foram nomeados e legitimados os governantes mexicas, os homens-sol, entre finais do século XIV e inícios do século XVI (período pós-clássico), quando os mexicas dominavam a bacia do Vale do México. O sol mantém o seu caráter sagrado, mas reflete-se no mundo dos homens como garante do exercício do governo dos tlatoanis.
A hipótese foi apresentada em novembro passado aos cientistas especializados em Teotihuacan, e os pesquisadores continuaram as investigações sobre o nome do local durante o período clássico. A história e o significado da cidade das grandes pirâmides continuam a chegar até hoje. “Uma mudança de nome seria muito complicada, mas queremos deixar claro que existem outras formas de conhecer a cidade e que nos permitem compreender melhor a sua importância política e religiosa”, conclui Ortega.
Elías Camhaji
Publicado em El País em 23 de janeiro de 2018
Imagem de destaque: Pirâmide da Lua, Teotihuacan, México. Creative Commons