Artigo por Gilad Sommer
Uma das coisas mais surpreendentes sobre civilizações antigas é a unidade do seu modo de vida. No Instituto de Artes de Chicago, por exemplo, há uma bela estela das ruínas maias de Calakmul, no México. Essa estela apresenta um governante na sua tarefa como sumo sacerdote, vestido com trajes cerimoniais, segurando objetos rituais e executando claramente um ritual importante. O ritual em questão, nós acreditamos que está relacionado com o fecho de um ciclo de dez anos no calendário maia, que foi medido com tal precisão, que hoje podemos determinar a data exata do ritual. Essa estela é, portanto, artística na sua apresentação, religiosa no seu significado, política na sua autoridade e científica nos seus cálculos.
O Antigo Egipto é outro exemplo perfeito da unidade exibida pelas civilizações antigas. A religião e a sua moralidade consequente foram perfeitamente integradas na sua cultura. Embora a religião fosse entendida com diferentes profundidades, todas as pessoas eram religiosas até certo ponto. Política e religião eram inseparáveis. O faraó também era o sumo sacerdote e participava em muitas cerimónias ao longo do ano. A sua autoridade para governar vinha da sua obediência aos deuses, e especialmente a Maat, a deusa da Justiça. Ao mesmo tempo, o Egipto era uma sociedade altamente científica. Para construir os seus templos e pirâmides magnificamente erigidos e alinhados, devem ter tido um profundo conhecimento de engenharia e astronomia avançadas e usado algum tipo de tecnologia. O facto é que, até hoje, há um debate contínuo entre os arqueólogos sobre como os egípcios foram capazes de realizar essas proezas. E, finalmente, a arte egípcia refletia igualmente a religião e política e baseava-se em proporções matemáticas altamente precisas, que eram estritamente observadas.
Inspirado por essas civilizações antigas, e com uma visão de adaptar os seus princípios à nossa humanidade, o filósofo e fundador da Nova Acrópole, Jorge Livraga, propôs um modelo piramidal de civilização baseado em quatro aspetos do reino humano – ciência, religião, política e arte.
Ciência, Religião, Política e Arte
Nos termos mais simples possíveis, a ciência pode ser definida como a busca da verdade. No mundo ocidental, influenciada por uma forte tradição aristotélica, a ciência concentra-se quase exclusivamente no reino físico, a parte da natureza que pode ser percebida pelos sentidos. No Oriente, no entanto, existe uma longa tradição, muito mais semelhante à visão platónica, de que o universo físico é essencialmente Maya, uma ilusão, no sentido de que está em constante fluxo, em constante movimento. De acordo com esta visão, os nossos sentidos não podem ser totalmente confiados como mensageiros da verdade. Portanto, há uma forte tradição científica que enfatiza a investigação do mundo subjetivo interior, através da reflexão e meditação. Obviamente, ambos caminhos podem ser positivos, se vistos como complementares, e se servem o bem-estar da humanidade, acima de todos os interesses financeiros ou outros interesses pessoais que possam ser apropriados para o comércio, mas não para a ciência.
A religião, que está geralmente em contraste com a ciência, ganhou uma quantidade significativa de má reputação nos últimos cem anos. É frequentemente acusada de todos os males do mundo, de inúmeras guerras e genocídios, discriminação e dogmatismo.
É verdade, sem dúvida, que muitos males foram realizados “em nome de Deus”. Mas culpar a ideia e o conceito de religião pelos males praticados pelos seus chamados fiéis é tão ridículo quanto culpar a ciência pela bomba atómica, guerra química, ódio digital ou ataques de drones.
Tanto a religião quanto a ciência são aspetos da existência humana desde o início dos tempos, e têm sido usadas tanto para o bem e como para o mal, dependendo daqueles que alegaram usá-las. Pode-se até dizer que o seu mau emprego deriva exatamente da separação de uma da outra. Religião sem ciência torna-se dogma e preconceito. Foca-se nas interpretações literais e na observação fanática e impensada de toda a vírgula nos livros sagrados. A ciência sem religião, no entanto, torna-se uma busca burocrática dos mínimos detalhes, sem visão ou qualquer consideração de consequências morais. Isso leva o cientista a trabalhar pelos grandes interesses que não têm exatamente o bem da humanidade em mente.
Sem religião, muitos dos tesouros da humanidade, como a arte rupestre de Altamira, as Pirâmides, a Capela Sistina, o Bhagavad Gita e a Arte Renascentista, não teriam existido, sem mencionar as obras dos grandes idealistas do século XX, como Gandhi e Martin Luther King.
Mas o que é religião?
Uma definição maravilhosa vem da caneta de Albert Einstein:
“Uma pessoa religiosa é devota no sentido de que não tem dúvida do significado daqueles objetos super-pessoais e objetivos que não requerem nem são capazes de fundamento racional…. Neste sentido, a religião é o antiquíssimo esforço da humanidade para tornar-se clara e completamente consciente destes valores e objetivos, e para constantemente fortalecer e estender os seus efeitos. Se alguém concebe religião e ciência de acordo com estas definições, então, um conflito entre elas parece impossível. Pois a ciência só pode determinar o que é, mas não o que deveria ser…”
Ou num sentido mais geral, como define Jorge Livraga – religião é tudo o que une:
“Homem com Deus e natureza, homem com homem, homem consigo mesmo.”
Em terceiro lugar, a política pode ser definida como a ciência e a arte da liderança.
Ciência porque lida com seres humanos, que funcionam de acordo com certas leis naturais, mecanismos psicológicos e princípios mentais. Arte, porque lida com seres humanos, não robôs, seres humanos que têm emoções, necessidades e sonhos, e constantemente estão na sua própria batalha interior para harmonizar os diferentes aspetos de seu ser.
Liderança não é manipulação, mas chamar os aspetos mais elevados dos liderados, em busca de um objetivo ou ideal mais elevado. Aqueles que lideram não são seres humanos perfeitos, mas têm um ponto de vista mais elevado, têm uma visão. Eles podem ver um possível futuro melhor que os outros não conseguem ver e treinaram as habilidades e aprimoraram as qualidades necessárias para personificar esse futuro, para ser um exemplo vivo da visão que canalizam.
Sem esta visão, não temos líderes, mas, no melhor dos casos, apenas um “chefe”, um administrador ou um burocrata e, no pior dos casos… bem, basta olhar em volta.
A política, assim como a religião, tem o “fedor” daqueles que a exerceram para os seus próprios fins pessoais. Mas não sejamos enganados, sem o verdadeiro uso da política, a sociedade não é possível. Qualquer progresso, qualquer movimento coletivo foi facultado por verdadeiros líderes ou, noutras palavras, pessoas que exerciam política para o seu uso natural.
Por último, mas não menos importante, temos a arte.
É difícil falar de arte como um conceito solitário, pois cada um de nós tem os seus próprios gostos artísticos, que mudam e evoluem com o tempo.
No entanto, por uma questão de simplicidade, podemos definir arte como a busca do belo.
Alguns dizem que “o belo está nos olhos de quem vê” e, embora isso tenha algo de verdadeiro, há algumas coisas na vida que são universalmente admiradas como belas.
Eu nunca conheci uma pessoa que dissesse que o pôr do sol e as borboletas são feias, e não espero que venha a conhecer. Ou seja, embora existam gostos e origens culturais variados, provavelmente também existem alguns aspetos universais do belo.
O que definitivamente podemos dizer sobre o belo?
Que causa um impacto e que tira o nosso fôlego. Que não é racional. Que não pode ser explicado com palavras, nem é necessário fazê-lo. Na presença do belo, todas as palavras terminam, não há necessidade de apontar ou colocar um sinal de “bater palmas, porque isto é belo” – o belo fala por si.
Mas, para perceber o belo, precisamos de remover as barreiras internas, para permitir que esse magnífico impacto do belo penetre dentro de nós. Se somos grosseiros por dentro, os olhos da alma estarão cobertos por um véu de escuridão que nem o belo pode penetrar.
E o artista? O artista é o sujeito sortudo, ou talvez azarado, que pode perceber diretamente o belo que vem de outro lugar e realizá-lo através de formas que podem ser percebidas pelos demais mortais.
Mas ainda existe um algo que falta. Estes quatro caminhos devem ser unificados pelo fio da filosofia, o amor à sabedoria, que é a única disciplina que nos pode mostrar que, por trás das palavras, por trás dos mal-entendidos, estes quatro elementos compartilham um elemento importante e essencial – o ser humano e seu caminho.
Então, comecemos a imaginar um futuro diferente. Porque se continuarmos a semear as mesmas sementes, não podemos esperar frutos diferentes.
Imaginemos um futuro em que os diferentes aspetos da vida humana estejam unidos e não separados, um futuro em que ciência, religião, política e arte trabalham juntas para um mundo melhor.
Publicado em New Acropolis Library USA em 10 de março de 2019
Imagem de destaque: O Triunfo da Civilização, de Jacques Réattu, 1793. Domínio Público