A política de terra queimada tem sido utilizada em inumeráveis ocasiões ao longo da história como medida defensiva perante um exército invasor ou, em seu lugar, também por uma força invasora como castigo ao grupo derrotado. A ideia pressupõe queimar ou destruir todos os recursos que pudesse utilizar o inimigo para se alimentar e abastecer, além de envenenar os poços de água e impedi-lo de sobreviver. Todas estas acções de carácter bárbaro aconteceram em tempos de guerra e até um terrível conquistador se vangloriava que a erva não voltaria a crescer por onde ele passava.
O século XX sofreu duas guerras mundiais, mas com a diferença, em relação aos séculos anteriores, de tratar-se de guerras de nível industrial com uma terrível devastação como resultado do poder das armas utilizadas e os bombardeamentos aéreos que alcançaram o seu zénite no solo com a destruição de cidades inteiras por toneladas de bombas incendiárias, mesmo com o lançamento de bombas atómicas em Hiroshima e Nagasaki.
Na atualidade – com a ameaça latente do perigo nuclear – a tecnologia reina sobre todos os demais elementos e os bombardeamentos são quase sempre por mísseis lançados desde uma distância considerável ou drones teledirigidos que cumprem a mesma função, mas aproximando-se do alvo ou objectivo. Isso sem ter em conta os bombardeamentos aéreos ou de navios de guerra para objectivos em terra firme. Procura-se a precisão, mas isso não elimina a devastação que produzem.
No entanto e ainda que seja paradoxal, o que nos interessa neste caso são as condições em que se encontra a terra depois de muitos anos de paz e prosperidade no mundo actual. Não se trata da terra queimada dos velhos conquistadores, que com o tempo se recuperou de tamanhos desatinos, mas as condições de deterioração, poluição e toxicidade como resultado duma atitude francamente depravadora e cuja recuperação não se vislumbra tão simples como a que se seguiu aos terríveis senhores da guerra de antigamente como os mísseis de hoje em dia.
Sociedade em decadência
O filósofo alemão Peter Sloterdijk afirma que “a decadência europeia é mesmo o mais atractivo que há no mundo como forma de vida, seguida pelo que resta do sonho americano”. Também que “vivemos uma espécie de bolhas de alto rendimento e uma vez fora delas vês que é uma ilusão de uma minoria feliz”. Não posso senão concordar com essa afirmação porque se recordamos as diferentes decadências através da história, tudo indica que se vivia muito bem nelas e isso tornava-as muito atrativas para todo o tipo de migrantes que queriam participar dessa possibilidade de viver bem ou, dito de outra maneira, ter a possibilidade de disfrutar da vida como aqueles que vivem na borbulha feliz.
Sem contar, supostamente, com aqueles que veem com maus olhos tanta prosperidade e farão o que puderem para destruí-la, por razões que podem ser políticas, talvez religiosas ou talvez sociais. Mas igualmente poderia ser por simples ressentimento. Poderíamos acrescentar que, uma decadência dura o que tem de durar segundo seja o caso, pelo que podem ser cem ou centenas de anos, mas há que acabar com a destruição por esgotamento de uma forma de vida que deu tudo de sí.
Ora bem, manter estas bolhas de bonança e alto rendimento implica uma cadeia de abastecimentos que têm de ser transportados de um lugar para outro do planeta, uma inter- conectividade de que depende a nossa forma de vida. Sem esquecer, obviamente, o problema da energia, necessária para manter não só os sistemas funcionando, mas o tipo de vida de alto consumo ao qual a nossa sociedade está habituada.
Primeiro foi o carbono
A grande mudança, em relação à forma de vida tradicional, veio com a máquina a vapor e a revolução industrial, desde finais do século XVIII, que vai coincidir com a mudança do sistema económico mercantilista – de marcado protecionismo cuidando dos interesses de cada nação e procurando uma economia autossuficiente – o sistema económico capitalista que promove uma abertura de mercados e livre circulação de bens.

A poluição do ar. Domínio Público
Para que essa máquina a vapor funcione, há que aquecer a água que o produz e o melhor combustível vem a ser o carvão. Praticamente durante todo o século a fonte de energia fundamental foi o carvão, o que por sua vez desenvolve uma indústria mineira de grandes dimensões primeiro na Grã-Bretanha e depois em muitos países que tinham a sorte de possuir jazidas carboníferas. O carvão é então “a” fonte de energia durante todo o século XIX e princípios do século XX. É muito poluidor, mas naquela época este era um tema que carecia de importância ou que simplesmente se desconhecia. Os mineiros do carvão morriam com afecções pulmonares como a antracose ou pneumoconiose ou enfermidade do pulmão negro como resultado da exposição prolongada ao pó da mina. Uma história real relacionada precisamente com o carvão foi o famoso nevoeiro londrino que durante décadas e todos os invernos cobria completamente a cidade. Este nevoeiro era o fumo das milhares e milhares de chaminés a carvão que tinham nas casas de toda a cidade para combater o frio. Nos finais da década de cinquenta com origem na motorização do país e na quantidade de acidentes de tráfego, proibiu-se o uso de carvão para o aquecimento das casas e o nevoeiro desapareceu.
Depois chegou o petróleo
A descoberta de jazidas de petróleo nos Estados Unidos e as múltiplas formas do seu aproveitamento, mudou o paradigma do século XX. Os derivados do petróleo como a gasolina, querosene, benzina, etc., modificaram radicalmente a forma de vida primeiro nos USA e depois no resto do mundo. Um elemento inovador foi a invenção do plástico a partir do petróleo que literalmente há de “invadir” a vida quotidiana de todas as formas imagináveis. Como o plástico não existe na natureza, não é reciclável nem se degrada como um produto natural. Em pequenas quantidades o seu impacto é mínimo, mas o volume da sua produção a nível industrial alcançou quotas difíceis de manipular. Sobretudo, pela cultura do desperdício e fraca reutilização de materiais, que gera montanhas de plástico de todas as formas imagináveis, contaminando os oceanos ou acumulando-os em lugares remotos, como alguns lugares de África, onde aparentemente não se veem desde a bolha, mas estão e continuam poluindo.

Nas últimas décadas a poluição marinha por plásticos tem vindo a ser uma ameaça crescente para a vida marinha. Creative Commons
Do petróleo surgem as estradas e os veículos que se deslocam por elas. É desta forma que os EUA substituíram a Grã-Bretanha como a potência dominante na economia. A Grã-Bretanha levou o caminho de ferro a todo o mundo, incluindo aos EUA, mas esta devolveu o golpe com o motor a gasolina para automóveis, camiões, autocarros, etc., e a construção de estradas, hoje em dia autoestradas, para que estes possam circular.
Algo interessante de recordar quando Henry Ford se iniciava na construção carros, outros inventores criaram o carro eléctrico, mas as patentes desses carros foram adquiridas pelas companhias petrolíferas, que se encarregaram de arquivá-las onde ninguém as visse e pronto… até agora em que, por necessidade, reapareceu e converteu-se em tecnologia “nova” e de ponta.
A pegada de carbono
A ideia da pegada de carbono (o volume total de gases com efeito de estufa que provocam as actividades quotidianas de um indivíduo) mais parece ser uma invenção das companhias petrolíferas para culpar os cidadãos por usar aquilo que eles produzem.
Os grandes poluidores são 1% da população com aviões privados e iates. Claro está que 10% vive no Ocidente com relativa comodidade (a bolha) e claro há 70% a 80% que consomem minimamente. A estes últimos são considerados “atrasados” porque se supõe não terem chegado a um nível de vida que consideramos “normal” e … muito poluidor. Veja-se o caso da China, por exemplo, que passou em poucas décadas duma economia rural a uma economia muito avançada tecnologicamente e, como consequência, polui com grande satisfação porque se supõe que isso é progresso e uma grande parte da população, por seu lado, deixou de ser rural para viver em cidades que crescem desmesuradamente com alto consumo de recursos como a areia para preparar cimento que permite construir arranha céus. Isto sem contar com os desperdícios que produzem essas grandes aglomerações chamadas cidades modernas.
Os limites do crescimento
Faz cinquenta anos (1972) o primeiro relatório do Clube de Roma, encarregado ao Instituto Tecnológico de Massachusetts, intitulava-se “Os limites do crescimento”. O estudo teve muito impacto teórico, mas nenhum na prática. Nele afirmava-se que, se as coisas continuassem iguais (variáveis como a população, a industrialização, a poluição, a produção de alimentos, a exploração dos recursos naturais, etc.) o planeta alcançaria os limites absolutos do seu crescimento num século.
Em 1992, o clube actualizou aquele relatório com o título “Para além dos limites do crescimento” nele se percebia que a humanidade já havia ultrapassado a capacidade de carga do planeta.
Em 2004, publicou-se uma versão actualizada dos relatórios anteriores intitulada “Os limites do crescimento trinta anos depois”, no qual se afirmava que não pode haver um crescimento populacional, económico e industrial ilimitado num planeta de recursos limitados. Isto quando ainda não se falava de alteração climática.

Multidão, vista de acima. Domínio Público
Apesar de tudo isto, continua-se a medir a saúde económica dos estados pelo seu crescimento, já que o mito do “progresso interminável” de que falava o Professor Jorge Ángel Livraga há várias décadas, goza de perfeita saúde. Essa ideia duma evolução linear sempre ascendente e melhor que todo o anterior, carece por completo de lógica – nada cresce interminavelmente na natureza – e só se sustenta porque tornou-se em credo ideológico das elites governantes tanto na bolha “desenvolvida” como fora dela.
Que fazer perante tudo isto?
Primeiro, entender ou tentar entender a época em que o uno vive. O filósofo Zygmunt Bauman alcunhou a frase “sociedade líquida” para descrever um mundo no qual tudo parece dissolver-se. A, assim chamada, sociedade do conhecimento, dadas as facilidades que permite a tecnologia, converteu-se na sociedade do desconhecimento. O filósofo Daniel Innerarity afirma que “na era da racionalidade triunfante, da ciência institucionalizada, dos avanços tecnológicos e dos sistemas inteligentes aparece uma constelação estranha: ao mesmo tempo que a ciência goza dum enorme reconhecimento, muitas pessoas receiam dela, desde a mera desconfiança até ao negacionismo extremo”. Hoje em dia, há gente desconfiada, temerosa, negacionista, paranóica e ainda terra planista. A dita, a sociedade do desconhecimento avança a passos gigantes.
Faz cem anos, G. K. Chesterton, disse “nossa época conseguiu de uma vez a deterioração do ser humano e a mais incrível perfeição das armas”. Se consideramos que morreu em 1936, foi de alguma maneira afortunado já que perdeu tudo o que veio depois, em ambos os sentidos.
Vivemos o que algumas culturas da antiguidade chamavam “a rebelião dos artefactos”, quando as nossas criações deixam de ser úteis porque nos ajudam e servem, para ser os donos do nosso tempo e da nossa vida. É o caso dos telefones móveis, por exemplo, sem os quais muitas pessoas não poderiam viver, segundo dizem eles e elas. Mas o que sucede com os milhões de telefones móveis que rejeitamos, já que se supõe que temos de usar o último modelo com as últimas aplicações, onde vão parar, que se faz com os seus componentes poluidores. No fundo não nos interessa, porque a nossa sociedade vive numa permanente fuga para a frente sem importar o que fica para trás.
O ser humano
Uma sociedade fazem-na as pessoas, não surge do nada, e a destroem as pessoas com os seus egoísmos e vistas curtas. Naqueles que constroem as sociedades destaca o optimismo e a capacidade para enfrentar as dificuldades, porque as suas vidas têm sentido e deixam pegada para o futuro. A grande maioria dos que vivem nas decadências, além de disfrutar das suas vantagens, mostram além de um grande egoísmo, uma notável indiferença ante o possível resultado das suas acções importando-lhes viver bem, não as consequências dela.
A chave, então está no ser humano e seus valores, quanto mais espirituais sejam estes e mais elevadas as suas aspirações, chegaremos ao conceito do verdadeiramente importante e transcendente e não à glorificação do efémero e in transcendente.
Alfredo Aguilar
Imagem de destaque: A nuvem de cogumelo sobre Hiroshima (esquerda) após a queda da Little Boy e sobre Nagasaki, após o lançamento de Fat Man, 6 e 9 de agosto de 1945. Domínio Público