O compromisso que assumi nesta ocasião é tentar falar do nosso tempo; sobre este tempo que me atrevo a chamar de TEMPO DE FAZER.
Escolhi este tema porque nós, aqueles que gostamos de pensar no nosso tempo e nos questionarmos sobre a época em que vivemos, às vezes também gostamos de rever palavras e escritos antigos.
Textos muito antigos que todos conhecemos nos contam como Deus trabalhou seis dias e no sétimo descansou. Isto deveria ser uma norma para nós, um guia para a ação; porém, os seres humanos do nosso tempo são tão especiais e únicos, temos tanta capacidade de contrariar absolutamente quaisquer leis que nos sejam impostas, que fazemos exatamente o contrário: dos sete dias primordiais, trabalhamos um, e os outros seis descansamos; não sabemos do quê, mas descansamos.
É, por isso, que vemos todos os dias, em tantos lugares, em tantos momentos, que escolhi este tema do nosso tempo, este que deveria ser o momento de agir.
Para nós as palavras fazer, agir, realizar, concretizar, trabalhar, são sinónimos de esforço, de terrível sacrifício. E hoje, quando queremos respeitar tão poucas leis, observamos rigorosamente uma: a do menor esforço.
Caímos numa necessidade tão grande de comodidade e conforto que fomos nos anulando pouco a pouco, perdendo a capacidade de agir, desde o físico até ao espiritual. É como se estivéssemos atrofiando pouco a pouco; como se a energia fosse desaparecendo dentro de nós.
Ter que caminhar, ou andar, ou trabalhar, sempre nos parece um fardo. Ninguém quer fazer nada. Todos querem que as coisas sejam feitas; claro, deixar que outros as façam para que assim cheguem até nós prontas. Mas como os outros pensam exatamente o mesmo, acontece que tudo está por ser feito.
É assim que nos encontramos num mundo teoricamente moderno, bem equipado, dotado de todas as possibilidades. E tudo que é importante, guardado, inacabado, incompleto, muitas vezes sem sequer começar.
Muitas vezes me perguntei se este tempo em que vivemos é único e muitas outras vezes respondi que não. Já disse muitas vezes que considero que a História é cíclica, e que este ritmo de tempo que é a vida da Humanidade é uma evolução constante onde as ideias, com pequenas variações, reaparecem diante dos homens, e novamente lhes sugerem – atos semelhantes a outros acontecimentos anteriores, e a outras situações ainda mais remotas.
Então percebo que, nesses ciclos de tempo que chamamos de História, há momentos e momentos. Quando as civilizações estão no auge do desenvolvimento, quando crescem e ascendem, elas apresentam ação em todos os lugares. Todos os seres humanos, cada um na sua medida, fazem, realizam, trabalham, constroem. Estes são os bons tempos.
Mas como a História tem as suas curvas perpétuas de idas e vindas, ao chegar à próxima curva, aí onde o ciclo se fecha, aí onde se entra em crise – como diriam os antigos filósofos gregos – ali onde se entra em mudanças, onde as coisas mudam de direção, toda a atividade e tarefa que marcaram o período anterior de expansão e crescimento tornam-se agora inércia e quietude. Na crise nada se faz: tudo se destrói.
Certamente é tão pouco que conseguimos compreender sobre a nossa história, que às vezes nos momentos de ação, brilhantes e culminantes, há quem se atreva a distinguir seres que nada fazem. Esses seres que não “fazem” nada são os artistas, os místicos, os filósofos, os pensadores. Dizem isso porque uma ideia não se come, nem uma obra de arte, e o misticismo ainda menos.
Mas a realidade é que todos necessitamos deste tipo de ação. Há quem tenha confundido esta forma tão particular de ação, esta expressão do espírito que se traduz para os seres humanos em religiosidade, em sentimento, em beleza, em criações positivas, em ciência. As interpretações erradas levaram a uma situação muito curiosa: um não-fazer tingido de misticismo, de arte ou de filosofia.
E assim, nos deparamos com muitas falsidades, de pseudoposições que nos indicam claramente que não estamos num momento de alta ou de clímax, mas que estamos justamente num momento de crise, de queda. A decadência é tão grande que até a ação se disfarça e mostra a sua verdadeira essência de inércia, de inação.
Hoje pensa-se que para ser místico é preciso cruzar as pernas, sentar-se em posição de lótus – padmasana, como diriam os orientais – concentrar os pensamentos e olhar para o terceiro olho…, depois de o ter desenhado previamente, claro.
Perguntamo-nos: que terceiro olho se nem sabemos ver com os dois que temos? Concentramo-nos em quê? Se não conseguimos prestar atenção nas tarefas que temos todos os dias. Meditar sobre o quê? Se a nossa alma e a mente estão vazias.
Não entendemos o que significa esta filosofia do vazio, destes pensadores que se agradam em assegurar que não acreditam em nada; destes filósofos que dizem que o mundo não é nada, que não tem dimensão nem realidade; e que também não servimos para nada. Depois disto, é lógico que caiamos imediatamente na inação, na inércia.
E a Arte? Oh, nossa pobre arte! Recentemente vi numa revista – numa revista de banda desenhada, infelizmente – como alguns senhores, numa exposição de pinturas, estavam todos reunidos em frente a uma janela coberta com papéis pretos, e diziam: “Esta é sem dúvida a obra mais importante. Esta tem conteúdo, tem realidade, causa impacto.”
Claro, qualquer um fica impressionado com o vazio, com o nada, com um pedaço de papel preto, porque era uma janela que dava para um infinito que não levava a lugar nenhum.
Esta é a atitude de escapismo que hoje se costuma assumir, pensando que com isso imitamos velhos momentos de outras civilizações, as quais, com estes mesmos conceitos de filosofia, arte e religião, souberam tocar outros cumes. Sim, é verdade; mas insistimos que o nosso tempo é de mudança, de crise, de descida.
Por menos que revisemos a História, podemos perceber que não estamos no grande momento de ascensão e prodígios. E não é preciso ler a história; com um simples jornal – o de hoje, o de ontem, o que sairá amanhã – perceberíamos que falta tudo, tudo é caro, todos discutem por alguma coisa. Todos discutem sobre alguma coisa, odeiam alguma coisa, confrontam todo o mundo.
Provavelmente ninguém sabe por que todas essas coisas estão acontecendo. Parece que existe uma força superior, tremenda, que arrasta os homens a opor-se, a quebrar, a desfazer; ou seja, exatamente o contrário de fazer, que é sintoma de construção e crescimento.
Percebemos que estamos em crise, porque todas as formas que nos ajudaram a construir uma civilização estão caindo. Porque todos os velhos sistemas, as leis, todas as ideias que nos sustentaram, não têm sentido. Nós as achamos ridículas, nos parecem vazias, já não temos como confiar neles.
O mais inteligente nesses casos é precisar desesperadamente criar algo novo, algo diferente, algo melhor. Percebemos que as ideias não nos sustentam, que as palavras se tornaram vazias, que os conceitos não nos satisfazem em nada; que se fala muito e se disse pouco, que se faz muito ruído e quase nada se faz.
Tudo isto nos desconsola, mas aponta-nos categoricamente para a crise – ou, como os gregos lhe chamavam, a mudança, o ponto crucial da história. O momento exato em que uma corrente, que vem com uma direção e um sentido, de repente dá uma volta e inicia um novo caminho, que tem outra direção e outro sentido.
Mas na curva, no momento da viragem, onde as coisas se dobram, se quebram e mudam, é aí que ocorrem as crises do tipo que estamos a viver agora.
Há duas posições básicas que podemos adotar face a esta crise. Um deles é a inércia. Pode-se assumir a quietude de se deixar espremer, quebrar, oprimir e cair como tudo o que cai com o passar do tempo.
A outra postura é fazer, movimentar-se, andar, levantar-se, verticalizar-se. Colocar-se em jogo, não com a crise que se vive, mas com um futuro que se sente novo e diferente, onde haverá espaço para a possibilidade de ação.
Estas são as duas posturas básicas que podemos escolher todos como seres humanos.
O que a maioria faz? Escolhe a inércia, porque é muito cómoda. Consiste em não fazer nada, deixar-se levar, entrar no meio de uma grande corrente que pode ser de ideias, de tempo, de muita gente caminhando em direção a determinado lugar. Entrar nessa força que vai para algum lugar e deixar-se levar por ela…
A inércia é confortável e não envolve nenhum compromisso. Quando alguém se deixa cair, não se compromete com ninguém. Não há necessidade de defender nenhuma posição, nenhuma ideia, absolutamente nada. A inércia não exige nenhum esforço, pois é muito fácil cair. É muito mais fácil cair do que levantar. É muito mais fácil deixar-se levar do que assumir uma atitude pessoal e se opor a uma tendência. Portanto, a inatividade é a que indica a forma do movimento; é a maneira de nos deixarmos mover por grande parte dos seres humanos.
Para superar a quietude é preciso estar vivo. A palavra inércia, ou quietude, sugere falta de vida, morte, nada, vazio. E se não quisermos cair na inatividade, é preciso estar vivo. Mas VIVO, assim, com letras maiúsculas; Não basta apenas ter o corpo animado.
Há mais atitudes para analisar. Nem todos os seres se deixam levar pela inércia. Há quem faça isso, mas não totalmente bem. Há quem pense que FAZER refere-se apenas à matéria. O que não se faz com coisas concretas, que podem ser medidas, pesadas, calculadas, seguradas, tocadas, vistas, cheiradas ou saboreadas, são coisas que não podem ser feitas; nem existem.
É assim que nos encontramos diante de um grande número de seres que realmente funcionam, mas ao nível da matéria nada mais; procurando algo melhor para o corpo.
Atualmente existe um grande número de seres que trabalham e atuam por competência. São muito ativos, mas é um dinamismo baseado na vontade de se destacar, não de crescer cada vez mais, ou de fazer as coisas melhor do que são. É o pensar que é preciso trabalhar e trabalhar para ser considerado melhor que o outro; para ser mais admirado e aplaudido que o outro; para receber mais distinções, etc. Muitas pessoas trabalham com um dos objetivos mencionados, e apenas com esse único desejo.
Há também aqueles que agem e se movem com desejo de ganância, de acumulação. Trabalham incansavelmente para juntar coisas que nunca são usadas.
Pessoalmente, muitas vezes tiro grandes lições filosóficas da banda desenhada, porque o humor contém uma boa dose de conhecimento.
Lembro-me de ter lido a tradicional história do homem que conta à mulher, enquanto ambos carregam filhos muito maltrapilhos: «Hoje não comeremos, nem amanhã, mas que conta bancária temos! Somos milionários.»
Existem pessoas cuja ganância as faz acumular mil coisas que nunca serão usadas.
Encontramos quem age muito, porque não quer deixar um minuto para pensar. Porque sabem que cada momento de descanso é um encontro consigo mesmo, e é fatal porque é quando teriam que reconhecer que o esforço é um pouco vazio, sem direção, sem objetivo.
Essas pessoas não sabem o que procuram, o que buscam, nem para onde vão, mas trabalham e correm atrás de muitas coisas, porque se param, pensam, e preferem não descansar um pouco para não fazer perguntas a si mesmos.
Estas são todas as formas de atividade que queríamos destacar. É uma ação inacabada.
Gostaríamos de falar filosoficamente sobre o que entendemos por bom trabalho; do que significa fazer bem dentro daquilo que podemos fazer.
Penso, antes de mais nada, que a boa ação é ter a estranha capacidade de apreciar as pequenas coisas que estão ao nosso alcance. Quando falamos em fazer, sempre sonhamos em fazer grandes coisas. Imaginamo-nos no futuro como grandes sábios, ministros, reis, investigadores, artistas, mas grandes. Já que vamos fazer, queremos algo grande, importante, enorme.
Mas nunca nos ocorre parar na pequena tarefa que podemos fazer todos os dias, que não é muito importante, mas que deve ser feita… é precisamente aí que reside a sua importância.
São essas pequenas coisas, quando somadas, que milagrosamente dão um grande conjunto, um enorme elo, um pedestal capaz de sustentar os nossos trabalhos futuros. É, por isso, que pensamos que uma boa fórmula, um bom começo, é aprender a fazer pequenas coisas.
Outra boa fórmula é fazer algo todos os dias, em todos os momentos. Não se trata de pensar que na segunda-feira, por ser o primeiro dia da semana, alguma coisa será feita; na terça-feira, menos que no dia anterior; na quarta-feira estará cansado dos dois anteriores; na quinta-feira e na sexta-feira sonhará com o domingo; e no sábado e domingo descansará.
Isso é fazer pouco e mal.
Deve ser feito todos os dias e em todos os momentos. De tal forma que cada ato, cada gesto, cada palavra, cada pensamento, cada sentimento é feito, controlado e dirigido para um objetivo, embora só seja conhecido por quem o realiza; isto é, nós mesmos.
Fazer bem é agir naturalmente; é agir sem vaidade excessiva e sem falsa modéstia. É fazer as coisas da maneira certa.
Mas para fazer bem é preciso saber escolher. Se não aprendermos a escolher entre as muitas coisas que a vida nos oferece, não saberemos o que fazer. Se fizermos tudo, uma das nossas obras invalidará a outra; porque tudo às vezes envolve tantas contradições, que para fazer bem e colher frutos válidos, precisamos ESCOLHER o que vamos executar.
Escolher significa algo ainda mais importante: DECIDIR. Uma vez escolhida, é importante decidir realizar exatamente o que selecionamos. É preciso perder o medo de decidir. Devemos esquecer um medo que todos carregamos dentro de nós, que é o medo de errar.
O que pode acontecer connosco se seguirmos o caminho errado? Nada! Repetiremos aquele facto que nos fez mal com uma nova sabedoria que não tínhamos antes: a experiência. Como diria Marco Aurélio ao escrever os seus pensamentos: «O que pode acontecer ao homem que não seja próprio do homem?» Se estivermos errados, tentaremos novamente.
Devemos perder o medo do fracasso, porque há seres que sairão da vida sem terem cometido um único erro, é verdade; mas terá sido assim pela simples razão de que não fizeram absolutamente nada, e isso não traz nenhuma vantagem.
Preferimos fazer algo com todo o coração, com toda a boa vontade, e às vezes cometer erros, mas poder ganhar experiência como contrapartida ao erro que cometemos.
Pensamos que ninguém pode escapar da ação. Se acreditarmos que ficando parados não agimos; que ao deixar o corpo sozinho não fazemos nada, estamos absolutamente errados. O corpo não terá movimento, mas a mente e o sentimento estão igualmente agitados. E, obviamente, a respiração, o coração e o sangue das nossas veias continuam o seu ritmo normal.
Não podemos ficar completamente quietos; fazer, sempre fazemos: com o corpo, com a psique, com a mente ou com o espírito – se conseguimos despertá-lo – mas estamos sempre fazendo alguma coisa.
Já que sempre temos que fazer isso, façamos pelo menos despertos! Façamos isso de forma consciente, sabendo o que desenvolvemos, não deixando que cada uma das nossas ações corra de acordo com o acaso e acabe como for, claro está, erraremos com muito mais frequência.
Fazer é uma grande lei da Vida. Atuar é a Grande Lei da Vida.
Livros antigos – daqueles que às vezes valem a pena ser revistos – indicam que nada no mundo está em repouso. Tudo está em movimento. E esse movimento, esse ir a algum lugar, é como um grito no meio do espaço. É dizer: Eu vou em direção a alguma coisa, estou caminhando, estou procurando.
O que almejamos quando buscamos e caminhamos é a nossa própria perfeição. As estrelas, os sóis, os planetas se movem; nos movemos, os animais e as folhas mexem-se com o vento. Até as pedras estalam com o calor e o frio. Tudo se move, tudo caminha para a sua própria perfeição.
O importante é fazer sabendo o que fazemos. Isto é o que chamamos de fazer bem; a boa ação.
Quando fazemos algo é importante saber em que objeto vamos agir. Não estamos dizendo nada de novo quando afirmamos que o primeiro elemento sobre o qual devemos agir somos nós mesmos. Não pode esperar nenhum tipo de ação sem ter aprendido a trabalhar o seu próprio ser; aquela própria existência que nos acompanha e na qual estamos comprometidos.
Temos que fazer sobre nós mesmos a vários níveis.
Primeiro, já que estamos encarnados e temos corpo, sobre a parte física. Aprendemos isso muito bem. Nós o alimentamos, o fazemos dormir, o lavamos, o vestimos, etc. Com ele, dentro do que se entende por ação, passamos a nos entender um pouco.
A nossa psique não é mais um corpo bem cuidado, bem vestido e bem comido como este que apresentamos. As coisas nesses níveis mudam completamente. Tendemos a negligenciar a psique porque, como ela não se vê, por que faremos algo com ela? Ninguém se preocupa em trabalhar em algo que não pode ser visto a olho nu, basta esticar os cantos da boca para escondê-lo imediatamente.
No nível psíquico, fazemos pouco. A nível intelectual, menos ainda. Estudar as coisas de cor não é fazer; ler um livro sem saber metade dele também. Estudar por obrigação, não gostar do que aprendemos, do que lemos ou do que falamos, também não é fazer. Portanto, também intelectualmente somos completamente descuidados e sem instrução.
Portanto, quando falamos em fazer, queremos dizer atuar nos campos físico, psicológico, mental e moral. Todos gostaríamos de ser melhores, mas não fazemos nada para o conseguir. Ficamos onde estamos, esperando que desça a graça, a iluminação. A última coisa que nos ocorre é trabalhar em nós mesmos.
Há uma grande tarefa que é começar a fazer consigo mesmo e depois continuar com os outros. Quando finalmente nos dispusermos a fazer algo em benefício dos outros, as nossas mãos estarão cheias de sabedoria e talvez saturadas de durezas; daquelas durezas que nem sempre se veem, mas que vêm de ter brigado muito consigo mesmo.
Para poder fazer algo pelos outros, não basta a simples generosidade e a simples boa intenção, faz falta fazer algo sem danificar; é necessário querer coisas boas para os nossos semelhantes, mas vê-las na prática sem que a dor apareça nos olhos dos outros. É muito difícil fazer pelos outros sem nunca prejudicar ninguém.
O importante é alcançar o meio certo, no qual vamos conseguir para nós e para os outros, sem prejudicar, sem causar infelicidade. Isto é o que deveria nos preocupar constantemente antes de encher a boca com tantas palavras sobre o amor à Humanidade, sobre o respeito, sobre os direitos humanos, e sobre tantas frases bonitas que agora se dizem, mas que não são compreendidas de forma alguma.
Para fazermos coisas positivas para nós e para os outros, precisamos imitar, sem vergonha, aqueles que foram nobres, virtuosos, destacados nas suas vidas. Por que temos História, se dela não vamos extrair nada? As grandes obras foram destinadas para que um filho, um discípulo, um irmão pudesse recolher bons ensinamentos.
Outro desses livros antigos diz: «O que um homem virtuoso faz é imitado por outros homens». O que acontece hoje é que o que muitos seres pervertidos fazem é imediatamente copiado por muitos. A nossa tarefa é mudar esta tendência típica das épocas de crise.
Existem vários pontos que devemos considerar antes de pensar em fazer. Primeiro, propor-nos uma ação, tê-la firme e clara. A segunda parte é realizar a ação, começando por escolher os meios que nos permitem levá-la à prática da melhor forma possível. E a terceira e mais importante é finalizar a ação; não deixar trabalhos incompletos. As tarefas inacabadas são anarquias que se acumulam dia a dia no coração.
Como às vezes ensinamos nas aulas de filosofia, as obras incompletas estão mortas no cemitério dos sonhos, daqueles sonhos que guarda todo homem dentro de si.
Chorar a morte de entes queridos é muito triste; levar flores para quem amamos muito e que não está connosco é consternador. Mas carregar silenciosamente, sem sequer poder expressá-lo, a dor que sentimos por todas as ideias que tivemos e não conseguimos concretizar, é muito mais triste ainda.
Todas as obras devem ser concluídas. E por isso devemos propor diariamente trabalhos na medida das nossas possibilidades, concluí-los, e no dia seguinte considerar-nos um pouco mais, uma nova tarefa que seja um avanço em relação ao que acabamos de fazer.
Agora que está na moda o orientalismo, é bom relembrar algumas anedotas antigas, daquelas que sempre trazem grandes lições. Um deles diz que um Mestre dizia: «Peço um ao meu discípulo. Se me faz um, peço dois. Quando vejo que ele consegue fazer dois, peço quatro. Se faz quatro, peço oito. Se ele conseguir fazer oito, exigirei dezasseis. Ao perguntar ao Mestre: «E se o seu discípulo estourar?» O Mestre respondeu: «É a melhor coisa que poderia acontecer com ele».
Este “estouro” deve ser entendido como uma eclosão, uma explosão do ser interior, onde se descobrem os verdadeiros poderes, a verdadeira força, a verdadeira capacidade de fazer. Se não exigirmos nem um, nem dois, nem quatro ou nem oito, nunca seremos capazes de fazer dezasseis.
Um bom começo é realizar todos os dias aquelas coisas que nos propusemos a fazer ao acordar pela manhã.
Portanto – recapitulando um pouco – estamos em crise e esta situação implica inércia e inação. Mas vamos superar esta crise, independentemente das regras gerais que o indiquem. Queremos ser diferentes: é assim que queremos e realmente sentimos isso. Por isso gritamos no meio desta etapa conflituosa: É TEMPO DE FAZER.
Fazer não é destruir, embora muitos possam pensar assim. Destruir é uma aparência de ação, pois nada mais é do que a inércia que possuem todos os corpos materiais, que se desgastam com o tempo. As coisas desaparecem naturalmente com o tempo; a inércia as elimina. Mas como o espírito não se destrói nem é destruído, nesta área só podemos falar de ação.
A ação envolve substituir coisas antigas por novas, para que sejam melhores e se perpetuem. Mas acima de tudo substituir; porque até um ciclone pode simplesmente rebentar, mas somos seres humanos.
Fazer não é protestar. O protesto é estéril, não é um ato, não dá frutos, não rende absolutamente nada. O protesto, se for sincero, deve ser acompanhado de uma ação que tenda a remediar os males que tivemos a coragem de mencionar.
A ação não é crítica. É muito fácil criticar o que os outros fizeram, mas pelo menos fizeram alguma coisa, mesmo que tenha sido mau, mas agiram. É muito pior colocar-se numa atitude de crítica constante sem fazer absolutamente nada.
Fazer não é mudar por mudar, mas sim modificar melhorando.
Às vezes uma pessoa muda de função e para ganhar a confiança do Chefe ou Diretor pergunta o que seu antecessor fez (isto também ocorre na Política). Tentará promover mudanças e derrubar tudo o que veio antes, e parecerá por um tempo que tudo é ação, tudo é movimento. Mas se no final não houver uma melhoria definitiva, o que aconteceu é apenas uma farsa.
Nenhuma mudança faz sentido se não significar progresso em relação ao que veio antes.
Por tudo o que afirmamos até agora, acreditamos que podemos extrair verdadeiramente o significado do que é ação. Não criticar, não protestar, não mudar se não for necessário, não destruir. Assim teremos a ação que nos caracteriza, que nos permite viver o nosso tempo, o nosso momento de crise.
Uma ação adequada é aquela que nos permite participar ativamente na História. Chega de olhar a História pelas janelas da nossa própria vida! Chega de olhar como simples espectadores! Chega de sonhar que outros virão fazer coisas! Chega de pensar quem vai resolver os problemas!
É TEMPO DE FAZER. É tempo de assumir uma atitude firme e determinada naquele lugar onde a vida nos colocou. Cada um tem uma tarefa marcada, com coisas para fazer e sonhos para realizar; com seres que dependem de nós, que nos amam e nos seguem; com outros seres que amamos e seguimos.
Então, a nossa ação está naquela posição que a vida nos proporciona, e para que a nossa missão seja perfeita, temos que realizar cada uma das pequenas tarefas diárias, simples e humildes, mas mesmo assim tarefas. Nelas deixaremos o nosso selo, a nossa marca humana, a nossa vontade e o nosso sentido de realização.
Devemos fazer coisas para nós e para os outros – fundamentalmente para os outros – porque é muito bonito pensar mais nos nossos semelhantes do que em nós próprios.
Devemos fazê-lo para hoje e para amanhã – fundamentalmente para amanhã – porque é muito reconfortante terminar o trabalho que temos nas mãos, sabendo que nem tudo termina aí, mas que outros seres virão segui-lo e beneficiar do que fizemos, do que deixamos para eles.
Deve ser feito para o corpo e para a alma – fundamentalmente para a alma – porque o corpo que temos serve apenas como veículo, como meio de expressão; irá se desgastar e desaparecer. Mas a alma é velha, tão velha que é eterna.
Se conseguirmos dar ao nosso trabalho esta projeção: para a alma mais do que para o corpo, para o amanhã mais do que para hoje, para os outros mais do que para nós mesmos, o momento atual que vivemos tomará um rumo completamente diferente. Será uma crise, sim, mas aprenderemos com os problemas e ganharemos uma experiência que será positiva em todos os sentidos.
Começamos dizendo aquele velho ditado que diz que Deus trabalhou seis dias e descansou no sétimo. Estas não são apenas palavras. Este é um ciclo numérico que nos diz algo. É um ciclo profundo que nos diz que, antes de o Universo surgir, antes de a Criação se manifestar, Deus respirou, um momento, uma pausa para permitir que todo o seu trabalho se refletisse nesta imensa maravilha que vivemos todos os dias.
Mas agora que o Universo está em movimento e as estrelas atravessam o infinito Cosmos, Deus já não descansa. Certificamo-nos de que Ele não descansa. Está em cada um de nós, vive em cada partícula que tem vida, portanto está em perpétua ação.
Acredito que, diante de tal exemplo, diante desta Lei – que se não quisermos concebê-la como divina, podemos pensá-la como matemática – diante dessa perfeição de um Universo em movimento, de um Cosmos em movimento, de estrelas que conhecem o seu caminho e repetem incansavelmente o seu percurso, poderíamos dar o exemplo e sacrificar aquele imerecido sétimo dia de descanso.
Penso que podemos muito bem fazê-lo, uma vez que há pouco chegámos à conclusão de que nunca estamos inativos. Não querer um sétimo dia de descanso é querer ser grandes e nos colocarmos ao nível do Universo, ser como as estrelas, vibrar eternamente.
Não vamos descansar. Neste nosso tempo de crise, descobrimos o grande segredo: é tempo de ação!
É tempo de fazer, e o que queremos fazer é este Mundo Novo e Melhor com que todos sonhamos. Mundo que está aqui, ao nosso alcance. Só é preciso dizer JÁ!
Delia Steinberg Guzmán
Publicado na Revista Nueva Acrópolis em 10 de abril de 2024
Imagem de destaque: Antigos Ofícios Tradicionais de Artesão (Imagem Composta). Domínio Público.