
Fotografia de Pierre Poulain / www.photos-art.org
Este texto de José Carlos Fernández foi inspirado na fotografia acima de Pierre Poulain, fazendo parte de um projeto intitulado FiloFoto.
Ao ver esta fotografia é fácil começar a imaginar os primeiros acordes de Stairway to Heaven, a famosa canção do grupo Led Zeppelin. Subir uma escada faz-nos sentir mais perto do céu. O horizonte avistado é maior: símbolo de objetividade, de sereno entendimento. Evoca o feito de subir ao alto de uma montanha seguindo as marcas dos que nos precederam no caminho. Uma subida em que não há apenas um caminho traçado mas sim degraus esculpidos na rocha — árduo trabalho daquele que não pensou apenas em subir mas também em ajudar a que outros subam. A escada com os seus degraus e a sua possibilidade de subida ou descida é um dos símbolos mais distintamente gravados na nossa alma.
A ideia de que nos encontramos num caminho (que esta terra não é a nossa verdadeira morada), e que se nos exige, buscando a perfeição, avançar, subir, é uma das ideias inatas sine qua non da condição humana. Convertemo-nos em estátuas de pedra com pés de lama se perdemos o sentido do caminho, de subida, se deixarmos de estar, mais ou menos dolorosamente, em marcha. Será sempre mais doloroso deixar de avançar, que é como deixar de viver ou perder o sentido da vida. E sem este, avançamos em círculos que é o mesmo que estar parado ou até mesmo pior. Tal como diziam os Egípcios: “não caminhes em círculos apenas porque não resistes à tensão de estar parado”. Parar, pode ser simplesmente aguardar a melhor oportunidade de iniciar o movimento. Aquele que caminha em círculos pelo facto de se crer em marcha não está aberto a essas possibilidades e oportunidades.
Platão dizia que ao subirmos uma montanha não vemos as estrelas maiores (como se todo o nosso esforço não tivesse servido de nada quando cremos que estamos mais perto delas), mas que as vemos melhor, sem a atmosfera turva que oculta a visão, e em maior quantidade, sentindo-nos deste modo mais perto do céu. Quanto mais alto, segundo algumas tradições esotéricas, mais longe estamos do estômago da terra, da combustão da sua vida e alimento. Apenas o ato de imaginar — pois imaginar é como viver para a alma — que subimos uma escada, aclara a nossa paisagem interior. Cada degrau é uma nova realidade, uma nova verdade conquistada.
Os filósofos egípcios chamaram Escadaria de Ra (o sol da bondade e poder) à ascensão da alma à condição divina, e diziam que cada um dos degraus era um braço de Deus, ou seja, que uma força celeste regia cada um destes degraus associados à consumação de um tempo interior. Cada um destes degraus da Escadaria da Luz Solar, também chamada “Escadaria de Ouro”, revelava uma faceta oculta de nós mesmos, um poder interior, uma nova compreensão, e a transmissão de um ensinamento implícito. As máximas filosóficas de certas obras, como em Luz no Caminho (transcrita por Mabel Collins) ou A Voz do Silêncio (do corpo esotérico do budismo mahayana), diziam-se estar vinculadas ao significado destes degraus que nos elevavam do fundamento material até a um céu interior.
No livro místico A Voz do Silêncio está escrito:
“Existe apenas um caminho para a senda e somente no seu fim pode ser ouvida a Voz do Silêncio. A escadaria por onde ascende o candidato é formada por degraus de sofrimento e dor que só podem ser silenciados pela voz da virtude. Ai de ti, Discípulo, se restar um só vício que não tenhas deixado para trás. Pois então a escada cederá e far-te-á cair; a sua base apoia-se no profundo lodo dos teus pecados e defeitos e, antes que possas atravessar esse largo abismo de matéria, tens de lavar os teus pés nas Águas da Renúncia. Tem o cuidado de não por um pé ainda sujo no primeiro degrau da escada. Ai daquele que se atrever a sujar um só degrau com os seus pés lamacentos! A lama vil e viscosa secará, tornar-se-á pegajosa e acabará por colar-te o pé ao degrau, e como a ave prisioneira da rede do astuto caçador não poderás continuar a caminhar. Os teus vícios tomarão forma e arrastar-te-ão para baixo. Os teus pecados levantarão a voz como o riso e soluço do chacal depois do pôr-do-sol; os teus pensamentos transformar-se-ão num exército e levar-te-ão como escravo cativo”.
Tal como observamos nesta escadaria, em civilizações antigas como a Maia da América Central, jogava-se com a inclinação e medida dos degraus para criar a ilusão de ótica de que estes eram muros e que só quando te aproximavas com determinação vias que se podiam subir. O mesmo para descer, pois só quando te aproximavas decidido ao abismo vias que o muro era na verdade uma escada.
O Faraó, no Egito, todos os dias ao amanhecer devia realizar uma cerimónia de renovação, subindo uma escadaria com um número simbólico de degraus, para saudar o Sol que, banhando-o com a luz da sua alegria, banhava moralmente o país inteiro. E eis que na nossa sociedade atual, doente e letárgica no seu desejo insaciável pelo cómodo, nos esquecemos da alegria das subidas e do perigo das descidas. Assim como há a força da gravidade que prende os corpos e que evita que subam, um instinto da matéria; também existe um instinto da alma que nos chama às alturas, e que fica tentado perante os desafios do difícil, sabendo que assim a alma vence as suas limitações, expande-se e recupera a sua livre condição.
Edmund Hillary, quando lhe perguntaram do porquê de ter escalado o Evereste, com tantos perigos à espreita e riscos de perder a sua vida, disse de forma simples e humilde: “A Montanha, ali, com a sua imponente beleza, era um desafio, uma chamada permanente que não podia recusar.”
Hay efectivamente una magia y un sentido profundo en la Escalera, en el subir peldaño a peldaño, que nuestra sociedad acelerada y superficial muchas veces no nos deja ver. Es como el sístole y diástole de la vida, subir y asentar, subir y asentar. Esto es lo que la vida, o mejor, el alma entrelazada en ella nos pide, ni más ni menos.