LIMITES DO CONHECIMENTO

O Universo é um mistério, uma chamada à investigação e ao conhecimento. Como disse Heraclito: “a natureza gosta de se ocultar” e apesar dos nossos esforços para chegar ao fundo das coisas, sempre haverá algo escondido e incompreensível para nós. Pois, um novo conhecimento abre novos horizontes ao desconhecido. Este viver na presença do mistério dá significado e encanto à vida.

A cognição é a característica fundamental do Ser Humano. É que, para viver, há que saber como sobreviver física e espiritualmente. O conhecimento é necessário não apenas para saber mais, mas para Ser mais, ou seja, integrando o conhecimento, para se aproximar mais à causa do seu próprio ser.

O homem ocupa um lugar especial entre todos os seres vivos. Adquire o seu conhecimento não só através dos sentimentos, das emoções e da razão mas, também, pela mente e pela intuição que percebem o mundo na sua integridade e unidade física e metafísica.

“A natureza abrange a vida, e quando a vida se desenvolve, o propósito da natureza está cumprido. A vida oculta a consciência em si, e quando liberta a consciência, chega ao seu objetivo. A consciência é realizada quando o intelecto se manifesta. Mas a verdade do intelecto alcança-se quando está absorvido pela intuição superior, que não é nem pensamento, nem vontade, nem sentimento, mas mesmo assim é o objetivo do pensamento, o limite da vontade e a perfeição do sentimento. Quando o eu finito alcança o supremo, então alcança a divindade de onde vem, atinge o limite da vida espiritual.”

Radhakrishnan; “Filosofia de India 1”

Queremos conhecer o mundo em que vivemos, queremos revelar os seus segredos. Em algum momento nos perguntamos como e quando nasceu o Universo e todos os objetos que abarca, desde a Terra até ao cúmulo das galáxias; desde as formas de vida mais primitivas até ao Ser Humano.

Assim, temos três grandes questões diante de nós: sobre o Universo na sua totalidade; sobre os objetos observados no universo e sobre a vida, a sua origem e natureza. Cada uma destas perguntas são uma espécie de enigma que requer uma resposta. É muito importante aperceber-se que, apesar das hipóteses e teorias que a ciência e a filosofia podem oferecer, a base de qualquer teoria é uma série de axiomas-postulados não demonstráveis. Durante os últimos dois séculos a ciência tem sido capaz de responder a muitas perguntas, mas as coisas não são tão simples e inequívocas como podem parecer aos não iniciados nas teorias científicas, que são, antes, não verdades absolutas, mas modelos do mundo, uma tentativa de explicá-lo.

Além do problema da possibilidade de conhecer o mundo, deveríamos preocupar-nos com mais uma pergunta: em que medida queremos e podemos nos conhecer a nós mesmos? Ao fim e ao cabo, o homem é um universo, um microuniverso.

A GÉNESE DO UNIVERSO

Falando do universo, referimo-nos a tudo o que existe no tempo e no espaço. A questão do seu nascimento e formação sempre preocupou os filósofos e os cientistas. Eles têm tratado de explicar porque é que o mundo é tal como é, como surgiu e o que é o arché de todas as coisas.

O Universo é, isso é um facto indiscutível, mas como surgiu, qual é a natureza da matéria, tempo e espaço? Como surgiram as estrelas e que leis governam o universo?

Na antiguidade as mitologias respondiam a estas perguntas.

Nos mitos de diferentes nações existem três modelos principais que descrevem a génese do universo. Segundo o primeiro modelo, a sua formação deve-se a duas causas. Uma são as águas do abismo primordial, o estado primordial do cosmos infinito, sem forma, orientação e sem características positivas mas, ao mesmo tempo, com a possibilidade de todas as coisas. A segunda causa organiza esse caos e desperta as sementes da vida para o seu crescimento e desenvolvimento.

“O primeiro mundo foi Tokpela [Espaço Infinito]. Antes estava só o Criador, Taiowa. Tudo o resto era espaço infinito. Não havia nem fim nem princípio; não havia tempo nem forma nem vida. Só um vazio imenso cujo princípio e fim, tempo, forma e vida estavam na mente de Taiowa, o Criador. Então ele, o lnfinito, concebeu o finito, e criou Sótuknang, dizendo: criei-te, a primeira força em forma de pessoa, para levares a cabo o meu plano de vida no espaço infinito…”

“O mito do povo nativo-americano Hopi”

De acordo, com o segundo modelo cosmogónico, o Universo surge de um certo Ser que morre ou se sacrifica para que todas as coisas celestes e terrestres, e todos os seres vivos possam surgir do seu corpo.

“E assim como Pan Gu nasceu sonhando, sonhando morreu. Do seu corpo se fez o mundo. Da sua respiração surgiu o vento, da sua voz o trovão, do olho esquerdo o sol e do direito a lua. O seu corpo transformou-se nas montanhas, o seu sangue nos rios, os seus músculos nas terras férteis, o pêlo do seu rosto nas estrelas e na Via Láctea. O seu cabelo deu origem aos bosques, os seus ossos aos minerais valiosos, a medula em jade e pérolas. O seu suor caiu na forma de chuva e as pequenas criaturas que povoam o seu corpo, levadas pelo vento, converteram-se nos seres humanos.”

“O mito sobre Pan Gu”

O processo de criação também pode ser realizado como resultado da vontade do próprio criador (o terceiro modelo mitológico), que com o poder do seu pensamento e palavra cria todas as coisas.

“E Deus disse: Faça-se a luz; e fez-se a luz… Então Deus disse: Haja expansão no meio das águas, e separem-se as águas das águas… E assim foi. Deus também disse: Juntem-se as águas que estão debaixo dos céus num lugar, e descubra-se o seco. E assim foi.”

“Genesis”, 1:1 - 1:7

“«…. Que a terra nasça, se afirme». Disseram…. Assim falaram, por isso nasceu a terra. Tal foi, na verdade, o nascimento da terra existente. «Terra», disseram e em seguida nasceu.”

Popol Vuh

Criação do Mundo, Ivan Aivazovsky (1864). Domínio Público

Podemos encontrar estes três modelos da criação nas Leis de Manu:

  1. Este mundo estava submerso na obscuridade, impercetível, desprovido de qualquer atributo distinto, sem poder ser descoberto pelo raciocínio, nem ser revelado, parecia entregue inteiramente ao sono.
  2. Quando o término da dissolução (Pralaya) concluiu, então o senhor existente por si só e que não está ao alcance dos sentidos externos, fazendo percetível este mundo com os cinco elementos e os outros princípios, resplandecentes do mais puro brilho, apareceu e dissipou a escuridão, ou seja, desenvolveu a natureza (Prakriti).
  3. Tendo resolvido, na sua mente, fazer emanar da sua substância as diversas criaturas, produziu primeiro as águas em que depositou um gérmen.
  4. Este gérmen transformou-se num ovo brilhante como ouro…
  5. Depois de ter permanecido neste ovo um ano de Brahma (3), o senhor, unicamente por obra do seu pensamento, separou este ovo em duas partes.
  6. E destas duas partes, formou o céu e a terra; no meio colocou a atmosfera, as oito regiões celestes e o depósito permanente das águas.

Todos estes modelos cosmogónicos podem ser interpretados filosoficamente, como o fizeram os estoicos e os platónicos. Então, o vazio original representará a matéria primordial, a mãe dos elementos (mãe tangível), o recipiente de tudo e o preenchimento de todas as formas; a divindade, de cujo corpo surge o Universo, simboliza o princípio único, a partir do qual surgem a vida e a matéria, que são inseparáveis e por isso não há matéria sem vida, nem vida sem base material. Os mitos, segundo os quais tudo surge por causa do poder do pensamento e da palavra criadora, afirmam simbolicamente que a ordem não pode surgir por si mesmo e que o Universo é um reflexo da mente cósmica (o mundo das ideias).

Platão, no Timeu, oferece um modelo filosófico da origem do Cosmos, o mais perfeito de tudo o que surgiu e existe. O seu universo não só é perfeito e belo, é vivo, inteligente e divino, dotado de corpo, alma e mente. E, ao ter um corpo, está no poder não só da providência, mas também da necessidade cega. Por outras palavras, a base material do Universo impõe as suas limitações a tudo o que participa dela, ou seja, pertence ao mundo sensível, corpóreo, imperfeito e corruptível.

Do ponto de vista da física moderna, o Universo surgiu após um evento conhecido como o Big Bang (“grande explosão”), com o qual nascem o tempo e o espaço, e se liberta uma grande quantidade de energia, que mais tarde se transformou na matéria. Foram necessários vários milhões de anos para que as sementes da matéria diferenciada dessem origem às estruturas cósmicas, galáxias, estrelas, planetas, incluindo a nossa Terra.

Então, a matéria é energia e a energia é matéria que existe na forma de partículas elementares (que são simultaneamente ondas). Porquê estas têm carga elétrica, massa e outras características, que se assemelham aos números – princípios da doutrina pitagórica, onde um número não pode ser derivado de outros números? E porquê interagem de quatro maneiras possíveis, recordando assim a tétrada de Pitágoras? Como é que a matemática descreve o mundo físico de forma muito precisa? A base da realidade é número e logos ou relação numérica? A cosmologia moderna pode ser definida como a busca de uma formulação matemática que represente os fenómenos da natureza tomadas como uma totalidade.

Deve-se assinalar que entre o modelo cosmogónico científico e o platónico, à parte as diferenças fundamentais, há algo em comum: o desejo de descrever o mundo baseando-se em leis e princípios matemáticos.

No entanto, apesar da beleza e da consistência interna de cada um destes dois modelos, deveríamos preferir, como disse um cientista, aquele que nos pareça mais razoável e se ajuste melhor aos dados, o modelo que “funciona melhor”.

Modelo cíclico

As ideias cosmológicas sobre o Universo da filosofia oriental diferem ligeiramente das da filosofia grega, segundo as quais o universo é imóvel e eterno. A filosófica oriental fala de um universo oscilante. O Universo presente não é o primeiro nem o último na sequência de universos que nascem e morrem. Segundo a cosmogonia budista e hinduísta o Universo visível é o corpo de Brahma, que vive um certo número de anos divinos e finalmente morre para que depois da grande noite cósmica (pralaya) desperte novamente para a vida e dê à luz um novo universo. O novo ciclo começa com a aparição de um forte vento kármico, que começa a estruturar o espaço, os elementos e as forças que dormem nele.

Nascimento de uma galáxia, Max Ernst (1969). WikiArt

A ideia de que o universo é cíclico encontra-se também na filosofia ocidental. Assim, segundo os estoicos, o presente Universo perecerá na conflagração cósmica ou consumação pelo fogo que, sendo a semente do cosmos e a fonte dos princípios formativos (logos espermatikos ou razão seminal, a potência original e criadora de todas as coisas), dará à luz um novo ciclo. Segundo os estoicos, o mundo reconstrói-se sempre do mesmo modo, não só em geral mas, também, em mínimos particulares, visto que está animado pelo mesmo logos. A filosofia oriental diz que cada novo universo continua do anterior, eleva os seres vivos a um novo nível de evolução, levando todo o existente até à perfeição.

A ideia do universo cíclico não é alheia à ciência moderna que fala do universo oscilante, que nasce de um “ponto”, expande-se a um certo limite e sob a influência da gravidade, começa a contrair-se até chegar ao ponto de onde começou tudo e que voltará a explodir para começar tudo de novo.

Então, conhecemos dois modelos principais do universo. Segundo o primeiro, o Universo, embora tenha surgido, existirá para sempre, de acordo com o segundo, nasce e morre no tempo e com o tempo.

“Mas quando (Platão) disse que o mundo foi gerado não devemos entendê-lo como se tivesse existido um tempo onde o Mundo não existia; senão que este está sempre em contínua geração, e progressivamente mostra algo como uma causa mais antiga que a sua própria constituição. E até a divindade não cria a Alma do Mundo, mas coloca-a em ordem.”  

Alcínoo; “Exposição didática das doutrinas de Platão”

“Ao começar o dia, todas as manifestações surgem do não manifestado (avyakta); com a chegada da noite dissolvem-se ali mesmo, no não manifestado… Todos os seres entram na minha natureza no final do kalpa, [e] no início do kalpa eu crio-os novamente.”  

Bhagavad-gita

Cosmos – Céu

A imutável ordem celestial deu lugar ao conceito do cosmos, o universo harmonioso regido por umas leis cognoscíveis e inteligíveis pelo homem através das matemáticas. Todos os movimentos observáveis no céu refletem o movimento da mente-espírito, que sempre contempla o Uno, e gira em redor dele. Para Platão, o cosmos é Deus visível e sensível, formado à semelhança do Deus inteligível, e as estrelas e planetas são os veículos e corpos dos deuses celestes, de várias categorias. Todas estas deidades ocupam uma posição intermédia entre o mundo inteligível e o mundo sensível. Por participar do inteligível são eternos, por participar no sensível (o mundo material) são visíveis e inextricavelmente vinculados a tudo o que acontece no mundo sublunar.

Vale a pena recordar que há alguns séculos, a Terra era considerada o centro do mundo e a Via Láctea o seu limite. Então, como hoje, observando o céu, o homem viu diferentes objetos: estrelas fixas, duas grandes luminárias e planetas que, movendo-se nas suas órbitas, medem o tempo. Às vezes, do céu caem meteoritos, ou “pedras de trovão”, sobre a Terra, que deram lugar ao desenvolvimento da metalurgia. Algo ainda mais raro que pode ser visto no céu são os “vagabundos celestes” (cometas) que, como se acreditava na antiguidade, anunciavam grandes infortúnios e calamidades.

O desenvolvimento da física e da tecnologia mudou completamente a nossa compreensão da idade, tamanho e estrutura do universo.

O universo é enorme. Todos viajamos pelo nosso planeta, e podemos imaginar quão grande é… mas o Sistema Solar é muito maior. Quase toda a sua massa está concentrada no Sol (99,8%), que pode albergar mais de um milhão de Terras. Um raio de luz num segundo pode girar ao redor da Terra 7,5 vezes, e leva 8 minutos para chegar do Sol à Terra. Para superar a distância do Sol até Plutão, demora mais de cinco horas, e para chegar à estrela mais próxima, Alpha Centauri mais de quatro anos… a galáxia mais perto de nós e visível a olho nu, a nebulosa de Andrómeda, está a uns 2,5 milhões de anos-luz de distância.

Imagine um sistema solar do tamanho dum grão de arroz, então a Via Láctea será do tamanho de dois estádios de futebol. Ao reduzir a Via Láctea ao tamanho de um centímetro, recordará uma pequena espiral de creme de café no meio do espaço intergaláctico negro, e a cerca de vinte centímetros de distância haverá outra “espuma espiral”: a Nebulosa de Andrómeda. O tamanho visível do nosso Universo nesta escala será de 9,2 quilómetros.

Na Terra vivem cerca de sete mil milhões de pessoas, e na nossa galáxia há aproximadamente 200-400 mil milhões de estrelas. Resulta que cada pessoa tem a sua própria estrela no céu, e não apenas uma, mas várias dezenas. A nossa galáxia é uma das duas mil milhões de galáxias na parte observável do Universo… que, talvez, é só um dos muitos universos existentes, todos governados, como dizem os budistas, pelo destino, pela compaixão e pela vontade de ascensão espiritual.

Não é fácil imaginar tudo isto sem experimentar um assombro, temor sagrado e um sentimento de absoluta dependência perante o aterrorizante e encantador mistério da existência.

“Estamos na posição do menino pequeno que entra numa imensa biblioteca com centenas de livros de diferentes línguas. O menino sabe que alguém deve ter escrito aqueles livros. Não sabe como ou quem. Não entende os idiomas em que esses livros foram escritos. O menino percebe um plano definido no arranjo dos livros, uma ordem misteriosa, a qual não compreende, apenas suspeita. Essa, parece-me, é a atitude da mente da humana, incluindo a maior e culta, em torno de Deus. Vemos um universo maravilhosamente ordenado que obedece a certas leis, mas quase não entendemos essas leis. As nossas mentes limitadas não podem apreender a força misteriosa que move as constelações. Fascina-me o panteísmo de Spinoza, porque ele é o primeiro filósofo a tratar a alma e o corpo como se fossem um único, não duas coisas separadas.”

Segundo G. S. Viereck; Glimpses of the Great

Allegro (Sonata das Estrelas), Mikalojus Konstantinas Ciurlionis (1908). Domínio Público

 “Estando diante do trono do Demiurgo, só podemos dizer com Kant, «duas coisas culminam o ânimo com uma admiração e uma veneração sempre renovadas e crescentes, quanto mais frequentes e continuamente refletimos sobre elas: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim. Ambas as coisas não devo buscá-las… eu vejo-as perante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência.”  

I. Kant; Crítica da razão pura

OS MUNDOS

Como surgiram os corpos celestes?

Do ponto de vista da ciência moderna, a causa principal da formação e existência de todos os objetos celestes é a gravidade, que recolhe e condensa a matéria libertada após o Big Bang, formando a partir da poeira estelar as “sementes” que dariam origem às estrelas, planetas e outros objetos cósmicos.

Anton Musulin
Publicado na revista Pitágoras, Boletim n.º 10 de 2019

Imagem de destaque: A imagem de luz visível mais profunda do cosmos, o Hubble Ultra Deep Field. Domínio Público