Personagem multifacetada, Lúcio Aneu Séneca (4 a. C.- 65 d. C.) viveu uma das épocas mais controversas do Império Romano. Foi filósofo, político, advogado, escritor de prestígio no seu tempo e preceptor do imperador Nero. É um dos maiores expoentes do estoicismo romano.

A sua filosofia é uma autêntica terapia para a alma e um conforto para os momentos difíceis da vida.

Mais de dois milénios se passaram e os seus ensinamentos adquirem uma tremenda relevância pela sua profunda compreensão das fontes psicológicas do ser humano.

Séneca pretendia que a filosofia realmente ajudasse o ser humano a ser mais feliz, conhecer-se a si mesmo e viver mais de acordo com a natureza. Portanto, ele não considerava filosofia o que era ensinado por outras personagens que se chamavam a si mesmos filósofos e que se dedicavam a fazer jogos de sofismas ou silogismos cujo único propósito era aguçar o engenhoso. Cícero chamava aos sofismas “Reflexões” ou “interrogações subtis”, que são inúteis para a vida.

Séneca disse do seu mestre Papírio Fabiano que era um “filósofo não dos de salão, como os de agora, mas à maneira antiga”. Chama aos falsos filósofos Cathedrariiphilosophi, filósofos que ensinam a partir da cátedra, não com o exemplo da sua vida (a cátedra era a cadeira de braços da qual ensinavam).

Ortega y Gasset, no seu livro O que é a filosofia? explica por que a filosofia no nosso tempo tem sido suplantada por outras ciências que têm o propósito de “dominar a matéria”. Na segunda metade do século XIX, com a Revolução Industrial, foi dada especial importância ao funcional em detrimento das humanidades, mas como afirma o grande pensador espanhol, uma sociedade na qual a filosofia, a reflexão não tem lugar, é uma sociedade facilmente manipulada.

A filosofia coloca questões fundamentais para o ser humano, como qual é o sentido da vida. Se não temos grandes perguntas, em vez de nos aproximarmos de uma dimensão maior da vida, uma maior perspetiva, ficamos com a visão de uma “paisagem mutilada”.

Haveria uma diferença entre sabedoria e filosofia.

A sabedoria é a conquista do tão esperado Bem, é a chegada ao cume, é poder viver a arte da vida, ter alcançado o objetivo. A filosofia, por outro lado, é o amor ou o desejo de sabedoria. Procura o que a sabedoria já possui. O filósofo (filo, ‘amor’, e sofos, ‘sabedoria’) é aquele que “ama a sabedoria”. Através do caminho da virtude que o leva à essência de si mesmo, pode aproximar-se do essencial de todas as coisas. O que o filósofo deseja, o sábio já alcançou.

Só o sábio desfruta da verdadeira saúde. Os filósofos ou aspirantes à sabedoria também são chamados proficientes e são aqueles que aspiram à perfeição, aqueles que buscam ser curados das doenças da alma.

«Não é o mesmo recordar que saber. Recordar significa manter na memória o ensinamento aprendido; pelo contrário, saber é torná-lo seu, sem depender de um modelo, ou voltar o tempo todo o seu olhar para o mestre», diz-nos Séneca.

Também nos diz que a sabedoria, ao contrário dos conhecimentos técnicos destinados a tornar mais confortável a vida do homem, não ensina as nossas mãos, mas as nossas almas.

Séneca educa Néron, seu discípulo, na presença de Minerva. Creative Commons

A escola estóica foi bem-recebida em Roma. O seu ideal de excelência moral e de virtude dava segurança interior nos momentos de grande instabilidade devido às guerras civis e, mais tarde, pela conduta de alguns imperadores.

Séneca não se preocupa em transmitir as abordagens clássicas dos fundadores do estoicismo como Zeno, Crisipo ou Cleantes; destacará principalmente o valor prático do seu pensamento. Ele não se importa tanto com quais são os preceitos, mas se são adequados para o problema ou a pessoa a que se dirige. «O filósofo não está para servir como um arquivo sapiencial, mas para administrar com rapidez e lucidez o remédio apropriado.»

Vemos em Séneca o filósofo eclético que acolhe no seu pensamento o melhor das diferentes correntes filosóficas: estoicismo, cinismo, epicurismo, neopitagorismo. Para Séneca, como para Cícero, todas essas escolas buscam a felicidade; o que muda é o método, o caminho pelo qual cada uma persegue o tão ansiado bem que chamam de Supremo Bem. Mas é nos filósofos do pórtico que encontra a maior inspiração, tanto nas suas obras como na sua vida.

Séneca dará especial ênfase à moral. Escreveu um livro sobre filosofia moral que se perdeu, mas nas suas obras fica plasmada o seu ensino da moral especialmente nos diálogos e nas suas Cartas morais a Lucílio. Séneca eleva a moral atemporal ao lugar que lhe corresponde, uma ética profunda que vai além dos costumes próprios de uma época ou lugar determinado, e a sua implementação nos aproxima do mais nobre de nós e da natureza, permite-nos não depender do circunstancial na vida. A prática desta filosofia moral leva-nos à apatia (sem paixão ou perturbação da alma), ou seja, à serenidade, à saúde perpétua e integral.

Séneca não é simplesmente um filósofo de preceitos para levar uma vida mais feliz, mas o que pretende principalmente é que o ser humano saiba quem é e que lugar ocupa no mundo; só então, quando o ser humano quer viver de acordo com a sua natureza, surge o caminho da ética e a virtude.

«O estoicismo é amarga medicina. Séneca pertence a essa estirpe de antigos filósofos que nos traz o amargo despertar da razão, que nos afasta das nossas ilusões e sonhos para “nos fazer entrar na razão”, como o povo espanhol ainda diz. Vemos em Séneca um curandeiro da filosofia, que sem aderir estritamente a um sistema, zombando um pouco do rigor do pensamento, nos traz o remédio» (María Zambrano).

Séneca tira da filosofia a função de cura; o filósofo torna-se, assim, um condutor de almas ou psicagogos.

Se considerarmos a doença como uma falta de harmonia entre as partes de um todo, ela pode ocorrer não apenas no nível corporal, mas também a outros níveis, como o emocional ou mental.

Se a virtude é harmonia consigo mesmo, com a natureza e com Deus, a doença da alma ocorreria quando algo ocupou o lugar não lhe corresponde.

Para Séneca, a doença seria provocada pelas paixões e os vícios que aderiram tanto à alma que se tornaram crónicas, dando origem à doença, como uma constipação que, se se torna crónica, pode converter-se numa bronquite. A doença também seria a consequência de um erro de julgamento ou raciocínio sobre as coisas.

A filosofia à maneira clássica é um caminho para viver em harmonia com a natureza e alcançar um desenvolvimento integral do ser humano. Neste sentido, a filosofia é terapêutica.

As filosofias antigas desenvolveram uma série de práticas que serviram de terapia para a alma. Os diferentes discursos constituíam o remédio oportuno para restabelecer a saúde da alma: exortação, repreensão, consolo ou instrução.

Essas filosofias, que desempenharam um grande papel na direção espiritual das almas que sofrem, albergaram um grande conhecimento do «coração humano», de suas motivações, conscientes e inconscientes, de suas intenções profundas, etc.

Os seus diálogos morais são um exemplo do procedimento usado pelos filósofos estóicos e cínicos para conduzir a alma através do raciocínio, desde uma abordagem errónea e, portanto, que tende à doença, a um restabelecimento da saúde ao aplicar-se às diretrizes da razão que levam a sair da ignorância. Através do diálogo surgem os argumentos que levaram, após superar as oportunas objeções, a expor o remédio saudável para alcançar as virtudes curativas.

O diálogo é o estilo literário escolhido por Séneca para fornecer os remédios para os males da alma. Para isso, ele utilizará os recursos próprios da pregação popular: o uso de termos típicos da medicina, exemplos extremos que estimulam as consciências, as perguntas apropriadas, os exemplos históricos ou mitológicos, as citações dos sábios, etc. Como as tragédias, parece que os tratados de Séneca têm a intenção de impressionar mais o leitor através de lições do que de raciocínios lógicos.

Quando lemos as obras de Séneca, vemos que faz continuamente alusões à cura. Ele quer saber para ensinar, ser útil aos outros, exortá-los, confortá-los, para lhes dar remédios curativos que são os seus ensinamentos filosóficos. Nas suas obras, especialmente nas suas Cartas morais a Lucílio, encontramos numerosos parágrafos que demonstram os seus conhecimentos de medicina, e muitas alusões à terapia ou cura da alma através da filosofia. E é que o contato com as ideias dos grandes filósofos e pensadores produz uma elevação da consciência que favorece a saúde da alma.

Numa carta a Lucílio, Séneca, em vez de começar como era cortesia nas cartas: «Se tens boa saúde, fico feliz, eu estou bem de saúde», diz ele: «Se cultivas a filosofia, fico feliz, pois, isto é, em última análise ter boa saúde. Sem isto, a alma está doente; até o corpo, por muita energia que possua, não é tão vigoroso. Portanto, cultiva primeiro esta saúde; depois, a do corpo».

A terapia filosófica de Séneca pretende que confiemos a direção do leme de nossa alma à nossa melhor parte, à razão. Os julgamentos ou raciocínios certos sobre nós mesmos e sobre as coisas nos levam à saúde.

Para poder ser guiado pela virtude, o homem deve conhecer a si mesmo.

«Como vais encontrar o que é melhor para o homem se não examinas a sua natureza? Vais conhecer os teus deveres positivos e negativos quando saibas o que deves à tua natureza».

Para tudo, o melhor é para o que ele nasceu, e nessa conformidade se cumpre a sua perfeição (o Dharma dos hindus). A liberdade consiste em unificar a vontade com a necessidade divina, em saudar a ordem universal. «É livre quem livremente obedece ao que necessariamente acontece».

Para o estoico, só se considera bom o bom no sentido moral, as outras coisas não são realmente bens. Séneca, nos seus escritos, quer que não se confundam estas realidades com «o Bom», porque seria fazer depender o homem de coisas exteriores: fama, riquezas, etc. Mas como isto não depende de nós mesmos, por esse caminho não é possível alcançar a plenitude humana nem a felicidade. Séneca refere-se a essas realidades como indiferentes. Isso não significa que algumas sejam preferíveis ou cómodas a outras, mas em si não são boas ou más, não fazem bem ou mal a quem as possui. Seria igualmente falso medir a estatura dos atores quando eles estão com os seus coturnos em cena do que apreciar os homens juntamente com as coisas que possuem.

Para cada coisa, é bom o que está de acordo com a sua natureza, e quando realiza o bem específico e é louvável, atinge a sua razão de ser.

O que caracteriza o homem enquanto tal é a razão; portanto, o seu bem próprio é a razão perfeita ou «reta razão».

O honestum identifica-se com a razão perfeita, são boas as ações que provêm da reta razão. A virtude é uma disposição de regularidade harmoniosa, implica a adesão voluntária ao honestum, a retidão na intenção.

Personificación de la virtud (griego Ἀρετή) en la Biblioteca de Celso en Éfeso, Turquía , Carlos Delgado. Creative Commons

É então quando se produz a eudaimonia (bom daimon), que seria «estar na graça», estar em Deus. É a verdadeira felicidade, claritas. Surge quando o homem está em harmonia com a ordem universal. Disse Crisipo: «A eudaimonia chega quando foi tudo feito de acordo com o daimon [recordemos Sócrates] que cada um leva dentro de si mesmo, com a vontade do Governador do Todo».

Entre as virtudes, Séneca dá preferência à justiça; então, à moderação, à poupança, à continência, à serenidade, à tranquilidade de ânimo, à sinceridade, à elegância, à nobreza de caráter, à clemência e à sociabilidade.

A virtude vem do latim Virtus-utis, atividade ou força das coisas para produzir ou causar efeitos. Virtude é força, vigor, coragem.

O ser humano tem corpo e alma. Deve cuidar e proteger o seu corpo, como um tutor, mas não vive só ao seu serviço. Tem que se comportar não como se devêssemos viver para o corpo, mas como se a vida não nos fosse possível sem ele.

Se “o próprio” do homem é a razão, as ações propriamente humanas serão aquelas que têm sua origem na parte superior da alma. A razão enobrece o homem, dá sentido à sua vida, faz dele semelhante a Deus; em vez disso, paixão é imoderação, desequilíbrio interior, perda de vontade, e nos distancia da nossa verdadeira natureza.

Se «o próprio» do homem é a razão, é ela que deve governar a nossa vida, e essa é a tarefa da ética.

«A virtude é o perfeito equilíbrio e tónica da vida, sempre em consonância consigo, a qual não pode ser sem o conhecimento e a experiência das coisas, pelas quais se conhece o humano e o divino»

Séneca

Assim como o Logos comanda a natureza, a razão deve ordenar toda a existência do homem. Isso é viver de acordo com a natureza, em harmonia com ela.

Dessa vida de acordo com a natureza surge a ataraxia, que é o modo de vida do sábio, é uma quietude que erradica da alma os elementos da discórdia e falta de harmonia. Se houver dor, a razão vai privá-lo de tudo que seja nele supérfluo e desnecessário.

Da harmonia com a natureza também surge a eutimia, a estabilidade de coragem que Séneca traduz como tranquillitas.

Mas Séneca, enquanto se curva aos ditames do inexorável, não pára de lutar contra o evitável. Na tragédia Medea, encontramos esta frase: «A sorte teme os fortes e persegue os cobardes».

Ferramentas para a saúde na filosofia de Séneca

Atenção: Viver cada dia como se fosse o último. Ter consciência do presente.

Meditação: Prever problemas e dificuldades para encontrar soluções.

Refletir: nas máximas ou praeceptia.

Lembrança: Antes de começar o dia, pensar no que queremos fazer e como. No final do dia, fazer uma revisão do que foi feito, rever as atitudes perante o «tribunal de consciência».

Revisão: Tomar consciência do que pensamos sobre as coisas, ver se podemos ter um critério mais preciso.

Conhecer-se para se dominar: Que a nossa melhor parte seja a que nos governa.

Não adicionar sofrimentos desnecessário. Não nos atormentar com males que não aconteceram.

Aceitar o que não podemos mudar.

Acostumar-nos a procurar o porquê dos acontecimentos. As causas das coisas.

Ter todos os dias uma máxima ou ensinamento de algum filósofo que nos inspire e tentar levá-la à prática.

Ter uma boa amizade ou alguém para compartilhar os nossos sonhos de crescimento interior.

Ter critério próprio sobre as coisas, não se deixar levar pela opinião dos outros.

Viver como se um sábio nos estivesse a observar.

Assunção Soria
Publicado na revista Esfinge em 31-12-2019

Bibliografia

Séneca e os estóicos. Juan C. García-Borrén Moral.

Séneca e estoicismo. Paul Viene.

Séneca ou o poder da cultura. Julio Mangas Manjares.

Séneca. Isabel M.ª León Sanz.

O ideal do sábio em Séneca. M.ª A. Fátima Martín Sánchez.

Séneca. Maria Zambrano, 83.

Séneca. Diálogos. Matías López López.

Diálogos. Lucio Anneo Séneca. Carmen Codoñer.

Anales. Tácito.

Urbs Roma. José Guillén.

Suetonio. Os doze césares.

O que é a filosofia? José Ortega y Gasset.

A sabedoria recuperada. A filosofia como terapia. A Mônica Caballé.

Momentos estelares do mundo antigo. Ano um e as origens do cristianismo. António Piñero, 77.

Hadot, Pierre. O que é a filosofia antiga? Fundo de Cultura Económica. Madrid.

Imagem de destaque: A Morte de Séneca. Domínio Público