Lia e tomava notas do livro «O Universo de Quetzalcoatl», da genial Laurette Sejourné, sobre o pensamento e o simbolismo dos aztecas. Entretinha-me com as imagens que aparecem nele, quando uma delas me chamou particularmente a atenção.

Imagem Biblioteca Apostólica Vaticana

Xolotl, símbolo da alma humana sendo devorada pela serpente, veja-se o olho (à esquerda) e as presas da cobra

Nela, a alma humana, representada pelo deus Xolotl, tem de atravessar, nua e nadando, o interior de uma grande serpente. Na imagem, do Codex Borgia, a pele da serpente está «levantada» para que possamos ver como esse deus nada, com dificuldade, através das suas entranhas. Na primeira vez que a vi, pensei que, em comparação com outras culturas, era um perfeito símbolo da alma humana quando, despojada dos seus atributos celestiais, se vê obrigada a revestir-se de carne, viver no seio da grande serpente (símbolo da terra, da matéria, também do tempo, como cenário de manifestação), para passar por ela até sair desta mais luminosa, forte e purificada.

Imagem Biblioteca Apostólica Vaticana

Cena do Codex Borgia chamado Cerro del Tigre. Imagem Biblioteca Apostólica Vaticana

E entre elas, algumas «vinhetas» que analiso abaixo:

Numa delas, aparece novamente o deus Xolotl devorado também por uma serpente, cujo corpo formava um quadrado. O quadrado, em quase todas as culturas, é um símbolo do material, do terrestre, daquilo que é suportado de forma estável. Trata-se, pois da alma humana, consciente, que é devorada pela existência terrena, mas apenas os seus princípios inferiores, pois os superiores – enquanto os outros estão a ser devorados – penetram no mundo oculto das essências, do mistério e da morte das aparências, onde habita o Senhor da Morte (ou seja, «aquele que concede conhecimento secreto»), que o instrui sobre os mistérios do seu reino. Xolotl, no entanto, só pode ouvir, usa uma máscara que o impede ver face a face do Rei das Profundezas. Bem, aqui novamente esse quadrado da existência está «cheio de sangue», por «aquele fluido misterioso» (como diria Goethe). O significado é semelhante ao anterior. Significa que está penetrando na essência da vida, nas suas profundezas.

Xolotl ou Nanahuatzin engolido pela serpente, mas entrando no mundo interior. Biblioteca Apostólica Vaticana

E entre elas, algumas «vinhetas» que analiso abaixo:

Numa delas, aparece novamente o deus Xolotl devorado também por uma serpente, cujo corpo formava um quadrado. O quadrado, em quase todas as culturas, é um símbolo do material, do terrestre, daquilo que é suportado de forma estável. Trata-se, pois da alma humana, consciente, que é devorada pela existência terrena, mas apenas os seus princípios inferiores, pois os superiores – enquanto os outros estão a ser devorados – penetram no mundo oculto das essências, do mistério e da morte das aparências, onde habita o Senhor da Morte (ou seja, «aquele que concede conhecimento secreto»), que o instrui sobre os mistérios do seu reino. Xolotl, no entanto, só pode ouvir, usa uma máscara que o impede ver face a face do Rei das Profundezas. Bem, aqui novamente esse quadrado da existência está «cheio de sangue», por «aquele fluido misterioso» (como diria Goethe). O significado é semelhante ao anterior. Significa que está penetrando na essência da vida, nas suas profundezas.

Xolotl ou Nanahuatzin engolido pela serpente, mas entrando no mundo interior. Biblioteca Apostólica Vaticana

Em muitas culturas da antiguidade relacionava-se o sangue também com a matriz do espaço, com o céu estrelado que «alimenta» (como o faz o sangue com cada uma das células do organismo) o planeta Terra. Do mesmo modo que o sangue flui por todo o corpo humano, alimentando-o, renovando-o e purificando, também o faz a luz (e a radiação cósmica) que vem das infinitas estrelas, viajando através dessa substância mãe que é o espaço.

Xolotl vigiando as Armas do Senhor da Aurora. Biblioteca Apostólica Vaticana

Talvez este seja um dos vários significados das «vinhetas» do mesmo Codex, em que aparece o mesmo deus com o céu estrelado (representado novamente como sangue, mas agora «sangue celestial», sobre a sua cabeça) Xolotl aparece agora vestido com as suas insígnias cerimoniais; é a alma revestida com a sua própria condição celestial. Está diante de uma espécie de altar, «vigiando» ou pronto para tomar as armas mágicas que o tornam no Senhor da Alvorada, da Ressurreição Interior. Essas armas são flechas (símbolo dos raios do sol nascente e da aurora) e um Machado, emblema mágico de poder e autoridade. Gravado no altar encontra-se o símbolo da espiral, que talvez represente a ressurreição ou a renovação, ou a evolução (que em todas as culturas foi expressa pela espiral, símbolo do tempo vivo, e dos seus ciclos).

O que está acima da sua cabeça (o céu estrelado-sangue) de novo repete o mesmo símbolo de «glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas». Mas o leitor atento (se os seus conhecimentos de biologia permitirem, pois eu tive de consultar várias enciclopédias e livros, sobre o assunto) observará o seguinte:

Vários dos (por nós designados de) «glóbulos brancos» permanecem no fluido sanguíneo, mas outros, saem dos seus ductos (as veias?) e ficam no lado de fora, como se estivessem de guarda, que é exactamente a missão e as características dos leucócitos: alguns permanecem dentro das artérias, outros deixam-nas, «observando» o eventual surgimento de «substâncias estranhas» para, assim, serem capazes de combatê-las. E para dar mais dores de cabeça ao leitor, peço-lhe que compare os ductos através dos quais circula o «sangue» e os dispositivos que de tempos em tempos aparecem nele com… as válvulas venosas!!! (embora o símbolo associado seja o da pederneira)

Se isto for verdade, as consequências que gera são difíceis de aceitar. Antes de recorrer a um «deus ex machina» formado por marcianos, selenitas, ummitas ou annunaki, prefiro acreditar que estes conhecimentos se devem ou ao facto de eles terem (nos templos-escolas) microscópios (foram encontradas lentes ópticas em vários povoados americanos) ou que herdaram estes conhecimentos de tradições milenares, preservadas com o maior sigilo e zelo. Os aztecas dos toltecas e estes de «os povos chegados do mar, onde nasce o sol», uma referência bastante clara a um continente submerso, com muitos conhecimentos deles também imersos na nossa memória, e outros que pouco a pouco vamos revelando.

 José Carlos Fernández

Escritor e diretor de Nova Acrópole Portugal

(Artigo escrito em 1997)

 

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[1] Insisto no «simbólico», porque na antiguidade, nas civilizações iniciáticas, NADA, ABSOLUTAMENTE NADA É DEIXADO AO ACASO no campo do sagrado, da relação do homem com os deuses. O que chamamos «motivos ornamentais» nas cerâmicas ou frisos de templos ou estátuas, é apenas uma amostra da nossa ignorância do significado que tinham para estes povos. Insisto que NÃO EXISTE CONCEITO DE ADORNO NA ANTIGUIDADE, tudo, mesmo o menor detalhe do que é representado, tem um significado, um «poder mágico», e também deve ser «belo», isto é, que «adorna». Uma linha em ziguezague ou ondulante numa embarcação ibérica, uma fronteira com cruzes ou uma simples fileira de pontos, uma sucessão de círculos com faixas de diferentes inclinações, entre os aztecas … ou qualquer outro motivo de qualquer outra cultura, tem o seu significado mágico-filosófico que podemos conhecer ou não, mas de tanta importância quanto a pomba, o cordeiro ou o crismon na religião cristã.

Imagem de destaque: Esta página do Codex Tovar ocidentalizado retrata uma cena do rito de sacrifício de gladiadores, celebrada no festival de Tlacaxipehualiztl. Domínio Público