Em setembro-outubro de 2014, um grupo de oito cientistas internacionais publicou o «Manifesto pela ciência pós-materialista», na revista científica «Explore, The Journal of Science and Healing», dando conta que a comunidade científica não deve recear o caminho da investigação das experiências espirituais e da espiritualidade.
Este manifesto expressa claramente os domínios da investigação científica em torno da sobrevivência da consciência, após a morte do corpo físico e declara a necessidade de promover estudos sobre as evidências mediúnicas e as Experiências de Quase-Morte (EQM). Para avaliar a dimensão desta iniciativa, que revela a abertura de um novo paradigma da ciência, associaram-se as seguintes instituições de investigação científica: Instituto de Psicologia Paranormal da Argentina, Centro de Investigação de Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora, Instituto de Psicologia e Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, do Brasil, Divisão de Pesquisa em Ciências Aplicadas à Consciência da Universidade de Regensburg, da Alemanha, Instituto para a Informática da Consciência da Universidade de Meiji, do Japão, Departamento de Psicologia da Universidade de Gothenburg e Centro para a Investigação da Consciência e Psicologia Anómala da Universidade de Lund, da Suécia, Grupo de Psicologia de Fenómenos Paranormais da Universidade de Derby, Unidade Koestler de Parapsicologia da Universidade de Edinburgh, Centro para Estudos de Processos Psicológicos Anómalos da Universidade de Northampton, curso de «Psychology of Exceptional Human Experiences» da Universidade de Greenwich, programa de mestrado «Holistic Science» da Faculdade de Schumacher em parceria com a Universidade de Plymouth, Departamento de Saúde e Ciências Sociais da Universidade de West of England e Unidade de Investigação de Experiências Anómalas da Universidade de York, do Reino Unido, especialização em estudos da Consciência da Universidade de Washington, Universidade de Estudos Alternativos, Instituto Americano de Parapsicologia, Departamento de Psicologia da Universidade do Arizona, Universidade Atlantic, Instituto de Estudos Integrais da Califórnia, Escola para Estudos da Consciência do Instituto de Connecticut, Instituto para Hipnoterapia e Exercícios Psico-Espirituais da Califórnia, programa de mestrado em Arte da Consciência e Estudos Transformativos da Universidade de JFK da Califórnia, Universidade de Naropa, Gabinete de Investigação Paranormal, Instituto Pacifica Graduate, Centro Rhine Education, Instituto Saybrook, programa de mestrado em Artes da Psicologia Transpessoal da Universidade de Sofia, Instituto Espiritualidade Mente Corpo da Universidade de Columbia e Divisão de Estudos Perceptuais da Universidade de Virginia, dos Estados Unidos. A título de exemplo, a Universidade de Virginia dos Estados Unidos publicou desde 1979, 88 artigos científicos sobre Experiências de Quase-Morte e, 44 desde 1960, sobre crianças que lembravam as vidas no passado.
Este novo paradigma científico faz jus à triangulação evocada por Allan Kardec entre ciência, filosofia e religiosidade, espiritualidade ou simplesmente sagrado, reforçando o papel que a ciência tem para credibilizar o estudo dos fenómenos espirituais, em detrimento de falsidades criadas pelas emoções e ignorância, sustentadas por fenómenos anímicos que vulgarmente se confundem com experiências mediúnicas.
Outros campos científicos vão sendo desbravados mas sobretudo é necessário adoptar uma mentalidade capaz de congregar os diferentes ramos da ciência para estabelecer ligações e pontes entre as ciências exactas e as sociais e humanas, de forma holística e multidisciplinar. Por outro lado, o Ser Humano esteve sempre ligado ao sagrado e, fruto do seu processo evolutivo, vai estando cada vez mais desperto para a sua dimensão interior e a sua relação com o universo, porque existe uma profunda conexão entre o espírito e o mundo físico.
Numa perspectiva histórica, as ciências exactas progrediram de tal modo, permitindo que no século XIX fossem desenvolvidos os maiores avanços tecnológicos, impulsionadores do modelo da sociedade industrial.
Nesta linha de pensamento, notabilizam-se os inventos mais significativos como por exemplo, a locomotiva a vapor, o telégrafo, o telefone, o motor de combustão interna (automóvel), a lâmpada incandescente, o motor eléctrico e a turbina a vapor, entre outros, tecnologias que permitiram uma aceleração do processo da globalização. Em termos comparativos, o impacto social das tecnologias de informação e de comunicação disponíveis nos nossos dias não excede de forma alguma aquele que foi criado pelo advento do telégrafo, na segunda metade do século XIX. Nesta época, as ciências sociais e humanas estavam a dar os primeiros passos como ramos independentes da filosofia, concretamente a psicologia, a psicanálise e a sociologia, justificando em certa medida, o atraso na investigação do seu objeto de estudo.
Neste ambiente de crescente fulgor tecnológico e em pleno processo da revolução industrial surgiram duas personalidades da ciência, em França, contemporâneos entre si, com interpretações científicas opostas. De um lado, Auguste Comte (1789-1857) nascido em Montpelier, ateu e considerado o fundador do positivismo, corrente que não considera Deus nem a Natureza como causas dos fenómenos. Do outro lado, Hippolyte Denizard Rivail (Allan Kardec, 1804-1869) nascido em Lyon, cristão e fundador do espiritismo. Este notável pedagogo afirmou que era precisamente o positivismo do século XIX que nada admitia que escapasse às leis da Natureza, sendo que os fenómenos sobrenaturais diluíam-se à luz da ciência, uma vez que aquela corrente científica não detinha o conhecimento de todas as leis naturais. Um dos signatários do «Manifesto pela ciência pós-materialista», o investigador psiquiatra da Universidade Federal de Juiz de Fora, do Brasil, Alexander Moreira-Almeida reforçou o papel de Hippolyte Denizard Rivail como pioneiro da investigação científica baseada em factos espirituais observáveis. Ainda no contexto deste período oitocentista, convirá referenciar uma outra corrente filosófica, conhecida por materialismo, e um dos seus mais representativos promotores, Karl Marx (1818-1883), que formalmente desenvolveu os conceitos de materialismo histórico e dialético. Estas correntes de pensamento desprezam os fenómenos e influências de natureza metafísica, valorizando em exclusivo as causas materiais da organização, estrutura e convivência em sociedade.
Na segunda metade do século XIX houve uma acesa dialética entre os representantes do positivismo-materialismo e do espiritismo, marcada pelos arquétipos da revolução industrial. Não admira, portanto que o espiritismo tivesse surgido num ambiente filosófico, político e social tão adverso, onde o positivismo e o materialismo imperavam. Era o tempo das ideologias que claramente marcaram o ritmo da evolução científica, acentuando a oposição entre espiritismo e materialismo. É interessante citar uma expressão de José Herculano Pires, na sua obra «Agonia das Religiões», no quadro da análise dual entre espiritualismo (mais abrangente) e materialismo: «o espiritualismo simplório e o materialismo atrevido são os dois polos da estupidez humana. O bom senso que é a regra de ouro do espiritismo, livra-nos da estupidez e oferece-nos a possibilidade de chegarmos à sabedoria sem muito ruído e disputas inúteis». Não existe conveniência em extremar posições ideológicas para a ciência, tal como ocorreu no século XIX, nessa argumentação filosófica entre espiritismo, positivismo e materialismo, porque simplesmente, espírito e matéria são duas entidades da Criação que interagem entre si.
Hoje já se conhece mais a subtileza da matéria, quando se evoluiu do modelo atómico de Thompson (catiões e electrões) dos finais do século XIX, para a Física das Partículas, objecto de estudo da Mecânica Quântica.
O «Manifesto pela ciência pós-materialista» denota uma atitude louvável da comunidade científica, esperando que os diversos ramos da ciência possam buscar de forma multidisciplinar a trindade universal, Deus-Espírito-Matéria, contribuindo desse modo para o desvelamento gradual da natureza humana e da sua relação com o Universo. Recorrendo uma vez mais a José Herculano Pires, «não há lugar, nessa concepção admirável, para o equívoco da contradição espiritualismo-materialismo (…) Espírito e matéria aparecem sempre unidos, interligados e interatuantes na dialética da Criação». No processo da busca da verdade, caberá sempre à ciência desfazer ambiguidades, falsidades, preconceitos, charlatanismos, crenças cegas, sem recear a abordagem da religiosidade, espiritualidade e sagrado, como objecto de investigação.
Carlos Paiva Neves
Imagem de destaque: Evocando a espiritualidade. Domínio Público
Parabéns por este artigo. Aconselho também a leitura do livro ” Depois da morte” de Bruce Greyson, primeira edição de Janeiro 2023, complemento a esta leitura.