Ao escrever um artigo sobre a obra do Fédon do sábio grego da Academia, mencionei a importância de este livro sublime servir de base para um curso de educação filosófica e valores éticos.

Lembro-me de que há muitos anos atrás, num curso de Ética do ensino secundário que era considerado uma das marias, dedicámos todo o ano lectivo ao livro A arte de amar de Erich Fromm, do qual, embora interessante, guardo um rastro muito vago na memória. Em diferentes anos foram escolhidos diferentes livros, e em cada ano um deles servia de guia na disciplina de Ética.

Um dos fracassos actuais da educação está na arte de pensar, de falar (em público, por exemplo) e em dialogar com serenidade. Os parâmetros de inteligência estão em declínio alarmante em todo o mundo, em valores médios, os quais tinham subido com a educação generalizada no último século. Nesta queda da mente e da alma humana são protagonistas as horas de estupidificação a que nos submetemos voluntariamente nos computadores, telefones, videojogos, a par de um declínio alarmante, crítico nas relações humanas, que já vem desde a infância.

Por outro lado, além do âmbito religioso, o tema da morte é um tema tabu que não queremos enfrentar de forma alguma, numa exaltação irracional de uma vida irreal que não chegaria às portas da morte. No momento em que escrevo isto, estão a ser feitos estudos sobre a genética de um tipo de medusas que se regeneram e fazem renascer o seu código genético repetidamente (ou seja, que não morrem, que se regeneram, em princípio inteiramente). Isto não faria desaparecer o contacto e a realidade da morte, pois ainda que existissem substâncias que o permitissem, não acredito que a regeneração física ad infinitum ad nauseam fosse desejável sem uma regeneração interior em que renascêssemos literalmente no sentido de nos libertarmos dos nossos preconceitos e, em todo o caso, a morte não deixaria de estar de uma maneira ou outra, sempre presente.

Além disso, Platão e a filosofia grega têm raízes muito profundas na cultura ocidental, nas nossas expressões, nos mitos que formamos, na arte, nos temas filosóficos que aborda, e que são muito mais actuais agora, apesar dos seus 2.500 anos, do que muitos que idolatrávamos há 30 anos ou que ainda o fazemos agora e cujo valor é muito, muito relativo, quase nada comparado com estes luminares da sabedoria de todos os tempos. Ele apresenta ideias que poderíamos incluir no plano religioso porque dão respostas às eternas questões e à necessidade de transcendência humana, sobre a jornada post-mortem da alma, sobre Deus, a harmonia e perfeição da natureza criada, etc., mas fá-lo numa perspetiva filosófica, não dogmática ou mesmo doutrinária, mas sim como uma reflexão muito viva e directa que pode iluminar em muitos aspectos o labirinto da vida.

Busto de Platão do século 4 a.C. Cópia romana do original grego (Museu Pio-Clementino do Vaticano). Domínio público

Se adicionarmos então:

– A necessidade de compreender a importância dos valores éticos e promovê-los, se queremos uma sociedade digna. E como disse Platão, a alma dá origem a todas as belezas que a caracterizam, o verdadeiro ornamento da justiça, da temperança, da serenidade, da coragem, dos seus poderes internos, da confiança em si mesmo e no outro, etc., etc.

– A necessidade de promover o diálogo e o exercício do raciocínio e da palavra, que são os que nos tornam humanos e com os quais criamos os vínculos do tecido social. Tal exercício tem o poder de despertar a mente e a alma, principalmente se abordar temas que não se limitam ao nosso egoísmo e que respondam à nossa necessidade de saber e compreender quem somos e o que nos rodeia.

– Poder dialogar com serenidade sobre o tema da natureza e o sentido da vida e a presença contínua da morte, de uma forma ou de outra, entre o que nos rodeia.

O filósofo Sócrates é um exemplo universal, transversal em todas as culturas, de dignidade, espírito filosófico, integridade e coragem, sem dependência de qualquer tipo de crenças, religiosas ou outras, confiando simplesmente no poder da alma humana e nos seus valores.

Um curso de um ano seguindo os textos do Fédon de Platão pode ser altamente eficaz na educação, tanto no ensino secundário, como em cursos livres na Universidade, adaptando ligeiramente o currículo segundo a idade dos que participam.

As aulas seriam de 1h30 a 2 horas de duração, entre 25 e 30 sessões.

Como exercício complementar, pode-se realizar uma peça de teatro com um resumo do livro, ou diretamente com a cena da morte de Sócrates.

A Morte de Sócrates, Jacques-Louis David. Domínio público

O Diálogo de Platão deve ser lido na íntegra nas mesmas aulas, ao longo do curso, e os temas abordados são elaborados em conformidade e quando aparecem no texto.

Em algum momento haveria uma projeção comentada do filme Sócrates, de Roberto Rossellini.

Tópicos a desenvolver:

Importância da cultura grega e presença da sua língua na nossa. Exemplos bem escolhidos de etimologias, e usá-las como elementos de diálogo filosófico.

Vida de Sócrates.

Projeção comentada de Sócrates de Rossellini

Leitura comentada (também pode ser dividida entre todos os participantes e cada um, de memória se possível, diz um fragmento) da Apologia de Sócrates, de Platão.

Pode ser muito esclarecedora a Constituição Septenária do ser humano segundo o modelo teosófico, ou o trino Corpo (Soma), Alma (Psique) e Nous (Espírito).

Alguns dos tópicos serão acompanhados pelo dossiê de Experiências de Quase Morte, outro tipo de situações e testemunhos da consciência fora do corpo o mais objectivas e comprovadas quanto possível.

O professor fará uma leitura comentada do texto por 30 minutos (aproximadamente), depois uma apresentação de um tema 20 minutos e, em seguida, um diálogo com os alunos no mínimo 40 minutos.

Temas sucessivos [1] de acordo com o texto:

  1. Relação entre prazer e dor.
  2. Diferentes posições perante a morte. Atitude do filósofo (como um apaixonado pela sabedoria) como descrito por Platão. O suicídio (segundo o texto de Platão). Como deve ser a morte de uma pessoa realizada. A velhice de chumbo e a velhice de ouro (segundo, por exemplo, o desenvolvimento feito por Gracián no seu O Criticón). A vida como preparação para a morte, em todas as religiões e filosofias antigas.
  3. O corpo e as suas tendências como impedimento para conhecer a verdade. Instinto do corpo para escravizar a alma. Como evitá-lo. A meditação ou diálogo interior como meio de adquirir certezas sobre a vida.
  4. O que mancha a alma e o que a purifica, e como isso é uma perceção interior, não uma crença religiosa.
  5. A virtude como purificação. A virtude não é verdadeira, a não ser com sabedoria. Força e Temperança. A virtude não é verdadeira ao serviço das nossas ambições, mas apenas ao serviço da sabedoria.
  6. Diferentes provas no texto de que a alma é imortal I (no texto de Platão).
  7. Idem II.
  8. Idem III (Cada um desses pontos deve ser perfeitamente explicado pelo professor, não apenas ler o texto, e acrescentar mais exemplos para discutir posteriormente).
  9. A reencarnação (que pode ser desenvolvida de acordo com o texto de Platão e depois expandida de acordo com o Er mito da República, na aula seguinte).
  10. O mito de Er da República.
  11. A vida está para a morte como a vigília está para o sono. Todo o nascimento é uma morte e toda a morte é um nascimento. Morte e reencarnação. Os mortos nascem dos vivos e os vivos dos mortos (consequência directa da imortalidade da alma). Desenvolver esta ideia do texto.
  12. O mundo dos arquétipos (ver as diferentes partes do livro em que se expõe este tema)
  13. A reminiscência e o conhecimento inato da alma. Ideias inatas, comentar os exemplos e explicações que Platão dá no texto.
  14. O que é sabedoria. Exame da alma através das coisas e os sentidos e através da alma (dedução platónica).
  15. Teoria da alma prisioneira, como aprender a viver, como aprender a morrer.
  16. A personalidade como instrumento musical, a Alma como harmonia (explicação do que é na música e os diferentes tipos de harmonia e proporções matemáticas).
  17. A personalidade como um traje que se gasta, queiramos ou não. Alma pura e impura. Destino das almas impuras. Os Fantasmas ou cascas.
  18. Os inimigos da razão são os inimigos da condição humana.
  19. Natureza da alma como uma unidade, como um número em si mesmo. Elementos da matemática sagrada platónica. Explicar e deduzir consequências dos exemplos numéricos que aparecem no Fédon.
  20. A inteligência e o Bem Supremo como norma e causa de todos os seres.
  21. Causas reais ou verticais e causas mecânicas dos factos.
  22. Natureza da beleza, colocar exemplos retirados do Banquete de Platão (a escada da beleza). A beleza real da alma (com as virtudes que a fazem brilhar) e a perecível do corpo e a perigosa e irreal dos ornamentos artificiais (fama, reconhecimento, etc.).
  23. Descrição esotérica da Terra (ver o artigo acima mencionado).

Os professores de Nova Acrópole se disponibilizam a fazer, dentro das suas possibilidades e tempo disponível, este curso anual nalguma escola ou universidade como exemplo e experiência.

José Carlos Fernández
Escritor e diretor de Nova Acrópole Portugal

[1] Na verdade, alguns dos tópicos aqui enumerados não correspondem exactamente à sequência do texto. O professor desta matéria deve, portanto, conhecer quase de memória o livro e preparar bem o que vai ensinar antes de dar a aula.

Imagem de destaque: Acrópole de Atenas, Kevin Casper. Domínio Público