São várias perguntas. Vamos tentar solucioná-las. Uma delas é sobre os registos akáshicos. Existe um plano total que se vai cumprindo, parte por parte, de forma inexorável? Vamos supor que isso existe. Se existe esse plano inexorável que vai levar cada um de nós a algum lugar, há um problema; um problema não apenas ético, mas também científico. Então, onde está o livre-arbítrio? Onde está a virtude e onde está a maldade? Porque se já está escrito que um homem vai ser assassino, vai matar outro, que culpa tem esse homem? Então, esse homem não seria realmente mau. E um homem que dedicou a sua vida à santidade, à oração, à generosidade, se já estivesse escrito, absolutamente, que deveria dedicar-se à oração, à generosidade, à pureza, que virtude haveria em fazê-lo? Porque seríamos simples marionetas, penduradas numa espécie de fios que tornam inexorável tudo o que temos que fazer.
No Oriente fala-se de uma lei, a lei do Karma. Karma é a lei de causa e efeito. Eles concebem que há um Dharma, isto é, um caminho, uma lei, e que há um Karma. O Karma seriam as nossas ações e o fruto das nossas ações. Isso dar-nos-ia a possibilidade de ter algum livre-arbítrio. Além disso, muitas religiões, mesmo as religiões ocidentais, e algumas filosofias, ensinam-nos que existe um certo livre-arbítrio e que há uma virtude na moral dos homens. Vamos encontrá-lo em Platão, em Séneca, vamos encontrá-lo em todos os grandes pensadores modernos. Existiria no ser a possibilidade de acertar e a possibilidade de estar errado. Mas como conciliamos essas duas coisas? Porque se tudo está escrito, como podemos enganar-nos, se não está escrito que nos enganemos, e como podemos estar certos, se não está escrito que estamos certos?
De alguma forma, poderíamos deduzir que as coisas estão escritas em traços largos. Suponhamos que temos uma estrada por onde passa um automóvel; esse automóvel pode ir mais rápido ou mais devagar, pode ir com prudência ou de forma imprudente. Pode ir pela calçada ou encostado à direita, ou pode ir pela esquerda quase encostando nos outros carros; pode desviar-se e chocar com outro carro. Essa seria, talvez, a liberdade, a liberdade que temos: uma espécie de liberdade condicionada dentro de grandes parâmetros.
Haveria então, ao mesmo tempo, uma espécie de livre-arbítrio e um acondicionamento, uma planificação. Esse acondicionamento, de certa forma, é lógico, pois se existe um Deus, se existe um pensador de todo este universo, seriam compreendidas maravilhas da natureza, como as folhas das árvores, que não têm essa forma porque sim, mas têm essa forma para uma melhor assimilação da fotossíntese; que têm as folhas cortadas para que o vento passe por elas e não as quebre. Veremos que os peixes que nadam muito fundo no mar têm uma espécie de fosforescência para atrair as suas vítimas e também para ver para onde vão; é como uma lanterna. Existem também borboletas que, ao abrirem as asas, parecem olhos de coruja, para assustar outros pássaros.
Então, parece que tudo foi pensado.
Acreditar que isso nasceu duma evolução é uma teoria já deixada de lado. A teoria da evolução de Darwin do século XIX afirmava que todas as coisas evoluíam, mas evoluíam contínua e ritmicamente; ou seja, que não existia nenhum tipo de desvio na evolução e que tudo evoluiu sempre de forma igual. Mas há um problema: se o homem fosse fruto da evolução dos animais, o animal mais evoluído de todos, o que seria? O mais animal de todos, isto é, dentro da animalidade.
Eu, às vezes, imagino uma conversa com o meu gato, onde ele me diz: Quando eu for humano, vou ficar com o frigorífico cheio de fígado cru, para poder comer tudo que quiser, e vou ser o «namorado de todas as gatinhas da cidade», porque pensa como gato, não pensa como um ser humano. Ou seja, mesmo que façamos o gato evoluir, será um gato perfeito, mas não será um homem.
Há um salto qualitativo, há algo, um toque divino, um toque espiritual, um toque físico, um toque metafísico. Embora Darwin tenha dito que a evolução não dá saltos, hoje sabemos que na evolução há saltos, há desvios, há parâmetros que não conhecemos, mas que até nos levam a uma arquitetura genética que não é feita de elementos básicos, mas sim a partir de certas formas mentais, ou ideias que prevalecem na natureza e que se expressam para fazer essas modificações, essas transmutações de tipo alquímico, onde o chumbo, de alguma forma, pode ser transformado em ouro.
Temos, então, de aceitar basicamente, de um ponto de vista filosófico, que existe uma espécie de planificação geral divina para todas as coisas; que evidentemente o mundo teve um princípio, tem uma duração e terá um fim. Mas, também é evidente que dentro desta planificação temos uma liberdade, uma liberdade que nos permite fazer o bem ou fazer o mal, que nos permite estar certos ou errados, que nos permite agir com retidão ou agir sem retidão. Essa é a nossa liberdade individual, é isso o que dá a virtude, porque se estivermos completamente condicionados, quanto valeria a virtude, quanto valeria o esforço, quanto valeria o trabalho?
Vemos, porém, que quem semeia trigo na terra, colhe trigo; quem semeia milho, colhe milho; quem planta batata, colhe batata. Quem nada semeia, nada colhe; então, deve haver uma relação direta entre causa e efeito. Essa relação é individual: cada um, se quiser, faz, se não, não faz. Ou seja, eu sou dono de falar com este microfone ou de não falar com este microfone. Sou dono de fazê-lo ou há algo que me obrigou a parar de falar com o microfone?
Intuímos, sentimos no coração que temos uma certa liberdade, que temos uma certa capacidade para moldar as nossas vidas e para colaborar no progresso da nossa cidade e no progresso do mundo.
Portanto, quando falamos destas profecias, devemos ter muito cuidado, temos que ser prudentes. Há algo que diferencia visceralmente a filosofia, ou seja, a busca da verdade, do que podem ser às vezes certas crenças.
Eu sei e respeito que quem acredita numa crença acredita nela, mesmo que pareça uma redundância. Acredita e está feliz na sua crença, mas aqueles que já são mais filosóficos, aqueles que se perguntam porquê e como, têm uma certa inquietação que nenhuma crença pode satisfazer. É por isso que Sócrates dizia que os homens felizes eram os muito ignorantes, ou os muito sábios. E aqueles de nós que, talvez, estejamos no meio, que não somos nem muito ignorantes nem muito sábios, temos dificuldade em conhecer a felicidade, porque, geralmente, quando conhecemos a felicidade é como se temêssemos perdê-la. E quando não o conhecemos, sonhamos com ela de tal forma que quando a encontramos sempre nos parece pequena.
Lembro-me que, quando fomos ao Egipto, uma discípula minha sonhava tanto em ver a Esfinge, que quando a viu disse-me: Mas, professor, aquilo é a Esfinge? Sim, essa é a Esfinge – respondi. Tem 40 metros de comprimento. E ela retorquiu: Imaginei que fosse maior. Claro, ela sonhou com isso a vida toda e desde criança dava pinceladas na sua imaginação naquela Esfinge, como se alguém estivesse pintando alguma coisa, e a via cada vez maior, como se fosse o Empire State, embora tenha lido que tinha um determinado tamanho. E quando a encontrou – para piorar, ela está numa ravina – viu-a pequena.
Portanto, devemos ter muito cuidado com a nossa imaginação e, quando lemos alguma das profecias, tentar extrair os elementos básicos e os elementos comuns que várias dessas profecias podem ter. Sei que é muito fácil dizer: Nostradamus, o monge de Orval, quem quer que fosse, era um profeta, viu tudo; e agora isso vai acontecer, tal coisa, e tal coisa. Identificou os Papas e deu-lhes um nome oculto, um nome secreto, e vamos mudar para que de alguma forma isso encaixe. Esse é um mal que temos, infelizmente, na nossa cultura materialista: em vez de primeiro ver as coisas e depois extrair as teorias, primeiro fazemos as teorias e depois enquadramos as coisas nessa suposta realidade.
Os homens da época grega viam passar uma luz no céu e diziam: Lá vai a carruagem de Apolo (se fosse dia) ou de Selene (se fosse noite). Mas na Idade Média, o que diziam os homens? Lá vai o arcanjo São Miguel, ou Lá vai Jesus Cristo. E hoje, se vemos uma luz, dizemos: Lá vai um avião, ou um aparelho um pouco estranho. Amanhã talvez se diga outra coisa, mas a única coisa que vemos é a luz: estamos a acrescentar o resto. Cada um faz a sua própria interpretação da história.
Na Idade Média, por exemplo, as doenças eram consideradas maldições de Deus. Deus não nos vai enviar maldições: quando muito, teremos cometido um erro nos nossos costumes, ou nas nossas medidas de higiene, ou nas relações humanas, e então um vírus que estava latente eclode; mas não podemos atribuir isso a nenhum Deus.
Devemos ter uma certa força moral em nós. Cuidado! Porque, por exemplo, na Índia, onde se acredita na reencarnação, no Karma, no Dharma e em tudo mais, as pessoas tornaram-se indiferentes, completamente indiferentes. Talvez dois ou três brâmanes estejam a conversar e vejam um pária a morrer de fome no chão, e digam: Olha, irmão, aquele pobre, que Karma terá ele! Quantas coisas más terá feito na outra vida! Olha como está a morrer de fome. O karma é inexorável, mas isso leva a uma certa crueldade; não podemos ver uma pessoa que morre de fome e, se tivermos um pedaço de pão, não lhe dar.
Devemos também ter um princípio de piedade, um princípio de humanidade, e mesmo que os deuses estivessem contra, faríamos isso de qualquer maneira, porque sentimos isso no fundo do nosso coração. E se os deuses fossem perversos, não acreditaríamos nos deuses. E se os anjos fossem perversos, lutaríamos contra os anjos, porque o fundamental é ter um coração puro, um coração bondoso.
Esse coração puro, esse coração bondoso, dar-nos-á um guia sobre o que devemos fazer no mundo: tentar sempre fazer as coisas da maneira mais bela possível, mais pura possível, mais maravilhosa. Tentem emocionar, tentem fazer com que a cultura, o vento espiritual, alente todas as centelhas que temos dentro de nós.
É triste como esquecemos muitas coisas. Se pegarmos um simples isqueiro, um simples acendedor, – aqui tenho um – mesmo que eu o mova, o fogo vai sempre para cima. Poderíamos dizer de todos os homens que, embora os mova o destino, a sua alma vai sempre para cima? Temos de aprender com o pequeno isqueiro.
A água, quando cai no chão, corre, corre entre as pedras, procura, como se fosse uma serpente transparente. Procura o seu destino no mar, procura o seu destino no rio, procura o seu destino a partir do local onde está. Quantos de nós sabemos procurar o nosso destino? A água que cai das montanhas sonha com o mar.
Quantos de nós deixámos de sonhar com Deus? Deixámos de sonhar com o nosso destino transcendente. De tal forma, mesmo que as profecias fossem verdadeiras, mesmo que todas essas coisas fossem verdade, mesmo que viesse o fim do mundo, que chegará em algum momento, obviamente, mas, como diziam os gauleses, não chegará amanhã, se isso está no plano de Deus, que mal há? Para todos nós, quando morremos, de alguma forma, não chega o fim do mundo? De certa forma sim, de alguma forma está a chegar o fim do mundo.
Mas pensamos que duramos mais que o nosso corpo físico; eu, pessoalmente, acredito na reencarnação. Acredito na reencarnação porque me parece lógico. Assim como o sol nasce todos os dias, assim todas as coisas são cíclicas. Acredito que também nós somos cíclicos, que de alguma forma não podemos começar e terminar de uma forma tão pequena. Atiram alguém no palco do mundo, é uma criança, e dizem-lhe: Bom, esta é a mamã, o papá, a tia Pepa e tu a irmãzinha. Ah, muito bem. E lá vai, estuda, faz coisas e tudo o mais. Quando alguém se apercebe, olha-se no espelho e diz: Quem é aquele velho que me olha no espelho? E é ele mesmo! O tempo passou, vai passando pouco a pouco, e ninguém se apercebe. Quando já se tem experiência da vida, o mesmo vento que o trouxe o leva.
Parece injusto, pois muitos de nós temos desejos, sonhos que queremos realizar…. Vamos supor no meu caso. Sou filósofo, mas também gostaria de pintar, gostaria também de fazer muitas coisas que não faço. Então, esses desejos, esses skandhas, como se diz na Índia, são os que vão causar a minha volta, o meu regresso, de alguma forma, outra vez, mesmo que eu não me lembre.
Às vezes diz-se que a reencarnação é impossível. Porquê? Porque não nos lembramos. Em primeiro lugar, não falemos de maneira generalizada; há pessoas que afirmam que se lembram de algo. Então, de quantas coisas não nos lembramos nesta mesma vida física? Por exemplo, uma pessoa, numa sessão psiquiátrica, conta a sua vida em quatro horas, mesmo tendo 40 anos. Porquê? Porque se lembra apenas dos momentos estelares, dos momentos altos, dos momentos mais ardentes da sua encarnação. Não se lembra de toda a sua vida, não se lembra; todo o resto é apagado. De alguma forma, essa misericórdia divina de que falava, essa bondade divina faz-nos esquecer o que éramos. Porque se além de toda a lembrança que temos desta vida, de todas as dores, das coisas que não nos correram bem, de quem não nos amou, de quem não nos compreendeu, lembrar-nos de centenas e centenas de vidas, seria aterrador.
Diziam os antigos filósofos que quem queria conhecer o futuro estava louco, porque conhecer o futuro e não poder evitá-lo, de alguma forma, estaria a sobrecarregar-se com uma angústia terrível. Ou seja, devemos viver momento a momento, viver o hoje, o agora. Se eu talvez soubesse que o meu avião iria explodir no ar quando fosse ao Brasil, talvez ficasse um pouco preocupado, mesmo que fosse porque sou responsável pela Nova Acrópole; deveria estar a organizar isso, a pensar sobre isso. Não estaria a dar esta palestra agora tão feliz como estou. Estaria a pensar, estaria preocupado: O que vai acontecer aqui? O que vai acontecer ali? O que ganharíamos com isso? Absolutamente nada. Se o meu avião tiver que explodir, explodirá de qualquer maneira. O que acontece é que teria sido perdida a oportunidade de comunicação entre nós.
Por isso temos que ir além de todo egoísmo, ter uma grande generosidade. Não vim ensinar esta noite as profecias, porque essas podem lê-las em todos os livros que comprarem nas livrarias. Eu vim esta noite, antes, para comunicar convosco, para que todos procurem refletir um pouco sobre essas coisas que estamos a dizer: Existe um destino? É inexorável? Podemos mudar isso de alguma forma? Podemos negar a Deus?
E se não podemos negar a Deus, que fez estas belezas, que fez tantas coisas que nos favorecem, apesar que no nosso orgulho tenhamos poluído a natureza, envenenado os rios, envenenado o ar; e envenenado as nossas crianças, os nossos jovens, com ideias materialistas. E se Deus está por detrás de todas as coisas, se Deus zela por todas as coisas, e se Deus zela para que a pequena lagarta tenha cor verde, para que se camufla no meio das plantas e ninguém a mate, como pode Deus não zelar pela alma do homem? Como pode Deus não zelar por todos nós? E como é que não nos acontecerá o melhor que nos pode acontecer, dentro das nossas possibilidades?
É fundamental, para adquirir felicidade na vida, aceitar as coisas como elas são e perceber onde estamos a falhar; porque quem quiser ter consciência, terá que aceitar um caminho de dor. A dor é o que traz consciência.
Neste momento não tenho consciência, digamos, do meu pé direito. Mas se alguém aqui presente me pontapear ou pisar, certamente que terei consciência imediatamente do pé. A consciência não falha, é exata. Mas, o que se passa se a nossa dor, em vez de estar no pé, for uma espécie de dor metafísica, uma ânsia por conhecimento, uma insatisfação, um não estar satisfeito, não no sentido que pode estar um boi, mas como pode estar o ser humano, e levamos essa insatisfação para além do horizonte? Então estaremos sempre com a consciência elevada, teremos essa consciência até de algo que pode estar além.
Todas estas coisas são muito antigas; infelizmente, agora, nesta confusão que vivemos no mundo, com esta problemática económica e política que afeta quase todos, em vez de vermos as coisas filosoficamente, estas são vistas de uma forma completamente primitiva, de uma forma primitiva no mau sentido da palavra.
Ou seja, retorna a uma série de aspetos da superstição, onde quem escreve num livro que vai chegar o fim do mundo vende grande quantidade. Em Espanha, no ano passado, um homem escreveu um livro dando a data exata do fim do mundo. Tanto é assim que os jornalistas lhe disseram: Você não tem medo? Está a dar uma data exata do fim do mundo! Ninguém vai reclamar. Porque se o fim do mundo está a chegar, ninguém irá reclamar. E se não vier, bom, então chegou o fim para os idiotas que compraram o livro, porque vendeu meio milhão de exemplares do livro em Espanha, no México, em muitos lugares, e conseguiu reformar-se. Tem que se ter muito cuidado.
Como é o caso de uma espécie de santo, também nos Estados Unidos, que fez uma profecia enquanto estava em Houston e apareceu de forma muito dramática, vestido como um lama tibetano, e disse: Estou a construir o templo da Mãe Divina. Tenho 30 milhões de dólares, o templo custa 32 milhões. Se eu esta noite, disse ele na TV, não tiver os dois milhões de dólares, e pegou num revólver .38 e colocou-o sobre a mesa, vou estourar os miolos. Chegaram os dois milhões de dólares, alguém os mandou. Desapareceu ele, a Mãe Divina e os 30 milhões que não tinha, obviamente, desapareceram. Saiu com os dois milhões que lhe trouxeram. Então, infelizmente, há muita gente que especula sobre tudo isso, que se aproveita dos outros. Devemos ter muito cuidado para não cair na falsa ciência ou no pseudo-esoterismo. Eu sei que isso é difícil.
Tenho visto alguns que leem as linhas da mão e dizem: Eu vou ler as linhas das mãos e sei muito. Dizem três coisas comuns: Estiveste um pouco doente quando eras pequeno, ou tiveste esta ou aquela experiência, coisas mais ou menos comuns, e o vão impressionando. Depois contam-lhe coisas sobre o futuro: Tens que ter cuidado, muito cuidado. Há uma piada espanhola que diz que um homem foi ler as linhas da sua mão. Então a cigana disse-lhe: Vejo uma coisa horrível! Vão despedaçá-lo, vão fazer morcelas e chouriços com o seu sangue. Que terrível! E o homem cujas linhas de mão estavam a ser lidas disse: Espera, vou tirar a luva de pele de porco que estou a usar. É que estava a ler a mão com a luva. É preciso ter cuidado para ver um pouco a realidade de tudo isso. Tenho que dizer piadas, porque é bom rir.
Eu era muito jovem e, como todos os jovens, perguntava muito. Perguntei ao meu mestre Sri Ram: Senhor, como posso saber se alguém é um Iniciado? Ele disse-me: Bom, não posso dizer como se pode conhecer um Iniciado, mas posso dizer como conhecer alguém que não é um Iniciado. Disse que isso me bastava. Aquele que nunca se ri, que está sempre triste, que não tem um sorriso, que não sabe fazer uma piada, que está sempre muito sério e com um olhar doutoral, esse certamente não é um Iniciado. É uma grande verdade, porque isso é uma autodefesa: o homem fraco, arma-se em forte; o homem tímido, agressivo; o homem ignorante, sábio. Precisamente, quando alcançamos uma certa sabedoria, quando alcançamos uma certa equanimidade filosófica, alcançamos a Natureza, à naturalidade.
Portanto, não queria falar sobre as múltiplas previsões que existem. Queria simplesmente estar em contacto com cada um de vós, e que estivessem, por um momento, em nossa casa.
A nossa casa é uma casa de filosofia; são necessárias casas de filosofia. Há casas onde se vende frango, há casas onde se vende outros alimentos, onde se vendem bebidas alcoólicas. Por que não pode haver uma casa onde a filosofia não seja vendida, mas dada como presente? O que está a acontecer connosco? Porque é que em todas as cidades do mundo – na Europa por exemplo – as igrejas fecham às 6 ou 7 da tarde, e, por outro lado, há supermercados que funcionam 24 horas por dia? Porquê? Será que perdemos tanto que se formos a um casino podemos ir às quatro da manhã; mas se quisermos ir à Notre Dame em Paris, a porta está fechada? Deus tem um horário? Deus tira férias? Deus dorme? Chegamos a uma verdadeira aberração, uma aberração consumista, onde a única coisa que nos importa é o corpo, é alimentar o corpo e não a alma.
Daí, talvez, esse receio do fim do mundo, esse receio do fim de todas as coisas materiais. Mas as coisas não estão perdidas; na Natureza nada se perde, tudo se transforma. Assim, nem mesmo as grandes potências conseguiriam fazer o mundo desaparecer. O que vai acontecer? Pode haver uma guerra atómica, pode haver uma convulsão geológica, um impacto de asteroide; mas, de alguma forma, continuaremos, continuaremos e continuaremos, porque a vida nunca acaba. A vida, no máximo, às vezes pode baixar o seu tom apenas para aumentá-lo novamente. Mas cabe a cada um de nós descobri-lo. Por isso pensamos que o nome que demos ao nosso movimento filosófico é adequado: Acro-Pólis, cidade alta. Não se trata, obviamente, de construir uma Nova Iorque, uma cidade enorme de cimento, de tijolo; é uma questão de tornar uma cidade elevada no espiritual, e na moral.
E como criaremos uma cidade elevada no espiritual e na moral? Como se faz para construir um muro de pedra? Utilizam-se pães com manteiga ou são utilizados bocados de pedra? Obviamente, bocados de pedra; porque se fizéssemos uma parede de manteiga, nunca seria de pedra. Se os bocados são de manteiga, o todo não pode ser pedra.
Assim, cada um de nós tem que escalar a sua própria montanha interior, para que possamos finalmente ser como uma imensa cordilheira nevada, pura e que se estende até ao céu. É um esforço individual de cada um de nós. Não devemos permitir que nos massifiquem. Não devemos permitir que nos manipulem. Não. Fazer sair de dentro, do fundo do coração, toda a força vertical que têm as nossas almas. Lembra-te do meu humilde isqueiro que se movia e mesmo assim a chama subia sempre.
Não se aprende apenas com os grandes livros, não se aprende apenas lendo os Vedas, o Bhagavad Gita, os Puranas, ou lendo a Bíblia, o Talmud ou a Cabala. Aprende-se também na Natureza, e de forma mais direta. A natureza é suficiente. Não é preciso saber idiomas, não é preciso ter uma grande cultura. Podemos ler novamente na Natureza.
Antes dos homens escreverem livros, os homens liam na Natureza. Quando deixaram de a conseguir ler, tiveram que escrever livros para que algo pudesse ser entendido; os sacerdotes, os sábios, fizeram-no como um ato de generosidade. Mas hoje há tão poucos sacerdotes sábios que temos que escalar nós mesmos essa montanha interior.
E então, que profecia podemos ter? A profecia de que Deus é bom; a profecia de que nós, no fundo, também somos bons, embora às vezes nos esforcemos para escondê-la; a profecia de que, algum dia, haverá harmonia.
Concórdia não é igualdade. A igualdade não existe na Natureza. Concórdia é coração com coração, ou seja, unidos, unidos para poder fazer algo, unidos com as nossas diferenças. As nossas diferenças são como os dentes de uma engrenagem, que se encaixam, e ao encaixar um dente noutro têm mais força. Se a engrenagem fosse lisa ela não se poderia mover, não poderia mover uma à outra, apenas se poderiam mover as rodas dentadas.
Aceitemos as nossas diferenças, aceitemos as nossas características, aceitemos isso como um presente de Deus, como uma riqueza universal. E com essa riqueza, sigamos em frente, com a segurança, com a fé de que realmente vamos chegar a esse horizonte. Vamos alcançar um mundo que não só tem que ser novo, mas também de ser melhor.
Ajudemos os mais novos, ajudemos a quem quer sonhar, que ainda sonha, que acredita que pode fazer algo melhor. Vamos dar-lhes a oportunidade, uma oportunidade que não nos custará muito, que nos custará, às vezes, um sorriso; uma oportunidade qualquer que nos permita libertar dos medos.
Há um medo que é o pior de todos, o mais terrível: o medo do medo. Não nos deixemos levar pelas ameaças de quem diz: É o fim do mundo. Deus virá e varrer-nos-á com uma grande espada. Bom, agora diriam com um raio laser; antes dizia-se com uma grande espada. E virão os cavaleiros do Apocalipse, alguns terão as suas cabeças arrancadas e outros terão cabeças cortadas. Não, vamos deixar essas coisas. Isso pode ser simbólico e pode ser esotérico, mas não vamos interpretar isso literalmente, pelo amor de Deus!
Poderíamos todos enlouquecer com medo de que sempre aconteça alguma coisa: quando passou, o cometa Halley. porque passou o Halley, já era o fim do mundo; quando os planetas se alinham, porque os planetas se alinham, e se não se alinham é pior, é terrível; e se a lua está minguante, porque está minguante, e se estiver crescente, porque está crescente. Uma vez, uma astróloga disse-me: Professor, não viaje quando a lua estiver minguante. Mas eu não sei como está a lua, senhora. Tenho que viajar constantemente, viajo há 17 anos.
Tem que se ter uma certa força interior. Não se trata de ser um herói ou um santo. Sou uma pessoa como qualquer outra; mas há uma forte convicção no que estamos a fazer. E entendam que esta é uma casa para todos aqueles que querem conhecer um pouco mais de filosofia, conhecer-se e ter bons amigos, no sentido platónico da palavra, amigos de verdade. Não os amigos por dinheiro, nem amigos por afinidades políticas, sociais ou familiares. Não, amigos da alma, do coração, daqueles que não têm laços de sangue, mas sim laços muito mais fortes, os laços de luz.
Em nome dessa luz, continuemos sempre a avançar, que não possa impedir nenhuma profecia. Conhecemo-la. Lê-la, podemos ler, mas vejamo-la sempre como uma possibilidade. Não há nada inexorável, exceto Deus, bendito seja o seu nome!
Jorge Ángel Livraga
Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 05-08-2023
Imagem de destaque: O Juízo Final retratado pelo pintor Hans Memling. Domínio Público