Mais um ano que finda e à volta da árvore enfeitada de luz juntam-se as famílias para celebrarem o Natal, uma remota tradição celebrando o Sol Invicto, símbolo da luz que nunca morre e que no Solstício de Inverno chega ao seu ponto mais baixo do nosso horizonte.
Há mais de 2.000 anos atrás nasceu na Judeia Jesus, o menino de ouro, filho da Luz que irá erguer um novo império espiritual sobre os destroços de um mundo em decomposição. Já passaram muitos séculos e se bem que muitas gerações se esforçassem em superar os velhos temores, ódios e rancores, estes acabaram por contaminar o futuro que depois de muitas recaídas perdura o sonho com um admirável Mundo Novo.
A “idade do gelo” que se aproxima e da qual tanto se tem falado, não é mais que o frio do egoísmo que petrifica o fluir da vida, e se estamos em pleno inverno civilizatório é porque os nossos corações estão prisioneiros de um gelado egocentrismo.
Em cada Natal surge uma nova oportunidade de quebrar o gelo do separativismo e, junto das luzes que iluminam a noite escura, enchem-se os nossos olhos do brilho da esperança de um amanhã melhor. Abraçamos o futuro com o desejo de conseguirmos realizar os nossos sonhos embrulhados em papel enfeitado. O sabor por algo novo que pode acontecer invade o coração dos homens e na nossa tão forte sociedade de consumo o novo é sempre apetitivo. O novo traz a ilusão daquilo que ainda não conseguimos recriar em nós mesmos, cada vez mais machucados por esta sociedade alienada pelo materialismo e pela luta desenfreada por uma rivalidade de sobrevivência. Só nos resta por isso desejar o novo e rejeitar o usado, o velho e o desgastado. A expectativa da novidade, produto da constante insatisfação e do nosso vazio existencial, lança-nos no delírio dos excessos das festas natalícias, resultado de mais um ano de frustrações e restrições.
Sem querer ser antiquada, não posso no entanto deixar de recordar aquele tempo, talvez sonhado, onde o usado era restaurado para durar um ano mais, os móveis duravam gerações, as roupas eram adaptadas e “remendadas”. Não se falava naquele tempo de reciclagem porque tudo era naturalmente reutilizado. O trabalho manual era valorizado e não se deitava fora algo por uma mera avaria. Também a família se regenerava com amor e paciência, aprendia-se a dar novas oportunidades aos sentimentos devastados pelo tédio da rotina e das crises necessárias a cada ser humano para atravessar o seu caminho da vida. O valor da união predominava sobre a realização pessoal e, mesmo sendo aparência, mantinha-se o leme do barco no meio da tempestade porque acreditava-se na continuidade dos valores e na durabilidade dos sentimentos. Faziam-se sacrifícios e aprendia-se a perdoar, acreditando-se na superação pessoal em prole dos compromissos. Os mais velhos viviam no aconchego do ninho familiar porque envelhecer não era sinónimo de desprezo. A criança, o elo mais novo desta célula humana, representava a inocência que deve ser orientada para o bem e por isso os brinquedos serviam como modelo de encantamento e de crescimento. É curioso observarmos até que ponto hoje constituímos uma sociedade infantilizada que só valoriza o brinquedo novo que o consumismo promove para distrair a nossa atenção. Fazem-se longas filas para comprar o novo objecto de marca que invade o mercado das novas tecnologias. O luxo está na moda, mesmo disfarçado de calças rasgadas não consegue ocultar as tantas desigualdades sociais de que o mundo padece. Na companhia de smartphones, tablets, videojogos e facebook jantamos entre amigos virtuais que gostam de nós na confortável distância das redes sociais. As nossas vidas cada vez mais vazias de vivências e profundidade empurram-nos para a frente na busca da última moda ou novidade que o “Pai Natal” nos vende como prémio de felicidade.

Voluntários da Organização Internacional Nova Acrópole em Barcelona depois de uma recolha de bens para entregar no Natal.
Se eu tivesse o poder de Charles Dickens invocaria para todos nós uma noite de Natal como a do Sr. Scrooge para que junto à Árvore da Vida pudesse invocar os fantasmas das nossas memórias responsáveis pelo afastamento do Espírito de Natal. Como nos contos das “Mil e uma Noites”, tiremos do baú a velha lâmpada de Aladino e depois de muito a esfregarmos veremos de novo iluminar-se a noite. Para ti, amigo desconhecido, partilho este presente que foi mil e uma vezes usado e mil e uma vezes substituído, mas não te preocupes, o génio adormecido continua à tua espera, basta esfregares a lâmpada e o menino de ouro, que tanto quero ver renascer, aguarda para que te possa sussurrar ao ouvido: “Natal é quando tu quiseres!”.