Pouco tempo após a minha chegada a Lima, tive a experiência, que não era nova para mim, de sentir a terra tremer. Perante este, como diante de qualquer outro fenómeno natural mais ou menos impressionante, a nossa endoculturação materialista traz-nos explicações mais empíricas do que filosóficas e, assim, o estudo final e as causas profundas morrem confortavelmente agasalhadas em razões mecânicas que, se bem que expliquem os meios, jamais explicam os fins nem os princípios.
Porque Treme a Terra?
Sem sermos geólogos especialistas, conhecemos as atuais teorias sobre deslizamentos na franja do geossinclinal andino e das contrapressões explicadas pela teoria de Wegener sobre a frente-sial[1] do maciço dos Andes, sem descartar a ação dos fogos subterrâneos que, de acordo com os mais modernos aparatos, não estão no centro do esferoide terrestre, como até agora se acreditava[2], mas bastante mais próximos da superfície. Mas todas estas explicações não respondem em profundidade à pergunta anterior: por que treme a terra? Tenham atenção que não perguntamos “como” mas “porquê”.
Se um carro se desloca, por exemplo, desde Lima até Cuzco, a explicação do “porquê” da sua deslocação estaria em relação com os seres inteligentes e vivos que o manejam, e o “como”, com o jogo de compressão de gases que trasladariam os seus impulsos, através de uma maquinaria motora, para as rodas que giram apoiando-se no solo e provocando o movimento do carro sobre a estrada.
Assim, a segunda explicação, puramente mecânica, é certa e explica o estritamente mecânico, mas não basta para solucionar o problema da razão pela qual vai esse carro de Lima até Cuzco e não até Callao ou até Nazca ou até qualquer outra parte. Também a pura razão mecânica não explicaria porque é que se colocou em andamento, já que a ignição é “em cadeia”, mas algo exterior a ela teve que a provocar ou iniciar. E tudo isto vem a propósito do que se segue:
Os cientistas na moda conformam-se com as explicações mecânicas sobre os tremores de terra, detendo-se nos “comos”, sem chegar jamais aos “porquês”. É evidente que a Terra mantém uma ecologia termomecânica, para não discorrer tão subtilmente, que é própria a todos os seres vivos. Tal como estes, acusa oscilações periódicas de temperatura, desde as diárias até às glaciações, seguidas por aumentos que, à maneira de febres, a acometem com intervalos de muitos milhares de anos.
Foi criança e agora envelhece, endurecendo a sua pele e carregando-a de rugas. Ostenta as cicatrizes dos seus choques com o mundo circundante em crateras de meteoritos. Mudou várias vezes a sua inclinação em relação com o plano da eclíptica tal como um ser vivo faz, mesmo quando dorme no solo.
A Terra, para os filósofos platónicos e neoplatónicos, foi sempre definida como um Macróbio, ou seja, como uma grande unidade vivente, semelhante a um animal. As representações arcaicas indianas que mostram os homens elevando os seus palácios sobre o lombo de um monstro cósmico e que hoje são interpretados como meras formas de ignorância, tinham aceções mais esotéricas e estavam mais próximas da verdade do que os cientistas contemporâneos. A Terra é um ser vivo.
O nosso planeta estremece, sofre de doenças, envelhece e um dia morrerá. O seu cadáver esmigalhar-se-á em pó cósmico tal como o corpo de qualquer outro ser vivo se torna pó terrestre. Tal como nas frestas da nossa pele transportamos milhões de micróbios, também a Mãe Terra nos leva sobre a pele dos seus “Escudos Continentais”. Paralelo não significa identidade. Semelhança não é igualdade.
Adiantamo-nos às críticas aceitando desde já as diferenças que os nossos exemplos contêm, mas como filósofos pedimos que se medite, igualmente, sobre as semelhanças. E pedimos que se medite, não por um simples afã especulativo ou sensacionalista, mas porque, entender e perceber que a Terra é um ser vivo levar-nos-á inexoravelmente a uma cosmovisão diferente, esclarecendo-se para nós muitos enigmas, confortando-se os nossos corações ao perceber que não somos simples “casualidades” vivendo porque sim numa rocha morta que gira estupidamente no vazio inerte, mas seres humanos no melhor sentido da palavra, enlaçados por leis de causa e efeito a nós mesmos, aos nossos semelhantes e a todos os seres que habitam o universo, tenham a forma e as dimensões que tiverem.
E a Terra é um deles. Um ser vivo do qual nos alimentamos e no qual vivemos, um companheiro de viagem, finalmente, neste aventureiro andar dos caminhos do tempo e do espaço, do qual devemos cuidar para não envenenar com os nossos detritos artificiais e contaminantes, pois a sorte da humanidade, por muitos milhares de anos está ainda ligada à sorte da Terra. E porque devemos respeitar e não destruir inutilmente alguma forma de vida, seja um planeta ou uma formiga.
Por que treme a terra?
Pela mesma razão por que, ocasionalmente, tremes tu, leitor…
A Terra é um ser vivo.
Jorge Ángel Livraga
[1] SIAL – denominação dada à constituição dos continentes em que predominam as rochas ricas em sílica e alumínio. (N.T.)
[2] Este artigo foi escrito em 1985. (N.T.)
Imagem de destaque: Sendai (Japão) inundada após o tsunami de 2011. Domínio Público