Um satélite europeu descobriu duas estruturas cilíndricas que emanam um gás muito quente vindo do centro da galáxia.

Duas chaminés enormes de 500 anos-luz de altura elevam-se de um lado e do outro da nossa galáxia. Descarregam para o espaço a intensa energia de um gás muito quente libertado pelo buraco negro supermassivo situado no centro da Via Láctea.

O centro da Via Láctea é um local de condições extremas. E isso deve-se à presença de Sagitarius A*, um buraco negro supermassivo com massa equivalente a 4 mil milhões de massas solares, que está na origem de potentes emanações de raios X. Os cientistas não sabiam como é que este fluxo de energia se dissipava no seio da galáxia. Mas a questão foi resolvida por uma equipa de astrofísicos que identificaram as estruturas que fazem as funções de condutas de escape.

Liberta-se energia da Via Láctea por duas “chaminés”

Esta informação foi revelada por uma equipa internacional (França, Itália, Alemanha, Estados Unidos) que utilizou os dados do satélite europeu XMM-Newton, sensíveis aos raios X. Estes trabalhos, publicados na revista Nature de 21 de março de 2019, vêm completar o que o satélite Fermi da Nasa tinha revelado em 2010: duas bolhas de gás gigantescas emitem ondas de raios gama de um e do outro lado da Via Láctea, e estendem-se por mais de 20 000 anos-luz. Tinham sido chamadas as “bolhas de Fermi”. Desta vez, o XMM examinou a base destas bolhas e descobriu a presença de dois cilindros que partem do centro galáctico e que acabam nas “bolhas de Fermi”. Assim, a partir do buraco negro supermassivo da Via Láctea, dois cilindros perpendiculares ao disco galáctico (“duas chaminés”) estão a emanar um gás muito quente, – vários milhões de graus –, que forma as bolhas emissoras de raios gama, as famosas “bolhas de Fermi”.

A Via Láctea, fábrica gigante de energia?

Mark Morris, professor de astronomia e de astrofísica na Universidade da Califórnia em Los Angeles (U.C.L.A.), contribuiu para esta pesquisa, publicada a 21 março na revista Nature.

“Nós apresentámos a hipótese de que estas chaminés são bocas de evacuação de toda a energia libertada no centro da galáxia”, declarou. Todas as galáxias são fábricas gigantes que formam estrelas, mas a sua produtividade pode variar consideravelmente – de uma galáxia para outra, e mesmo durante a vida de cada galáxia. Um dos mecanismos que permite amortecer a taxa de produção de estrelas é a fonte de matérias e de energia ateadas pelo buraco negro muito pesado, que se esconde no centro de uma galáxia. “A formação de estrelas determina o carácter de uma galáxia”,

declarou Morris. E isso é algo que nos interessa muito, porque as estrelas produzem os elementos pesados a partir dos quais os planetas e a vida emergem.

NGC 6744, uma das galáxias cuja estrutura mais se parece com a da Via Láctea. Creative Commons 

Há outras galáxias fontes de energia?

A nossa galáxia não é a mais extrema: há outras que têm fontes alimentadas por buracos negros centrais que pesam mil vezes mais do que o nosso, mas o centro da Via Láctea oferece-nos uma imagem pormenorizada do que poderá passar-se nas galáxias mais enérgicas.

“Sabemos que os derramamentos e os ventos de matéria e de energia emanados de uma galáxia são essenciais para esculpir e modificar a sua forma com o passar do tempo. Eles desempenham um papel chave na forma como as galáxias e outras estruturas se formam e evoluem no cosmos”,

declarou Gabriele Ponti, o responsável pelo Instituto Max Planck de física extraterrestre de Garching, na Alemanha.

“Felizmente, a nossa galáxia oferece-nos um laboratório próximo para explorar isso em pormenor e explorar também como estes materiais se derramam no espaço que nos rodeia”.

Os pormenores destas estranhas estruturas complicadas precisam ainda de ser investigados. A agência espacial europeia selecionou o telescópio Athena (advanced telescope for High Energy Astrophysics) como a sua futura grande missão espacial: como é sensível aos raios X, deve interessar-se pelo Universo quente e violento… O seu lançamento está anunciado para 2031.

Afinal, o Céu mantém numerosos mistérios que a ciência ainda não conseguiu terminar de revelar.

 

Ler na internet:

https://www.sciencesetavenir.fr/fondamental/des-cheminees-geantes-de-part-et-d-autre-de-la-voie-lactee_132326
https://trustmyscience.com/cheminees-galactiques-canalisant-rayons-x-hors-voie-lactee/
https://technologiemedia.net/2019/03/21/des-cheminees-a-rayons-x-geantes-au-centre-la-voie-lactee/
https://sciencepost.fr/deux-cheminees-cosmiques-emanent-du-centre-de-notre-galaxie/
https://in2p3.cnrs.fr/fr/cnrsinfo/des-cheminees-rayons-x-geantes-au-centre-la-voie-lactee
https://www.obspm.fr/des-bulles-geantes.html

 

Michèle Morize

Publicado na “Revue Acrópolis”, Outubro 2019

Tradução de Teresa Brito