Este tema obriga-nos a estar atentos a um primeiro erro que habitualmente cometemos, mais ou menos cegos pelas religiões exotéricas que prevaleceram na nossa educação infantil. Um filósofo como amante da verdade que é, deve evitar personalizar Deus.

“Aquilo” que, nós filósofos, chamamos de Deus, não tem propriedades nem podemos atribuir-Lhas. H.P. Blavatsky disse: “Se as vacas tivessem alguma forma religiosa e quisessem representar Deus, é evidente que o representariam com chifres. Não devemos esquecer que todas as religiões são formas exotéricas, adaptadas ao lugar e ao tempo, para beneficiar determinados homens. Assim, os indianos puseram a cabeça de elefante ao seu deus de sabedoria; os egípcios, cabeça de íbis. Assim também, Buda entra no Nirvana com os olhos semifechados, impoluto de toda a sujidade e adormecido; Cristo entra no Reino dos Céus, humanamente sujo e sangrando, depois de ter sofrido a última prova da dúvida, tendo como companheiros dois ladrões. Porém tudo isto é puro exoterismo; revestimento exterior de coisas mais profundas e misteriosas. Quando Platão disse que “jamais o que é vulgar será filósofo”, não cometeu nenhum erro social…; simplesmente disse a verdade. Há que deixar de ser “vulgar” – ou seja exotérico -, para alcançar a verdade do esoterismo.

Vejamos, também, que não é fácil – longe disso – conhecer a verdade. Nem é difícil para “quem está preparado para isso”… Mas há tão poucos preparados… e há tantos que creem está-lo… que preferimos deixar a verdade de Deus e dedicarmo-nos somente aos seus desígnios, ou seja, às suas vontades, aos seus eones e dáctilos, que são aqueles que governam, certamente, a Terra e os seus habitantes.

Afirmar que os desígnios de Deus são um enigma é certo, se os considerarmos em ciclos que são incomensuráveis, mas que à escala humana podem ser conhecidos; na prática do aqui e agora podem ser conhecidos.

Toda a ciência não é outra coisa que o conhecimento dos desígnios de Deus. E, estes desígnios não são anárquicos nem se alteram, como se viessem de uma gigantesca e criança caprichosa … Estes desígnios repetem-se e o conhecimento das suas repetições e dos ritmos que os regem é o conhecimento das leis que regem todo o manifestado, neste plano dimensional ou em qualquer outro. “Assim é em cima como é em baixo”, disse Caibalion.

Se eu sei que dois volumes de hidrogénio mais um de oxigénio, ao juntarem-se a uma temperatura propícia, vão dar água, conheço um desígnio de Deus e este desígnio  repetir-se-á tantas vezes quantas eu o invocar com a minha simples experiência química. Da mesma maneira, se o astrólogo se apercebe de uma conjunção de paridade de movimento entre a estrela Régulo e o planeta Marte, pode prever problemas para os humanos… da mesma maneira que o químico pode prever água se vê que se vão pôr em contacto dois volumes de hidrogénio e um de oxigénio, a uma temperatura propícia. Milagres não existem… Existem somente “prodígios” que são as manifestações de leis naturais e que ao não ter conhecimento delas… as pessoas comuns vão chamar milagres. Por exemplo, um simples automóvel andando velozmente, sem cavalos a puxá-los, teria sido interpretado como um milagre em Paris do século XIII. E em certa medida, talvez tivesse sido, pois há um tempo para a manifestação de cada coisa e outro para olvidá-la. Tais são os desígnios de Deus.

Ptolomeu com um modelo de esfera armilar, Museu do Louvre. Domínio Público

Tenhamos muito cuidado ao negar o “aspecto esotérico” das coisas e desconhecer que há aqueles que podem percebê-lo e interpretá-lo. Não caiamos na interpretação das pessoas comuns, que não passa além da “letra morta” de um livro sagrado, e interpreta como válido o simbolismo dos seus sonhos sobre as coisas mais triviais… pela “suprema razão” de que o sonharam e não é uma interpretação de Platão ou Blavatsky. Esta forma de egocentrismo infantil, consciente ou não, deve ser suplantada por um estudo mais sério e responsável que diga não à superstição e sim à Magna Ciência[1].

Não é vaidade procurar saber o que se vai passar amanhã, se forem utilizados os instrumentos corretos. É natural que o ser humano se preocupe com o seu futuro e com o futuro das suas obras; dos seus filhos, dos seus discípulos.

Vemos que toda a Natureza está já planificada por Deus através dos seus desígnios, da sua mente cósmica. Os próprios seres humanos são uma forma de “desígnios de Deus” e  participamos mais ou menos activamente na corrente da Vida; a qual referida às coisas humanas, se chama “História”. Não esperemos que nos apareça a mão de Deus, como  retratado que apareceu a Adão na Capela Sistina. Aquilo é arte muito bela, mas se não  se percebe que o dedo de Adão tem o mesmo tamanho que o dedo de Deus, fiquemos com os nossos manuais de pintura. E não critiquemos aqueles que tentam chegar ao Espírito das coisas… porque criticaríamos uma forma dos desígnios de Deus.

A Criação de Adão, Michelangelo, Capela Sistina. Domínio Público

Deste modo, diremos que se podem conhecer os desígnios de Deus e que é lícito fazê-lo se tivermos conhecimento suficiente para isso, e um espírito filosófico que garanta a honestidade do procedimento e a publicação ou não dos seus resultados. Reitero a minha advertência inicial: NÃO PERSONIFIQUEM DEUS NEM LHE ATRIBUAM OS  NOSSOS DEFEITOS NEM VIRTUDES HUMANAS.

Notas:

[1] Magia, no sentido antigo do conhecimento que se conservou nas Escolas de Mistérios, que relacionava o homem com os astros e o terrestre com o humano e o celeste.

Jorge Ángel Livraga
Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 6 de outubro de 2021

Imagem de destaque: Criação do Sol e da Lua, Michelangelo. Detalhe da capela Sistina. Domínio Público