Introdução ao livro comercializado pela Amazon[1], cuja tradução em português será realizada proximamente pela Nova Acrópole Portugal.
Ao iniciar este trabalho sobre Platão perguntava-me se não seria mais um livro das dezenas de milhares que foram escritos sobre o divino filósofo ao longo da história, e talvez o seja, mas, para dizer a verdade, o mero prazer de caminhar com ele, falar sobre assuntos tão bonitos e profundos durante estes anos, e partilhá-lo com aqueles que o leram, valeu a pena.
Este livro responde ao amor dos seus ensinamentos e à convicção de que tudo o que ele transmitiu no seu tempo ainda está vivo e útil hoje, abordando temas atemporais e marcando rotas que permanecem transitáveis.
Fiel a isto, tentei apresentar as suas ideias de uma forma simples e esclarecedora com a intenção de que elas nos possam inspirar nas nossas próprias vidas. E isso é possível quando, em vez de serem abordadas como sujeitos de reflexão isoladas, são vistas como um todo harmonioso, como uma bela paisagem que convida a ser viajada por aqueles que têm sede de significado, beleza e profundidade. Uma paisagem onde um velho caminho, que conduz a altos cumes, é desenhado.
Se conseguirmos ter uma perspetiva mais ampla e profunda de nós mesmos e da nossa vida, a nossa capacidade de construir um mundo melhor todos os dias; se estes caminhos abrem memórias à alma que, como peregrino caminhante, tem andado por vales e cumes há muito tempo; se nos permite encontrar os passos que nos elevam acima de nós mesmos e reconhecer, com saudade, que há Beleza, Justiça, Verdade e Bem… então, para além dos 2400 anos que nos separam da semente que Platão deixou semeada, teremos encontrado um pouco do tesouro da intemporalidade que nos deixou sugerido.
Toda a obra de Platão parece concebida como um convite à reflexão, à procura da verdade face ao ceticismo e ao abandono na opinião geral.
Platão, nos seus diálogos escritos, não termina a definição dos arquétipos e ideias elevadas que trata, mas coloca-nos perante um mistério, dando orientações para que possamos vislumbrar uma parte da verdade tornando-nos filósofos, amantes da sabedoria. Oferece-nos uma experiência pessoal onde o olhar interior (consciência), a emoção e o pensamento procuram a experiência do verdadeiro.
Aqueles que acreditam que o conhecimento pode ser embalado são aqueles que acreditam que possuem a verdade e o pensamento único e definitivo. Mas a filosofia não aspira a um conhecimento embalado, mas à sabedoria interior, à capacidade de ver e entender a si mesmo. Somos “chispas” de uma essência única, mas não réplicas dessa essência, e cada um revela em si um aspeto dessa totalidade que deve ser realizada.
Há uma certa dificuldade em conhecer a doutrina platónica, pois não a alcançamos, mas através dos reflexos que deixa nos seus diálogos, obras de exercício filosófico, mas não exposto, talvez destinadas a captar o interesse pela filosofia. Muitos duvidam que existe um modelo de pensamento organizado, uma doutrina platónica, mas o modelo existe e foi ensinado na Academia, não tanto como uma descrição do mundo, mas como um processo que visa despertar a sabedoria e promover uma transformação interior que permita a integração dessa sabedoria.
Hoje é corroborado por muitos investigadores que ligam os seus diálogos com o que tem sido chamado de doutrinas não escritas, e que são revelados nos inúmeros comentários de discípulos como Aristóteles e a própria projeção da Academia. Como sugeriram Giovanni Reale, H.P. Blavatsky ou Jorge Angel Livraga, Platão é um elo numa cadeia de ouro de transmissão iniciática, procurando destilar para o seu tempo uma sabedoria ancestral e reveladora que pode transformar os indivíduos e o mundo.
Poderíamos perguntar-nos porque é que Platão não escreveu tratados doutrinários (como o seu discípulo Aristóteles viria a fazer mais tarde) onde seriam legados de forma organizada muitos dos conhecimentos e teorias sobre o universo e a natureza humana. Estes ensinamentos entrevêem-se nos seus diálogos e sabemos que ele deve tê-los ensinado na Academia. Ele sabe que o verdadeiro conhecimento não pode ser transmitido e, portanto, não é transferido através de uma exposição ou descrição; o caminho do conhecimento profundo abre-se através da experiência que nos pode abrir a um entendimento.
Na antiguidade, um filósofo não se sentia necessariamente inclinado a escrever tratados de filosofia, mas o seu esforço visava levar uma vida filosófica. Muitos dos ensinamentos destes grandes mestres da vida foram transmitidos pelos seus discípulos (como no caso de Arriano com os ensinamentos de Epicteto ou de Porfírio com os do seu mestre Plotino) e, por isso, chegaram aos nossos dias.
Por outro lado, podemos imaginar que as obras que conhecemos de Platão são informativas cujo propósito era essencialmente despertar o verdadeiro interesse pela profundidade da vida e a via filosófica, cujo processo foi essencialmente por via oral e pessoal.
Sabemos também do zelo que escolas como a pitagórica colocaram na transmissão do conhecimento, uma arma muito perigosa nas mãos daqueles que moralmente não desenvolveram a virtude e o impulso para o bem, ainda prisioneiros do egoísmo e irascibilidade, de modo que foram estabelecidas provas morais que filtravam o acesso aos seus ensinamentos mais profundos. Tudo longe de um ensino maciço e despersonalizado.
Platão não era elitista. Como vemos nas leis e na República, propôs igualdade de oportunidades de educação para todos os cidadãos, mas será o desenvolvimento da natureza de cada um que está a manifestar qual deve ser o nível e o grau de entendimento a que devemos aceder.
Muitos dos textos que nos chegaram de filósofos antigos tinham essencialmente um propósito oral, ou seja, destinavam-se a ser lidos em público, em geral para um público restrito e selecionado. Pressupõem uma compreensão do contexto dos ensinamentos em que ocorrem. Respondem ao esquema pergunta-resposta, discípulo-mestre. Também vemos isso em Confúcio e no budismo, onde o diálogo responde a um processo de formação e não a uma exposição de informação.
Cada um dos livros de Platão tem um tema e intenção frente aos seus interlocutores, mas não pretende ser uma exposição acabada de ideias. Encontramos textos que nos convidam a afastarmo-nos do mundo e das suas circunstâncias, alguns que nos induzem a contemplar a maravilhosa beleza que o mundo esconde entre as suas obras e outras que nos incentivam a envolvermo-nos na sociedade para a transformar.
Portanto, para ver a ordem das doutrinas que há por detrás, será necessário reunir as contas do colar e ir mais longe, intuindo o fio que as une.
É a tarefa que me propus fazer neste trabalho.
Tudo o que foi exposto até agora dá-nos a compreender a dificuldade de apresentar de forma pedagógica e ordenada a cosmovisão platónica do ser humano e do mundo, e isto sem perder a frescura da mente aberta e reflexiva. Não esquecendo a distância que nos separa para interpretar adequadamente os textos antigos, porque as palavras e os termos variaram substancialmente a sua carga semântica, tal como o contexto em que Platão e nós vivemos.
Mas este livro tem um propósito maior do que expor um esboço das Ideias platónicas. Pretende abrir um diálogo com a Vida e com nós mesmos. Acredito que o maior perigo para os seres humanos é permanecerem numa existência vulgar, impulsionada apenas pelos apetites, e não ser capaz de ascender aos ideais superiores que direcionam a nossa vida para a conquista do melhor. Uma vida sem ideais é uma vida vazia que não deixa espaço para a alma se manifestar.
O Ideal Platónico que procuro refletir aqui é o Ideal de Unidade, que inspira a um modelo de realização humana: procurar a verdade, fazer o bem, promover a justiça e criar beleza.
Anotações
[1] Link do livro na Amazon
Miguel Ángel Padilla
Gostei muito do que li, e agradeço a oportunidade de ter podido ler.
Vou querer adquirir a obra, certamente, e se for preciso inscrever-me para a adquirir, fá-lo-ei desde já.