Neste número do boletim, colocamos uma série de perguntas importantes de natureza filosófica e científica e tentamos dar algumas respostas que possam colocar ainda mais perguntas. A ideia principal é esclarecer que há muito que não sabemos sobre o Universo e destacar a necessidade de reconhecer e aceitar as limitações do nosso próprio conhecimento. Ao contrário da natureza monológica dos textos e ensinamentos dogmáticos, a filosofia e a ciência são dialógicas e sugerem a busca de respostas aceitáveis e mais verdadeiras para as perguntas difíceis.

Assim, ao longo da história, os seres humanos tentaram responder à pergunta sobre as origens, a natureza e o destino do universo. Em diferentes períodos históricos, foram propostos sistemas mitológicos que têm a sua profundidade e podem ser filosoficamente interpretados; esquemas filosóficos encontrados na filosofia ocidental e oriental; e, claro, os esquemas científicos que surgem das observações da natureza e o desejo de descrever o seu comportamento com a linguagem da matemática.

Obviamente, os modelos científicos de há milhares de anos perderam hoje a sua validade. Na sua época serviam porque não havia nada melhor, mas eram mais baseados na especulação do que no método científico de compreensão do mundo, que exclui a interpretação subjetiva dos resultados. Por outras palavras, a fé não deve proporcionar respostas já prontas à ciência (nem à filosofia). Crer ou não crer na existência de elementos de antigos ensinamentos filosóficos, na universalidade da vida, na existência do objetivo da evolução, na imortalidade da alma, na existência de Deus e, em última instância, da realidade objetiva e muito mais, não é um tema de ciência, mas de cosmovisão escolhida e os seus axiomas…

Uma vez dissemos que os seres humanos podem fazer três tipos de perguntas. Um tipo de perguntas é sobre o “não-eu”, sobre o mundo objetivo, e a ciência responde-lhes. Se a ciência faz perguntas corretamente, a natureza fornece as respostas certas. O segundo tipo de perguntas diz respeito ao homem, ao seu mundo interior e ao fenómeno da vida em geral. As respostas para estas são-nos oferecidas pela filosofia, a arte, a interligação com outros seres humanos e a autorreflexão. O terceiro tipo de perguntas relaciona-nos com o mais além, o Mistério, que é a causa raiz e a essência mais profunda do mundo e do homem como tal. Portanto, a ciência pode explicar-nos os fenómenos do mundo, mas a essência das coisas é inacessível para ela.

Halo de matéria escura simulado. Domínio Público

Como disse Platão em Timeu, tudo o que podemos oferecer ao descrever a génese do universo é um relato plausível. Atualmente, a ciência também nos oferece um modelo plausível da estrutura dos objetos cósmicos e da génese do Universo, especialmente quando se trata do período inicial da sua evolução. Mas a ciência, tal como a filosofia, está a tentar explicar o mundo e está continuamente a desenvolver-se e a progredir, complementando e aperfeiçoando as teorias existentes, ou elaborando novas, mais coerentes e relacionadas com a realidade em estudo.

Por exemplo, se estamos a falar dos elementos e átomos que compõem a matéria, as respostas dos filósofos antigos e medievais diferem das respostas científicas modernas. A ideia platónica dos elementos (quatro elementos) difere dos ensinamentos de Aristóteles e dos alquimistas medievais, e ainda mais da ideia dos químicos modernos que conhecem mais de cem elementos (uma substância simples que consiste em átomos com a mesma carga no núcleo atómico). A descrição platónica ou budista dos elementos da matéria não se aplica à ciência moderna, mas aplica-se à filosofia, à medicina, às artes marciais, à psicologia e a muitas disciplinas tradicionais que classificam as coisas de acordo com o princípio da semelhança e da correspondência que une vários níveis microcósmicos e macrocósmicos.

Verificou-se que o átomo indivisível dos químicos do século XIX é, contudo, divisível e que existem partículas mais elementares subjacentes a todos os fenômenos materiais (Modelo Padrão). Na segunda metade do século XX, surgiu uma hipótese sobre a existência de matéria negra e energia escura, que constituem mais de 95% de toda a massa/energia do nosso Universo (apenas 5% é atribuído à matéria comum, acessível à pesquisa científica). Assim, o novo modelo mais plausível substituiu, ou melhor, esclareceu o anterior.

Também dever ser ressaltado que o conceito de matéria é utilizado em diferentes contextos. Platão chama-lhe nutriz e recetáculo, identificando-a com o espaço e a base de todos os fenómenos sensíveis. Na linguagem quotidiana, por material referimo-nos ao tangível, acessível à nossa experiência direta. Na física moderna, a matéria é uma forma especial de energia (E=mc2); é tudo o que se estende no tempo e no espaço e afeta a sua estrutura. Por conseguinte, devemos ter cuidado na utilização de conceitos, porque em diferentes contextos podem transportar uma carga semântica diferente.

É evidente que o céu de que fala o Antigo Testamento (ou outro texto sagrado) não tem nada a ver com o céu através do qual se movem os aviões, satélites e foguetões… As palavras são apenas símbolos de vários aspetos da realidade, mas o Tao, o pai e a mãe de todas as coisas não pode ser expresso em palavras. Como filósofos e cientistas (a forma de pensar científica), devemos entender que a metafísica nos remete à gnose (a experiência da união e da unidade), e a ciência ao conhecimento científico (racional, sistemático e transferível), que é imperfeito, assim como nós mesmos.

Ouvimos muitas vezes que, conhecendo-nos a nós mesmos, conhecemos o Universo, e conhecendo o Universo, conhecemo-nos a nós mesmos. Obviamente, o conhecimento científico abre o mundo para nós, introduz-nos no milagre da existência, expande os nossos horizontes. Mas, em si mesmo, não nos leva, necessariamente, ao autoconhecimento. Afinal, a máxima grega antiga refere-se, em primeiro lugar, ao conhecimento da essência das coisas, não dos fenómenos. E por “conhecer-se a si mesmo” não se entende o conhecimento das experiências psicológicas ou os fenómenos mentais; não é o conhecimento da nossa personalidade mortal, mas a perceção e o reconhecimento da raiz de toda a nossa existência, da mente/espírito, do princípio eterno e imutável. Em última análise, o autoconhecimento é um encontro consigo mesmo, e o conhecimento do mundo no seu sentido pleno é a integração no Universo.

A equipe do Hubble revela a visão mais colorida do universo capturada pelo telescópio espacial. Domínio Público

Também quero salientar que a física moderna, principalmente a física quântica e a teoria da relatividade, é mais esotérica do que o que geralmente é chamado de esoterismo (cada um coloca a sua própria carga semântica sobre este conceito), porque poucas pessoas são capazes de entender a natureza dos fenómenos que estas duas áreas da física descrevem. É difícil entender que algo é tanto uma onda como uma partícula; que tempo, espaço e matéria estão interligados e são interdependentes. É difícil compreender que um vazio físico é simultaneamente vazio e plenitude, nada e alguma coisa, o que deu origem ao mundo manifestado. A afirmação “tudo surgiu de um vazio (espaço vazio) e tudo o que nos rodeia é um vazio” recorda o ensinamento oriental, que diz: “O espaço é o que foi, é e será, independentemente de o Universo existir ou não, se haverá deuses ou não.” Muitos dos fenómenos estudados pela ciência não encaixam na nossa experiência quotidiana, tal como a experiência mística não encaixa na nossa vida quotidiana.

Portanto, no nosso século de ciência, não é necessário tentar explicar tudo “cientificamente”, especialmente quando se trata de coisas que nem sequer estão relacionadas com a física, mas com a metafísica (para além da natureza). Ser eclético não é misturar as coisas, mas comparar, sintetizar e harmonizá-las à maneira de Cícero, que foi capaz de unificar o melhor que há nas teorias do ceticismo, do estoicismo e dos peripatéticos. Para o fazer, é necessário ter um bom conhecimento de várias teorias, combinar os conceitos mais importantes e reconciliá-los. E saber que, como a água e o azeite não se misturam, tão-pouco o fazem a crença e a ciência. É impossível demonstrar empiricamente os “Axiomas da nossa crença” (religiosos, filosóficos ou científicos), bem como transmitir em palavras as experiências internas e profundas, que como tal sempre permanecem uma riqueza pessoal.

 

Anton Musulin

Publicado em Boletín Pitágoras nº10, setembro 2019