Fotografia de Pierre Poulain / www.photos-art.org

Este texto de José Carlos Fernández foi inspirado na fotografia acima de Pierre Poulain, fazendo parte de um projeto intitulado FiloFoto.

Assim reza o título desta fotografia. E bem, são pombas, uma com as suas asas abertas e sem temor da menina, comendo ou bebendo na sua mão, enquanto ela a observa com espanto e ternura. Desfocadas, muito mais com o olho da câmara que com o olho humano, que é a “câmara fotográfica perfeita”, outras cinco pombas, como sombras, com perfis vagos, estão atentas e aproximam-se.

Belo lugar, e com enorme carga histórica a “Ilha de Nossa Senhora”, coração da Europa durante mais de mil anos. Bela imagem esta, a Ela associada, com as pombas, símbolos vivos da deusa do Amor. Pois o carro de Vénus-Afrodite sulca os céus com estas aves que sempre expressaram o amoroso arrulho das almas. No mito de Noé é símbolo de esperança, de uma nova terra, um novo amparo, portando o ramo de oliveira. Na linguagem cristã chega a representar o Espírito Santo, esvoaçando na alma dos seus benditos. No romano mais antigo, é símbolo da alma imortal, máxime se aparece a beber nas águas de uma fonte ou de um cálice. As pombas azuis eram a própria encarnação do Amor Celeste, e as negras de Vénus Pandemus (o amor terreno e sensual), a avidez de prazer e experiência que obriga as almas a voltar uma e outra vez à terra da dor, a expiação kármica. Na maravilhosa obra, Voz do Silêncio, lemos:

“Se queres comer o pão da Sabedoria, tens que amassar a tua farinha com as límpidas águas de Amrita (A imortalidade); mas se tu amassas escórias com o orvalho de Maya, não farás mais que preparar alimento para as negras pombas da morte, para as aves do nascimento, a miséria e a dor”.

Nas florestas, as rolas bendizem com a sua presença e proximidade as casas dos homens, e diz-se que só se aproximam dos lugares em que haja bondade. Nas cidades, devemos por vezes proteger-nos das pombas, pois quase que se converteram numa praga, pois o que comem…

E no entanto não deixam de ser símbolos do amor, como o cão o é de fidelidade. O epíteto infame que recebem, de “ratazanas do ar” é um insulto, um golpe à sensibilidade poética. A primeira vez que o ouvi, há mais de vinte anos, fiquei sem palavras, mais ainda porque vinha de um fotógrafo com grande sensibilidade artística. Trato mais digno dá-lhe Walt Disney na sua belíssima Silly Symphony, “O moinho velho”, e sobretudo na sua imortal Mary Poppins, na sua canção “Feed the birds”, uma das mais belas canções do século XX. Ao som dos acordes e da voz desta balada, pombas brancas voam como arpejo em movimento, derramando com o seu adejo, o seu amor sobre a cúpula da catedral de Saint Paul em Londres. Esta canção é como o adejo da terna deusa do Amor, música convertida no voo da pomba. E no argumento desta obra, Mary Poppins, é determinante, pois evita que o filho do banqueiro caia no feitiço fatal da cobiça, o amor às pombas e a pomba do amor salvam-no de condenar a sua alma na velhice do que já não ama.

Em relação com as pombas, há uma história surpreendente do grande inventor Nikola Tesla. No final da sua vida, no quarto de hotel em que se tinha estabelecido, afastado, ao menos fisicamente, de todas as suas experiências que mudaram a face do mundo, dedicou-se a alimentar e cuidar de pombas, como a velhinha do filme Mary Poppins. John O’Neil, amigo e biógrafo do génio, diz que uma noite, em que estava a morrer a sua pomba amada, Tesla sentiu que queria dizer-lhe algo. Quando se aproximou dela, brilhou – disse, Tesla – “um raio de luz dos seus olhos, um poderoso raio de luz. Sim, era uma luz real, poderosa, lampejante, cegante; uma luz mais intensa, como nunca produzi com as mais poderosas lâmpadas do meu laboratório”.

Segundo os filósofos e místicos egípcios, tudo o que vive e existe é um símbolo do seu Arquétipo, da Forma e Luz Divina que lhe dá sentido. Se as pombas são símbolos do Amor, quiçá, o génio de Tesla captou, como um raio de pura intuição, celestial e perfeita, o verdadeiro sentido do amor, como a força que sustém e move o universo inteiro. Uma visão que a ciência lhe tinha vedado, mas que a sua generosidade com as pombas lhe entregou como presente de Eternidade.