Este é um ponto que temos tocado em diferentes oportunidades, mas que permanece obscuro pois é normal e corrente que por “cortesia” se entenda uma série de valores e atitudes passadas na atualidade, exageradamente “burguesas”, que não combinariam com o nosso conceito de Homem Novo.

A palavra, pelo menos na etimologia espanhola, refere-se ao comportamento das pessoas íntegras na “corte”, entendendo-se por corte a elite que cercava os antigos príncipes e reis. Por extensão, aplicou-se a todo o tipo de forma de relação entre pessoas de boa educação, as damas e os cavalheiros, diferenciando-os dos loucos e vilões que não respeitavam tais elementos, deixando os seus impulsos instintivos despidos, sem importar quanta ofensa podiam provocar aos outros, ou abusos cometidos com eles, especialmente com as mulheres, as crianças e com os anciãos, impotentes da força própria para fazer-se respeitar e guardar seus bens e crenças.

Este somatório de bons costumes, que embelezam a vida e que a torna mais suportável, degenerou muitas vezes em excessos que chegaram a converter-se em verdadeiras pandemónicas, fazendo culto à mentira, quando não à traição. Tais excessos são, desgraçadamente, os mais conhecidos e existe, sobretudo na juventude atual, uma repugnância visceral para tais normas por consideraram-nas vazias de verdade e de moral.

Assim, os papéis naturais das crianças, homens e mulheres e anciãos desvaneceram-se num grande caos imperante, na destruição interior da nossa forma de civilização. E louva-se o espontâneo, confundindo-o com a grosseria e a animalidade, com o desperdício tácito de quem nos rodeia, procurando cada qual para si as melhores ocasiões e circunstâncias. Não se cuida o vocabulário, por crer que o sujo e o feio é mais autêntico que o seu contrário. Certas correntes psicológicas e sociais impulsionadas pelos automarginalizados, os perigosos e os grosseiros, converteram-se em modelos e a “moda jovem” continua a ser para eles a falta de higiene física e mental, a grosseria e a violência inútil como expressão de machismo ou de feminismo.

Ainda que para os desinformados parece nova, esta atitude nasceu no final do século XVIII com a “teoria do bom selvagem”… mas faz muito tempo que sabemos que nem todos os selvagens são bons e santos. Manter isto não passa de manter um arcaísmo dos que carecem da dinâmica histórica suficiente.

Devemos recrear uma nova cortesia, inspirando-nos no melhor da tradição iniciática, que permitiu a milhares de gerações uma convivência realmente humana que levou a conhecer-se a si mesmos e a perceber os demais através de um prudente culto à verdade, à beleza e à confraternidade. Pois assim como os homens evitam a companhia dos animais ferozes e repugnantes, os deuses afastam-se dos humanos degradados e desagradáveis, agressivos e vulgares. Tal é a lei da natureza que promove uma seleção dos mais aptos.

Esta cortesia tem a sua origem na força da nossa vontade, que deve impor-se sobre toda a adversidade e mau humor. Sobre si mesmo, na nossa capacidade de amar o nosso ambiente como o reflexo de Deus… desse Deus que está em nós mesmos. Quem ofende aos outros ofende-se a si mesmo… e põe em marcha a máquina letárgica de ação e reação que os filósofos Hindus chamam de Karma.

Tendo boa vontade superam-se muitas caras feias e evitamos derramar sobre os outros o nosso pessimismo ou imprimir as nossas contestações, o mau humor que às vezes pode assaltar-nos, dada a nossa imperfeição e debilidade.

Uma saudação carinhosa, um sorriso a tempo, um minuto “perdido” a atender outra pessoa, não constituem um ato de mentiras, senão uma expressão da nossa boa vontade, do nosso ser filosófico. E o saber suportar o mau humor dos outros é uma forma de Alquimia capaz de transformar o chumbo em ouro, já que sem cair em nenhuma cumplicidade, podemos opor o brilhante escudo da nossa cortesia e do nosso autocontrolo ao momento que a outra pessoa está a viver e a expressar, ajudando-a a sair da sua angústia ou solidão.

Que os cavalheiros deem certas prioridades às damas e que estas deem lugar a que os cavalheiros tomem suas iniciativas, é parte importante da aplicação quotidiana da cortesia. O levantar de voz desnecessariamente e controlar os movimentos do corpo, especialmente da língua, também o é. Geralmente nos arrependemos mais do que falamos do que calamos. Mas… também há que saber calar, não dizendo meias verdades nem guardando silencios sombrios e atitudes “olímpicas” que em nada correspondem à nossa pequenez humana.

Pouco a pouco estabelecer-se-á, naturalmente, uma nova cortesia. Recreemos uma nova dignidade para todos.

Sejamos generosos.
Sejamos alegres.
Sejamos fortes.

Artigo da autoria do Professor Jorge Ángel Livraga (1930-1991).