Numa altura em que a crise é o tema mais falado nas notícias, e a vida das pessoas se vê cada vez mais afectada por ela, a única saída que tem sido proposta é o tão almejado crescimento económico. Com crescimento económico será possível manter uma quantidade cada vez maior de dívida e arcar com os juros crescentes. Ao mesmo tempo, e numa relação directa, é-nos dito que a qualidade de vida crescerá com a economia. Porque o dinheiro é a fonte de todos os bens.

O que não se tem falado tanto é que a Terra tem recursos limitados, e que por isso não será possível manter um crescimento em termos materiais como tem sido perseguido no último século. Ao mesmo tempo que se deterioram as relações humanas e se secundarizam os valores morais, o nosso planeta tem vindo a ser explorado sem qualquer respeito, e a contaminar-se pela produção excessiva de bens materiais e alimentícios, de cuja quase totalidade apenas trinta por cento da população mundial usufrui. Crescem os bairros de lata, o número de sem-abrigo, a poluição, a escassez de água e as doenças nos países de quarto ou quinto mundo, mundo esse que permanece escondido de grande parte das pessoas cultas e instruídas dos países desenvolvidos.

Além disso, toda a gente sabe que o valor da vida, de uma vida com qualidade, não depende daquilo que temos, mas principalmente daquilo que somos e das relações que mantemos com os outros. Toda a gente sabe isto, mas toda a gente parece continuar nas velhas formas de vida, enquadrados no velho modelo de civilização que nos trouxe a este ponto. É muito difícil ver uma alternativa, vislumbrar um novo mundo que seja melhor.

Favela Rocinha no Rio de Janeiro, Brasil / Flickr por leszekwasilewski

Claro que, como filósofos, não nos ficamos pelos efeitos superficiais dos problemas do mundo. Um filósofo quer ir sempre mais fundo, quer ir à raiz do problema não só para o entender, mas também para encontrar soluções. Um filósofo sabe que uma solução não é uma fórmula mental, não é um conceito que se pense. Uma solução é uma acção consciente das causas do problema, uma acção que se torna ela própria a causa que substitui e termina com a causa do problema a resolver.

Um problema apontado no mundo actual é a dependência que a vida tem do dinheiro, do sistema económico em crise; que os sistemas não permitem que tenhamos mais dinheiro para vivermos melhor. Mas, como filósofos, afirmamos que viver com menos não é sinónimo de viver pior. A maior pobreza é alguém sentir-se sem valor apenas porque não tem dinheiro, apenas porque não tem emprego. Todos os seres humanos têm um valor intrínseco incalculável.

Ouro, a riqueza das finanças / pixabay

Valores como a verdadeira cortesia poderiam substituir a falsidade e a hipocrisia; a convivência real tem o grande poder de levar à compreensão mútua, à entreajuda e à partilha; e a concórdia poderia unir corações na busca por um ideal de caminharmos juntos na mesma direcção, uma direcção que sabemos difícil mas que intuímos certa.

O dinheiro não é causa de nada. Não é o dinheiro que cria a fome nem a fome que cria o dinheiro. Qualquer causa de qualquer problema humano está sempre no humano. Quanto dinheiro estaríamos dispostos a receber para passarmos um mês de fome extrema? Ou a beber água contaminada? Ou a viver na rua durante o Inverno? Qual o valor de uma vida? Estas perguntas não fazem sentido nem têm resposta quando nos referimos à nossa vida, mas todos sabemos que há pessoas no mundo com muita dificuldade em obter comida, água e um sítio digno para viver. O que estará a sentir uma dessas pessoas neste preciso momento? Que sonhos e aspirações terá para a sua vida? O que a fará sorrir?

Também haverá, deste lado do mundo, quem sofra na mais profunda solidão da sua riqueza e da sua mansão. Ambas estas pessoas, por serem seres vivos, têm necessidades circunstanciais que o planeta pode providenciar, mas têm também, por serem humanos, necessidades essenciais que apenas outras pessoas, com amor, compreensão e partilha, podem oferecer. O mundo não está pobre de valores circunstanciais. O mundo está pobre em valores essenciais. Talvez se as duas pessoas se encontrassem, unidos a milhares de quilómetros por um ideal de fraternidade, talvez aí pudessem colaborar na criação de um mundo novo e melhor.

Utopia? / pixabay