Este artigo é a continuação de uma série intitulada
“A cultura megalitica e a linguagem das pedras erguidas“.
Nas construções megalíticas a maior parte dos petróglifos encontram-se no interior dos dólmenes, não significa isso que os menires não os tenham tido, até porque em alguns deles foi possível encontrar, como o caso já mencionado do menir da Belhoa (Alentejo) e o menir do Tertre de Manio (Carnac), mas o facto de estarem expostos às intempéries pode os ter apagado em muitos deles.
Embora na grande maioria o que foi encontrado no interior dos dólmenes tenham sido petróglifos não significa que os mesmos não possuíssem pinturas ou mesmo que as gravações fossem exclusivamente pintadas em alguns casos. Temos o exemplar em Portugal do dólmen (ou anta) de Antelas.
A simbolização megalítica é na sua maioria geométrica ou esquemática, raramente antropomórfica, apesar de aparecerem por vezes representações “realistas”, como no Tumulus de Petit-Mont (Carnac) onde se encontram gravados uns pés sobre uma forma aparente de labirinto como se falasse do caminho de provas a realizar. O facto de serem maioritariamente esquemáticas não significa de modo algum que sejam abstracções mas antes representações simbólicas precisas, pois a analogia ou linguagem simbólica presente em todas as culturas também aqui se encontra.
É difícil estabelecer-se uma leitura precisa dos petróglifos, pois trata-se de elementos simbólicos próprios de uma visão do mundo e de uma vivência que ainda estamos provavelmente longe de entender. Talvez até diferentes interpretações feitas desses petróglifos não sejam contraditórias mas antes diferentes realidades de um mesmo princípio. Por exemplo linhas que são interpretadas como cabeleiras, símbolo de autoridade, mas também podem ser representações de chamas, símbolo de potência e vida, ou mesmo as ondas do mar, símbolo de vida e força. Se estamos familiarizados com a linguagem simbólica facilmente encontramos aqui uma conexão entre todos estes elementos.
Talvez também alguns não sejam apenas símbolos mas gravações de conhecimentos, nomeadamente astronómicos, muito precisos.
Não entrando na especificidade de possibilidades de interpretação dos petróglifos não quero deixar de fazer uma reflexão sobre alguns bastante significativos e que penso poderem servir para nos aproximarmos do pensamento, conhecimento e simbolização desta cultura.
Não se poderia deixar de mencionar um dos símbolos mais presentes que é o da serpente ou simplesmente linhas serpentiformes. Já tivemos oportunidade anteriormente de ver como este símbolo está relacionado com a sabedoria desde a mais remota antiguidade. Por exemplo: para os ofitas tinha sido a serpente (sabedoria divina) que ensinou os Mistérios à humanidade; os hierofantes egípcios eram os “Filhos do Deu Serpente”; na India os sábios são os Nagas ou serpentes; os Druidas eram denominados de Serpentes.
Segundo a Tradição, os megálitos de Carnac, na Bretanha, teriam sido construídos pelos mesmos homens-serpente que construíram o templo egípcio de Karnak. A etimologia da palavra Carnac viria de “Monte da Serpente”.
Símbolo de renovação, da imortalidade e do tempo, uma das características que a tornam símbolo da sabedoria é o facto de se ovípara, relação esta que podemos encontrar por exemplo no Egipto ao referir-se à criação cósmica e ao ovo do mundo. Um exemplo extraordinário dessa representação encontra-se nos Estados Unidos da América, no Ohio, o “Monte da Serpente” com uma serpente de um comprimento total de 350 metros e na sua boca um ovo de 33 metros de diâmetro na sua parte mais larga. O ovo, como local de gestação e origem de uma nova vida assume relação com o simbolismo da gruta, caverna e as suas recreações como uma cripta ou um dólmen.
Os movimentos ondulatórios da serpente e a sua capacidade de penetrar o interior da terra e de lá ressurgir evocam as correntes telúricas da terra.
Outro símbolo bastante presente nos petróglifos é a hacha ou machado, associado em todas as culturas ao raio e consequentemente à chuva e por isso com uma conexão de fertilidade. “Tanto entre os Maias como no mundo ameríndio moderno, entre os celtas ou na China dos T’ang, o machado de pedra é chamado pedra-do-raio: diz-se comumente que caiu do céu.”[1]
Assumindo também o poder da vontade, tanto criadora de vida como destruidora do que é nefasto, esta significação está ainda mais presente na simbolização do machado de dois gumes, representado também o poder dos sábios no duplo trabalho interno e externo, assim como na harmonização das duas energias contrárias (yin e yang) e da união da vida e morte. “Primeira arma-ferramenta do homem, o machado é um centro de integração, a expressão de uma permanência, um raio acumulado. (Esta interpretação segundo a qual o machado pré-histórico seria um centro do universo vivido, um eixo…)”. “… compreender-se-ia muito bem como sendo a abertura do centro, do cofre, do segredo, do céu, isto é, como acto supremo da iniciação, da tomada de consciência, que se confunde com a iluminação. Pelo seu gume, o machado de pedra faz saltar a faísca.”[2]
Para além das gravações de hachas em petróglifos, em muitos dólmenes foram encontradas pequenas hachas votivas que não teriam qualquer funcionalidade prática mas sim ritualista.
Outro elemento que aparece com frequência é o arado (sob a forma de gancho) que representa a acção criadora, o abrir do sulco na matéria para que a semente ou ideia germinem. Cravar o arado na terra é símbolo da união dos dois princípios (masculino e feminino, espírito e matéria, céu e terra, etc) que geram a vida. Entre os celtas o arado simboliza o “começo do mundo”, a abertura de um sulco. O arado possui a mesmo forma e simbolismo dos braços da suástica, no seu movimento de acção, manifestação e regeneração perpétua, razão pela qual sempre acompanhou os grandes sábios da humanidade. Tal como nas representações da suástica que possuem dois movimentos, também os arados encontramos nesses dois impulsos, “quer se trate do sentido directo astronómico, cósmico e, portanto, ligado ao transcendente… ou do sentido inverso, chamado dos ponteiros do relógio, pretendendo colocar a infinitude e o sagrado no temporal e no profano”[3]. São sentidos opostos e complementares, vistos e operados a partir de cada um dos polos: celeste e humano.
Um último símbolo que gostaria de abordar, e bastante comum nos petróglifos dos megálitos, é a espiral. Para além de toda a riqueza simbólica como símbolo dos ciclos e por isso também de características lunares cósmicas, representando os ritmos da vida, o carácter cíclico da evolução e a permanência do Ser sobre o movimento. A espiral com as suas características de símbolo lunar encontra-se também em relação com a serpente pois esta renova a sua pele, transforma-se, e desaparece debaixo da terra para voltar a aparecer e enrola-se tomando a forma de espiral, ela representa assim o ciclo que se repete, o renascer e o voltar à vida, por isso essa relação com o interior dos dólmenes e o retorno renovado a uma nova vida. No entanto a representação destas espirais, segundo um interessante trabalho realizado por Fernando Alonso Romero sobre os petróglifos da Laxe das Rodas (Muros, Galiza), pode mostrar para além do símbolo alguns conhecimentos astronómicos interessantes: Ao observar-se que o sol aparecia e desaparecia em diferentes lugares ao longo do ano tornava-se evidente que o percurso nocturno do Sol não era circular mas espiral, desenhando essa espiral cósmica o caminho celeste e telúrico ou oculto do Sol.
Nestes petróglifos aparecem duas espirais juntas, uma de 5 voltas e outra de 7, no total 12 voltas. Estas 12 espirais corresponderiam aos 12 meses do ano. Dois caminhos diferentes que o Sol percorre até chegar ao seu ponto de origem. As duas espirais de 5 e 7 voltas dizem respeito a duas épocas diferentes: “crescimento” do Sol e “diminuição” do Sol correspondendo ao solstício de Inverno (21 de Dezembro), a partir do qual o dias começam a crescer, e o solstício de Verão (21 de Junho) a partir do qual os dias começam a diminuir. A espiral de 7 voltas que mostra o crescimento da luz solar (Dezembro a Junho) e a de 5 voltas marcando o decrescimento da luz (Julho a Novembro).
Retirado do artigo de Fernando Alonso Romero, Nuevas consideraciones sobre el significado del perroglifo de Laxe de las Rodas (Muros, Galicia)
Imenso havia que falar sobre os petróglifos e uma linguagem perdida à qual nos podemos aproximar tanto em termos de conteúdo simbólico pela herança que deixaram a várias culturas assim como certamente pela sua irmandade a outras, mas também a possibilidade de irmos decifrando conhecimentos aí registados.