Este tema, que deveria ser reservado apenas aos conhecimentos científicos enfocados em critérios ecléticos e filosóficos, começa a ser, e será ainda mais com tempo, manipulado pelos interesses nacionalistas e políticos atuais que, em verdade, nada têm a ver com o facto do descobrimento…, mas servem-se disso, levando cada um, a água para o seu moinho.
Vamos enfocar a questão desde um ângulo que nos parece interessante, que é o da capacidade dos navios e da técnica geral da navegação nos tempos de Cristóvão Colombo e dos que o precederam, dentro dos limites que outorga um pequeno trabalho periodístico de divulgação.
Comecemos por assinalar a imensa obscuridade que rodeia, geralmente, todos os factos históricos, mesmo os mais próximos de nós, e daí poderemos deduzir as dificuldades que nos apresentam os mais distantes.
Os historiadores não podem afirmar ou saber com certeza, por exemplo:
– Com que velocidade viajavam as embarcações, impulsionadas por duas rodas laterais, que navegavam no rio Mississippi em meados do século XIX.
– Quem ordenou matar o presidente Lincoln ou o presidente Kennedy.
– Se o general Rommel morreu de morte natural devido a ferimentos anteriores ou foi envenenado pelo aparato político do nazismo.
– A data exata da morte de Estaline.
– Se João Paulo I morreu de morte natural ou foi envenenado pelo aparelho do Vaticano.
A esta lista de factos tomados ao acaso, poderíamos agregar dezenas, sem necessidade de descer aos séculos precedentes à chamada Idade Moderna. Se recuarmos no tempo, encontramo-nos com uma imensa – aparentemente infinita – quantidade de coisas que desconhecemos, embora nos livros comuns de divulgação ou nas aulas de História que habitualmente são dadas aos jovens, pareçam claras, exatas e comprovadas.
E permitam-me um pequeno episódio pessoal. Estava a visitar um dos maiores museus da Europa, quando coincidiu no tempo e no espaço com um grande grupo de crianças guiadas pela sua professora de História. Diante de uma maquete da Grande Pirâmide do Egito, e antes que ela recitasse a lição repetida cem vezes, um diabrete perguntou-lhe diretamente como se haviam colocado e encaixado as pedras da cobertura, agora quase desaparecida, das grandes pirâmides. Ela, jovem e despreocupada, começou a referir, acompanhada de grandes movimentos das mãos, como aqueles construtores pegavam as pedras que estavam atrás deles, previamente cortadas, e as amontoavam piramidalmente. Como ela explicava tudo com muita facilidade, e evidentemente não tinha a menor ideia do tamanho ou do peso das pedras e, na sua distração, manuseava-as como se fossem maços de cigarros, não consegui conter o riso… Ela olhou para mim e, envergonhada, disse violentamente: Crianças, seguimos para a secção da Grécia!
Se em vez de ser uma simples professora de crianças, tivesse sido um académico, seguramente ter-me-ia repreendido e ter-se-ia armado ali, uma daquelas discussões sem fim…, embora de minha parte tivesse durado pouco, porque o ser filósofo ensinou-me que a ignorância não é motivo de vergonha, mas de uma melhor busca da verdade.
E se estivermos nessa busca da verdade, devemos reconhecer que sabemos muito pouco sobre os navios e instrumentos marítimos da antiguidade.
Num mural de Creta (Museu de Atenas), numa pintura de cores maravilhosas, figuram grandes navios que parecem abandonar uma cidade desde o seu porto. Estão ataviadas de maneira cerimonial…, mas o curioso é que uma das embarcações, um grande veleiro, que por lógica está saindo à força de remos, dos espaços reduzidos que lhe são oferecidos, mostra os remadores trabalhando de revés, ou seja, dando o peito no sentido da marcha. Como esta forma de remar é muito incómoda, pensa-se que tenha um significado cerimonial. É certo? Talvez nunca o saibamos…, como tampouco, como se colocavam os remadores nas quinquerremes muito posteriores [1] do Mediterrâneo, aproximadamente a partir do século V antes da nossa Era. Sem nos referirmos aos enormes navios, pouco depois, na época helenística, como os dos Ptolomeus, que se dizia terem onze filas de remadores e até mais. Se os desenhos simplistas que foram imaginados fossem certos, o par de força necessária para os remos a poucos metros da água, levaria os remadores a verdadeiros saltos acrobáticos no ar e a corridas no convés, coisas que são por si incríveis, não deixam de ser defendidas de vez em quando, por algum especialista na matéria.
Dos poucos dados fidedignos que possuímos, podemos deduzir que os navios dos fenícios, cananeus, cartagineses, gregos e romanos não eram inferiores aos que sulcariam os mares dois mil ou mil e quinhentos anos mais tarde, por exemplo no século XV, que foi nele que Colombo fez a sua travessia.
Concretamente, os navios cargueiros de trigo que o transportavam de Alexandria para Óstia, perto de Roma, eram tão parecidos com uma grande caravela (mais parecida com uma carraca, já que tinham pontes de proa e popa), que se os desenharmos e os apresentarmos a uma pessoa que não é estudante da matéria (que geralmente são as melhores testemunhas) não poderia diferenciá-los.
A maior abundância de árvores, muitas vezes centenárias, que existia naquela época na Europa, permitia inclusive, uma maior facilidade de construção do que nos séculos posteriores. Os instrumentos, ferragens, cabos e velas não eram diferentes daqueles do final da Idade Média.
Os navios construíam-se na época das Guerras Púnicas e na de Isabel e Fernando, sem planos no sentido atual da palavra, mas com base em modelos de tamanho real, com a vantagem, para os antigos, de serem feitos dentro de espaços como moldes de fábrica de pedra, muito provavelmente construídos, seguindo estes sim, verdadeiros planos feitos por arquitetos náuticos, geómetras e matemáticos. Isto torna-se evidente na possibilidade que tinham de produzir navios idênticos, em séries de montagem, como está comprovado que o fizeram para a Companhia de Transportes La Palmera de Cádiz [2] e Cartago, séculos antes da nossa Era e, aparentemente, sem que isto fosse nenhuma novidade.
São numerosos os elementos de similitude, quando não de identidade, que apresentam elementos culturais e civilizacionais de uma e da outra margem do Oceano Atlântico, como para afirmar a probabilidade de, não só uma remota origem comum, mas comunicações em épocas clássicas e mesmo na Idade do Bronze europeia.
Um erro bastante difundido é crer que os navios da antiguidade viajavam apenas com base no sistema de cabotagem, ou seja, de cabo a cabo, sempre à vista da costa. Muitas rotas comerciais comuns durante milhares de anos no Mediterrâneo excluem esta possibilidade, para não referirmos outras que, através do Atlântico, ligavam o Peloponeso às Ilhas Britânicas e às terras ainda mais distantes dos atuais países escandinavos.
É de especial menção que, pelo menos os egípcios, tenham feito longas expedições punitivas em busca de marfim, madeiras, ouro e especiarias por toda a África e até à Península Arábica, saindo do Nilo e regressando pelo Mar Roxo. Devemos este conhecimento aos seus anais do Novo Império e é provável que os seus navios de alto mar fossem confecionados pelos fenícios, que eram hábeis mestres na matéria.
A bússola, em forma de peixinho feito de cortiça ou madeira revestida por uma delgada lâmina de prata e navegando em óleo, é de remota origem. Os navegadores árabes da Alta Idade Média chamavam-no, como provavelmente o fizeram os primeiros cartagineses, Bailak. Os seus vestígios perderam-se à medida que a Idade Média varreu da Europa os elementos técnicos não manuais, que os relacionavam com a feitiçaria.
Outra característica dos antigos navios que se perderiam com a queda do Império Romano, e que talvez só sobreviveu nos drómones [3], (como tantas outras coisas durante o Império Bizantino) é que tinham a parte inferior do casco (a obra viva) forrada com chumbo ou cobre. Até os romanos utilizavam para os seus grandes navios de guerra, longos pregos de bronze ocos, de secção quadrada. Em testes de laboratório realizados pelo autor deste trabalho, constatou-se que um desses longos pregos ocos diminuía de sessenta a sessenta e cinco por cento de peso, estando submerso. Se pensarmos que um grande navio de cinquenta metros de comprimento de fora a fora, poderia levar mais de meio milhão destes pregos, apreciamos a vantagem na redução de peso. Ao mesmo tempo, o revestimento metálico servia para evitar o abatimento ou o capotamento [4], verdadeiro pesadelo dos grandes veleiros de todos os tempos.
Um argumento que se tem esgrimido é que os navios oceânicos da época clássica levavam remadores, e que estes necessitavam de grandes quantidades de água potável e alimentos embarcados. Isso não é certo; existiam na época romana grandes veleiros sem remos e, mesmo os que os possuíam, proporcionavam a grande vantagem de não ter que parar quando o vento cessava. Os vikings demonstraram como um bom navio pode combinar a vela e os remos, poupando com a rapidez, o maior consumo alimentar de tripulações mais numerosas, ajudados pelo pescado e pela água potável que surge da pressão destes.
Em termos de velame, os do século XV nada tinham que superasse os que dois mil anos antes sulcaram os mares, já que a vela quadrada e a vela latina ou triangular eram conhecidas na antiga Creta, Egito, Grécia e Roma, assim como na Fenícia, Canaã, Cartago, etc.
O timão central de popa não aparece claramente nos navios do período clássico, pois utilizavam dois próximos da popa e às vezes outros complementares próximos à proa, desmontáveis, para a manobra. E embora o timão único no centro da popa seja vantajoso nos navios modernos e rápidos, não está claro que nos antigos, a remos ou velas, o fosse na mesma medida. Segundo grafitis encontrados em Pompeia e outras cidades romanas, os pequenos botes tinham uma forma de remo na parte central da popa, à maneira de timão.
Quanto à mastreação, foram encontradas pinturas etruscas representando grandes navios de três mastros, um como gurupés [5]. Os grandes velames articulados que relacionavam os mastros entre si, normalmente só apareceram no século XVII, ou seja, bem depois da viagem de Colombo. Mas estes navios eram elefânticos e necessitavam de mais de 500 homens para manter a manobra oceânica, efetuada em vários turnos diários.
Pelo contrário, os que Colombo utilizou eram navios pequenos. Fala-se de três caravelas… Na verdade, eram duas: a Niña e a Pinta, derivadas dos grandes pescadores portugueses e galegos; a Santa Maria era uma nau ou carraca que tinha ponte de proa e popa. Na verdade, não teria funcionado bem numa frota romana do período de Augusto, pois o mais que podia medir em comprimento fora a fora era cerca de 25 metros no convés, e temos que deduzir as outras proporções pela fórmula arcaica de 3 por 2 por 1, sendo esta última medida a altura do casco. As duas caravelas tinham entre 14 e 17 metros de comprimento fora a fora, e nada mais. Por certo, estas mostraram ser as mais navegáveis, e a pesada e redonda Santa Maria ficou encalhada e despedaçada na América.
Os dados sobre estes três navios são escassos e quase todos provêm do mesmo Diário de Colombo. A tripulação, mitificada pelo tempo, também não era tão boa, muito pelo contrário.
O grande navegador trocou a maior parte das suas velas latinas, aptas para o Mediterrâneo, nas Ilhas Canárias, por outras quadradas e mais sólidas que pudessem aproveitar os ventos periódicos.
Colombo (ou como se chamasse) levou o seu mistério para o túmulo, porque carecendo aparentemente de qualquer mapa náutico, cruzou perfeitamente o Atlântico na ida, e com precisão no regresso, várias vezes. A cruz templária que levava, pelo menos na sua nau, insígnia na primeira viagem, faz suspeitar que esta confraria extirpada pela Inquisição na época do francês Filipe, o Belo, sobreviveu nas bibliotecas de La Rábida ou nos conventos costeiros de Portugal. O mapa chamado de Piri Reis, encontrado no museu turco de Topkapi, cópia do século XV ou XVI, de outro mais antigo, provavelmente ptolemaico, mostra que os antigos conheciam a existência da América e até dos seus rios interiores e do continente Antártico. Certamente, Colombo nem sequer deu o seu nome às imensas terras encontradas, pois morreu sem saber que não tinha chegado à Ásia por outro caminho, mas sim a um continente intermédio, entre esta e a Europa. Foi o cartógrafo e navegador Américo Vespúcio quem deu nome ao Novo Mundo, embora não o tenha proposto. A verdade é que os espanhóis foram ingratos com ele, por receber tantas nomeações dos reis Isabel e Fernando, e graças a Simón Bolívar, uma parte daquelas terras tiveram o seu nome: Colômbia, recordando talvez que um anónimo marinheiro italiano que acompanhava Colombo em 1499, deu esse nome a uma parte das terras descobertas.
Os vikings, desde o século XI ao XII, navegaram e estabeleceram-se ocasionalmente na Gronelândia e na América do Norte, mas as suas conquistas diluíram-se com eles, uma vez que não eram elementos civilizacionais, mas sim nómadas do mar.
Há uma história que não podemos garantir, mas é muito interessante e é a que narra e se apoia em algumas fotografias pouco legíveis da época, de uma rocha hoje desaparecida, encontrada no Brasil, escrita com caracteres cartagineses ou fenícios, em que um suposto navegador relatou que enquanto circunvalava com uma flotilha a África, a tempestade os desviou da sua rota e naufragaram ali, no que chamaram de País das Montanhas.
Existem outros descobrimentos pontuais, mas que desaparecem se os querem investigar – em parte devido à apatia geral dos governos da América Latina, a respeito dessas possíveis histórias – atribuídas a egípcios, cananeus, fenícios e gregos, na costa leste da América do Sul.
Inclusive há uma carta, certificada e real, do vice-rei Dom Francisco de Toledo, que escreveu ao Rei de Espanha em 1572, dizendo que estava em seu poder um estranho prego de ferro encontrado numa mina inca peruana (os incas desconheciam o ferro e não o trabalhavam), cravado numa rocha milenária. Como em tantos outros casos, ninguém lhe deu importância e hoje é um episódio.
De tudo o que foi dito acima, podemos tirar duas conclusões prováveis:
– Que os navios e instrumentos de Colombo não eram superiores aos dos navios da época clássica.
– Que, sem tirar o mérito colonizador de Colombo e daqueles que nele confiaram, outros navios puderam viajar desde a Europa para a América muitos séculos antes, voluntária ou involuntariamente.
Talvez, entre os muitos prós e contras que despertarão os festejos do V Centenário do Descobrimento da América [6], surjam novos elementos que esclareçam este tema, para além dos fanatismos religiosos e nacionalistas. É o nosso desejo mais sincero, e convidamos todos os leitores a contribuir, nas suas possibilidades, talvez mais do que estimam, para esta obra.
Notas:
[1] Uma quinquerreme era um navio de guerra, desenvolvido a partir do trirreme, que tem cinco ordens em cada remo. Foi inicialmente utilizado pelos gregos no período helenístico e posteriormente na frota cartaginesa e romana. As quinquerremes não eram navios com cinco filas de remos de cada lado – a altura necessária torná-los-ia muito instáveis – mas sim navios com três filas de remos, em dois dos quais remavam dois homens. Quer dizer, cinco homens moviam três remos.
[2] Fundada pelo empreendedor Atarbal, em Cádiz, no século III a. C.
[3] O drómon é um navio de vela e remo usado pelo Império Bizantino, semelhante à galera romana.
[4] Na náutica, o patilhão é uma peça utilizada para evitar a deriva produzida pelo vento. Pode ter distintas formas e estar situada nos costados, como nas embarcações antigas, ou numa caixa central colocada sob a quilha da embarcação.
[5] Mastro grosso, horizontal ou ligeiramente inclinado, que na proa dos navios serve para fixar algumas velas ou cabos do traquete, orientar as velas triangulares e alguns outros usos.
[6] Recordemos que este artigo foi publicado três anos antes do 500º aniversário da descoberta da América.
Jorge Ángel Livraga
Publicado em Biblioteca Nueva Acrópolis em 6 de setembro de 2021
Imagem de destaque: Embarcações Antigas Pré-colombianas (Imagem Composta). Domínio Público.