Existe no Tempo uma magia cujo acesso intuímos mas por onde o pensamento, na sua dimensão material, se vê na impossibilidade de transitar. Platão dividia a existência humana em dois mundos: o sensível e o inteligível. Ao primeiro cabe a vida física, visível e material, dominada pelo mundo dos sentidos e das aparências e, por isso, da projeção das nossas sombras, das nossas máscaras. Ao segundo cabe a Vida interior, invisível e superior, dominada pelo mundo real onde reside a nossa Essência, e o mundo das Ideias Puras, dos Arquétipos, ou seja, o princípio de tudo e de todas as coisas.
Mas dentro destes dois mundos, onde se encontra o tempo?
Na verdade, podemos falar da existência de dois tempos e de dois espaços. Podemos referir o Tempo Circunstancial como sendo o tempo dominado pelo mundo sensível, o tempo cronológico, o tempo sobre o qual não nos podemos desprender, o tempo que não “estica” nem “contrai”. E podemos falar de um tempo interior aquele que pertence ao mundo inteligível e do qual somos donos, pois podemos movimentar a nossa consciência nele sem estarmos presos à cadeia de Cronos.
Poderíamos desenvolver inúmeras perspetivas sobre o tempo, mas talvez seja interessante aprofundar a oportunidade que existe de trabalharmos o tempo interior independentemente do tempo circunstancial. Talvez fosse esta uma das ideias desenvolvidas pelo princípio Alquímico onde o Atanor seria o nosso interior e o fogo a intensidade com que dominamos o tempo de transmutação dos metais que existem dentro de nós.
Na realidade, não podemos alterar o tempo de cronos. Se esperamos uma resposta nada podemos fazer para alterar esse tempo. Se uma situação difícil requer a nossa espera, pois estando fora do nosso domínio nada podemos resolver, esse tempo circunstancial não pode ser movido. Mas, em cima deste tempo existe o tempo interior sobre o qual podemos decidir, optar, movimentar, esticar, aumentar etc. Poderíamos dar a este tempo interior o nome de Kairos, o tempo da oportunidade. A oportunidade de encurtarmos o caminho da ansiedade da espera, da impaciência, da dúvida, do medo e tantas outras sombras que projetamos no tempo e no espaço circunstancial pelo simples motivo de não estarmos a trabalhar o tempo interior.
Perante a impossibilidade de vencer o circunstancial, que na realidade é sempre passageiro e ilusório, perdemos muitas vezes a oportunidade de vencer o tempo interior cedendo ao Cronos devorador. Estes dois tempos são co-existentes, pois o nosso tempo interior não tem de ser definido pelo tempo circunstancial. Da mesma forma que o nosso espaço interior não tem de ser definido pelo nosso espaço circunstancial.
Dentro de cada Ser Humano existe a consciência. No tempo interior quem se movimenta é a consciência, podendo chegar ao mundo inteligível saindo do plano sensível. Este movimento ascendente é fundamental pois saímos do tempo circunstancial elevando a nossa consciência em direção ao ponto mais alto do nosso interior. Aqui, encontramos também um outro espaço por onde observar o mundo das sombras.
Neste plano superior, a consciência humana acede às Leis da Vida e da Natureza que movem o mundo sensível gerando a compressão necessária para observar sob outro plano a situação. Neste plano superior a consciência humana capta as Ideias mais puras podendo descer com elas ao plano material e com isto plasmar estas mesmas ideias sob o tempo e o espaço circunstancial. Dentro desta perspetiva estamos a falar de dois movimentos, tal como Plotino também referia. Um movimento de subida e outro movimento de descida. O primeiro, pela contemplação que eleva a consciência; o segundo, pela organização permitindo à consciência discernir o mundo terreno.
Na verdade, não conferimos muito valor à palavra Ordem, no entanto, apresenta-se como fundamental para o trabalho do tempo interior. Não se consegue plasmar uma ideia pura sem ordem. Porém, por vezes, tenta-se materializar a bondade ou a verdade pela contemplação sem repararmos que esse é o movimento de subida sobre o qual o resultado na descida não será possível.
Transportar uma ideia pura para o plano material requer inteligência, ou seja, organização mental e discernimento, representada na Índia pela Ave Kalahamsa, aquela que separa o leite da água. O motivo é muito simples: no processo de descida, esta ideia pura, cujo espectro branco existia no plano superior, vai-se manchando pela densidade do mundo material por vários motivos. A dúvida, o medo, a opinião dos outros, as nossas próprias sombras no geral. Muitas vezes essa mesma ideia perde-se no plano da descida impossibilitando a ação justa e correta.
A organização mental acompanhada pela ética da ideia pura pode permitir a plasmação da mesma no plano circunstancial com algumas manchas, pois o ser humano dificilmente consegue manter a pureza inicial. Mas, no resultado final, a Vitória da ação reta sobre a matéria é conseguida.
Como associamos o tempo a este movimento?
Enquanto decorre o tempo circunstancial – no qual nada podemos fazer – interiormente, pela contemplação e pela organização, vamos construindo ações que nos permitam caminhar pela prova encontrando, assim, a reta ação durante o processo de evolução do tempo físico. Reduzimos a prova na medida em que interiormente ela se encontra superada apesar de permanecer no mundo circunstancial. Na verdade, a prova deixa de existir pois a verdadeira realidade reside na nossa consciência sendo a circunstancial um reflexo dela mesma.
Desta forma, uma espera de duas semanas pode ser vivida sem ansiedade, sem medo ou sem dúvidas pois o tempo interior encurtou o tempo circunstancial.
Não cabe ao ser humano mover o tempo e o espaço das provas, pois nesse plano nada podemos fazer, mas existe a grande oportunidade de movermos o nosso tempo e espaço interior, pois esse é o plano Real, o plano onde efetivamente Vivemos.
Isabel Areias