Não encontrada, até os dias atuais, nenhuma referência mais detalhada, textual ou artística, sobre como seriam os rostos de Jesus ou de sua família – os personagens mais celebrados da Civilização Ocidental -, cabe à nossa geração, valendo-se de ferramentas contemporâneas, lidar com os escassos fragmentos sobre possíveis evidências que nos restam… e com muita fé na alma. Assim, é importante salientar que este experimento que propus, um exercício de especulação, toma em consideração a hipotética legitimidade do Sudário enquanto relíquia cristã, assim como do próprio Catecismo e Teologia de Roma. Também se deixa claro que a Igreja nunca declarou oficialmente a chancela divina do Santo Sudário, apenas considerando-o como uma peça de grande importância enquanto promovedora de profundas manifestações de fé por parte de seus seguidores.
Meu ponto de partida (e base principal para o resultado que seguiria) é a face do homem na mortalha, obtida em 2010 pelo designer gráfico vencedor do Emmy, o americano Ray Downing e seu Studio Macbeth. Este, com a mais avançada tecnologia forense, produziu a que é considerada a mais verossímil aproximação para o que deve ter sido aquele rosto impresso, quando em vida.
Com a ajuda de um software de inteligência artificial e alta tecnologia de redes neurais convolucionais para mudança de gênero, outro para ajustes faciais e alguns retoques artísticos manuais de minha parte – a fim de melhor definir um rosto étnico e antropologicamente feminino -, alcanço o resultado de uma mulher de semblante forte, em torno de seus 25 anos de idade. Com efeito, nada que lembre uma Madonna renascentista ou barroca, assim construída para melhor estabelecer uma conexão de serenidade e interiorização com seus devotos, segundo os cânones artísticos antigos. E, com a mesma tecnologia pôde-se chegar à adolescência da Virgem quando, supostamente, teria dado à luz.
Há que se perguntar: como se chega a uma definição considerável tomando-se apenas o rosto do filho como base? A resposta é muito simples: segundo as Escrituras, José, por ser pai adotivo de Jesus, não teve participação biológica na formação carnal do Messias. A natureza desta consubstanciação (como defende a Igreja Católica) se traduz por uma concomitância teológica cuja consequência foi o Cristo-homem como reprodução biológica exclusivamente da mãe – já que, também sendo Deus, se fizera carne através da “união hipostática da natureza divina e humana”. Então, restaria somente à Maria, sua mãe, esta atribuição no que tange a natureza humana. Ora, seguindo o milenar pensamento católico, Jesus teria recebido 50% do DNA de Maria, humana, e os outros 50% do Espírito Santo, imaterial, numa concepção completamente imaculada – sobre isto, o Papa Pio IX, no ano de 1854, proclamaria a bula Ineffabilis Deus, definindo a doutrina da Imaculada Conceição de Maria. Cabe aqui também lembrar que Cristo era comumente referido como da “descendência (ou Casa) de Davi” por parte de mãe, “de linhagem real”, o que nos leva a considerar esta condição genética para o Jesus-homem em relação à pessoa de Maria.
Discussões a este respeito são infindáveis, mas é bem razoável supor que o material biológico que definiria a aparência de Jesus, ao achar sua herança genética apenas em Maria (por ser humana e, não, imaterial), teria definido a aparência daquele – o “fruto do ventre” – muito similar ao desta, sua única progenitora carnal.
Partindo disto, mais uma versão do rosto de Maria nos é permitida obter pelos pincéis dos pixels e dos bytes, de algoritmos, de mais matemática, de algumas considerações antropomórficas e de um toque artístico final. Quando a surpreendente tecnologia do século XXI aborda temas tão controversos como os da fé e do invisível, entendemos por quê tanto esta como a Ciência jamais deveriam ter sido separadas.
Átila Soares
Átila Soares é professor e autor de 4 livros. Com referências em 30 países, é graduado em Desenho Industrial e especialista em História, Filosofia, Sociologia e Antropologia. Pós-graduando em Arqueologia e Patrimônio. Também é colaborador na revista “Humanitas” (Ed.Escala, São Paulo) e no site “Italia Medievale” (Milão). Ainda integra o comitê científico na Mona Lisa Foundation (Zurique), na Fondazione Leonardo da Vinci (Milão) e no projeto L’Invisibile nell’Arte (Roma).