Autor: Jorge Ángel Livraga

Neste ponto, a história substitui a mitologia, como é o caso, por exemplo, da fundação de Roma ou da Guerra de Tróia. Os resultados das investigações tornam-se mais precisos e tendem a ser contemporâneos dos factos, e tanto é assim que várias figuras importantes da época, como Calvino, gozavam com a aparente capacidade da Igreja Católica de repor o que foi perdido ou queimado.

O Santo Sínodo foi novamente flagelado pelo incêndio, mas não foram apuradas as causas. É claro que se o dobrarmos, primeiro na transversal e depois na longitudinal, surgem quatro séries de orifícios correspondentes, em ordem descendente de penetração, como se tivessem cravado um ferro quente na peça. Isto deve ter acontecido antes de 1516, porque algumas cópias que tinham sido feitas, baseadas em pinturas, mostram-se já furadas dessa maneira. De qualquer forma, as imagens parecem enmolduradas por estas marcas, de modo que a impressão, o que quer que seja, quase não foi afectada. Além disso, vale a pena notar que se o Sudário não tivesse sido levado em 1578 de Chambery para Turim, teria sido queimado pelos revolucionários franceses, pois em Chambery havia uma réplica pintada que foi queimada com grande pompa por um “comité” no final do século XVIII. Alguns dizem que foi um vidreiro que aconselhou a transferência, mas é provável que tenha sido pelo facto de a Casa de Saboia ter passado a residir em Turim.

As fotografias obtidas antes da Segunda Guerra Mundial não foram esquecidas e numerosos investigadores, alguns independentes e outros em equipas apoiadas por universidades ou pelo próprio Vaticano através de alguns dos seus funcionários, realizaram notáveis estudos anatómicos-forenses, bem como grandes fotografias a cores, como por exemplo, as de 1973. Profissionais foram contratados para se reproduzirem imagens em negativo, de modo que quando passados a positivos, se visse algo de semelhante ao Santo Sudário. Contudo, ninguém conseguiu grandes resultados e, se alguma coisa resultou com o processo de inversão, foram apenas meros remendos quando comparados com a perfeição anatómica e expressiva do original.

Enquanto a arte tradicional retrata um Cristo crucificado com pregos nas palmas das suas mãos, que os profissionais médicos descartaram porque foi provado com cadáveres que não é um sítio forte o suficiente, o Sínodo mostra os pregos nos pulsos, onde os seus ossos, unidos com ligamentos fortes, suportam o peso de um homem. Também se comprovaram outros aspectos anatómicos do género noutros feridos, detalhes que só um grande cirurgião poderia saber, como o facto de o nervo mediano, quando tocado, produzir a flexão automática do polegar… e no Santo Sudário não se vêem os polegares.

Obtidas as devidas autorizações, “eclodiram” as investigações, e de 1973 a 1977 foram utilizadas as melhores tecnologias disponíveis. Não podendo referir todas, vamos citar algumas.

O Professor Max Frei do Laboratório Científico da Polícia Suíça, auxiliado por um microscópio eletrónico, analisou a poeira que se tinha incorporado no tecido e detetou 48 classes diferentes de pólen. Alguns são da Palestina, outros da Síria e de Constantinopla. Quanto à idade, disse que não podia dar números exatos mas que os da Palestina eram os mais antigos, provavelmente do século I. No Congresso Internacional de Turim, tendo concluído as suas investigações, afirmou: “Posso afirmar, sem qualquer possibilidade de ser desmentido, que o Sínodo foi exposto na Palestina há 2.000 anos.”

O etnólogo americano Carlston S. Coon afirmou que “o homem do sudário” é de um subtipo racial que ainda está presente nas nobres famílias árabes e sefarditas judaicas. Barba e cabelo comprido e ondulado são também características da identidade judaica, enquanto romanos e outros barbeavam-se cuidadosamente e usavam cabelos mais curtos. Numerosos patologistas e hematologistas concordaram que, embora as manchas supostamente de sangue não mostrem exactamente vestígios de sangue (ou qualquer outra substância), o fogo que, em 1532, derreteu o cofre de prata onde estava o sudário pode ter destruído a hemoglobina. Por sua vez, o potente microscópio eletrónico descobriu pólen de plantas halófitas, uma planta heterogénea que vive perto do Mar Morto. Também o têxtil, uma sarja do tipo “espinha de peixe”, foi comparado e identificado como tendo origem nas proximidades de Jerusalém e feito em linho grosso num tear manual do século I.

Já em 1973, a televisão europeia comoveu milhões quando o Papa Paulo VI disse: “O Santo Sudário de Turim é a relíquia mais importante da história do Cristianismo.”

Fotografia oficial de Paulo VI, 1963. Domínio Público

Especialistas em história da arte também deram o seu contributo. Eles relacionaram a figura de Cristo com as mais antigas de que dispomos, como por exemplo o vaso de prata da cidade síria de Homs: é do século VI e nele vê-se uma face frontal semelhante à do Santo Sudário; mas em pinturas de parede muito danificadas, um século ou dois antes, Cristo é representado como um romano barbeado. É possível que tenha sido o caso no tempo de Constantino, quando se suavizaram as diferenças entre os cristãos e o Império Romano. É bastante provável porque os cristãos no século IV já estivessem completamente afastados dos judeus e vissem o Império mais como uma oportunidade de expansão e poder do que um inimigo. Destes factos, concluiu-se que os cristãos anteriores ao século VI não podiam ter visto o Santo Sínodo… mas assim que o viram, logo se dedicaram a copiá-lo, especialmente o rosto. Contudo, também isto não se pode garantir, pois não há qualquer referência histórica. Por acaso os viajantes que chegavam a Constantinopla podiam ver já o Mandylion? O pano quadrado de Mandylion seria, na verdade, o santo sudário dobrado de forma a mostrar apenas o rosto? Não o sabemos.

Outro ponto que se pode deduzir é que, na possível história da relíquia, há uma lacuna entre 1204 (onde foi roubada de Constantinopla) e a sua exposição em Charny, por volta do ano de 1350. Uma versão do século XIV comenta que os Templários, detentores de grande poder, dinheiro, conhecimento, bibliotecas e numerosas relíquias, também possuíam a tela sagrada e que a colocaram numa placa ou numa estátua. Em 1307, o tortuoso Rei Filipe IV de França, de cognome O Belo, usou este rumor para acusar os templários de adoração e heresia. Com isto e com o apoio de Roma exterminou-os. Em março de 1314, dois dos últimos mestres templários foram queimados numa fogueira inquisitorial: um deles, o Grão-Mestre da Ordem, Jacques de Molay; o outro, o Mestre Templário da Normandia… Geoffrey de Charny. Conseguiu ele esconder o Sínodo e passá-lo a um parente e depois aparecer nas mãos dos Geoffreys, os seus donos reconhecidos na altura?

Jacques de Molay. Domínio Público

É curioso que quando os bispos franceses acusam os membros da família de falsificar o Sudário, estes em vez de dizerem como a peça tinha chegado às suas mãos mantiveram-se em silêncio. Pouco antes de morrer, como referimos, Geoffrey de Charny mandou erigir uma pequena igreja em Lirey, perto de Troyes, aparentemente para que o Santo Sudário fosse aí venerado e talvez proclamar a sua origem, já que a sua boa reputação o teria protegido da Santa Inquisição. Mas nunca saberemos se seria verdade ou se os Templários, antecipando que poderiam perder a relíquia, teriam feito cópias. A verdade é que em 1951, aquando da demolição de uma parede em Templecombe, Somerset, onde tinha havido uma preceptoria templária, foram descobertos vestígios algo estranhos: consistia basicamente num painel coberto com pó de carbono fino onde claramente se podia perceber um homem barbudo, frontal, aparentemente idêntico ao que vemos no Santo Sudário. Infelizmente, o vigário, na sua ignorância, lavou-o na banheira com poderosos detergentes e ainda hoje se exibe na Igreja de Santa Maria de Templecombe, quase totalmente branqueado e já inútil como testemunho.

Não conformados com isto, investigadores e vários profissionais da USAF Academy em Denver, Colorado, e cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato em Pasadena, Califórnia, usando instrumentos sofisticados da NASA, conseguiram a imagem do Sínodo a três dimensões, o que permitiu descobrir que o que pareciam olhos inchados eram, na verdade, pálpebras fechadas sob pequenas moedas cujas características correspondem às utilizadas na época na Palestina.

Os técnicos da NASA fizeram outras alegações:

  • Que o corpo (a julgar pelas marcas e pela falta de achatamento) não estava assente nas costas nem nas nádegas. Não aparentava peso.
  • Que a imagem foi formada não por contacto ou com tinta mas por radiação térmica.
  • Que o facto de se ter feito uma análise a três dimensões elimina as hipóteses de a imagem não ter sido formada por radiação térmica. Que a radiação foi uniforme e que o corpo era a origem de toda aquela radiação.

O físico John Jackson e o especialista em aerodinâmica Eric Jumper usaram o analisador de imagens VP8, que foi aplicado em programas espaciais na Lua e no planeta Vénus.

Embora tudo isto não constitua prova cabal de que o Santo Sudário envolveu de facto o corpo de Jesus Cristo, já que as flagelações, punições e crucificação eram práticas de executar aqueles que se insurgiram contra o Império Romano ou contra poderes legalmente reconhecidos pelos romanos, parecia inegável que o Sínodo era do século I, vinha da área geográfica onde viveu Jesus Cristo e que tinha características físicas inexplicáveis. Apenas faltava a aplicação do método carbono-14, pelo menos publicamente, uma vez que necessitava de fragmentos da relíquia.

Passam-se onze anos e estamos em meados de 1988. A Igreja permite que pequenos bocados, não maiores do que um selo postal, sejam cortados do Sínodo e testados em laboratórios de Zurique, Tucson e Oxford, com medidas de segurança máximas, bocados estes misturados com outras amostras para que nem os mesmos investigadores soubessem quais as que correspondiam ao Santo Sudário. No dia 15 de outubro é emitido o  veredicto oficial através do Cardeal de Turim, Anastasio Ballestero, na presença do porta-voz do Papa, o espanhol Joaquín Navarro Valls. É dito que: “De acordo com os resultados científicos, podemos situar a idade do tecido, com uma taxa de rigor de 95%, entre 1260 e 1390 a.C. Apesar do “terramoto” psicológico, a Igreja foi capaz de se manter serena e declarar que não tinha sido possível determinar como as figuras foram formadas e que o Santo Sínodo deveria ser venerado como “Ícone de Cristo”.

Curiosamente, o Papa Clemente VII, já no final do século XIV tinha afirmado que o Santo Sudário era uma pintura; não obstante, vários outros Papas que se seguiram, como Pio XI e João XXIII tinham acreditado na sua autenticidade… E o sudário não tem qualquer tinta.

Não faltou quem afirmasse que ao reconhecer que o Santo Sínodo era apenas um objeto de fé, como uma pintura ou um crucifixo vulgar, a Igreja demonstrava a sua nova posição de fazer prevalecer a verdade em todos os casos, e que os Evangelhos tinham saído reforçados como verdadeiras testemunhas da morte e ressurreição carnal de Cristo, já que o Santo Sudário com a sua imagem nunca tinha sido mencionado em nenhum lugar.

A crucificação, Andrea Mantegna. Museu do Louvre. Domínio Público

Por outro lado, os Evangelhos, tal como hoje são conhecidos, foram selecionados entre muitos outros por um curioso processo “milagroso”, além de, historicamente, não pertencerem ao século I porque nem sequer são mencionados por Filón de Alexandria (30 a.C. – 50 d.C.), de origem hebraica, que nos deixou um material muito interessante e extenso. É evidente que a existência de Jesus Cristo não é apoiada por nenhum historiador do século I, o que indica – na presunção de que existia, dadas as repercussões que séculos mais tarde as suas doutrinas teriam – que para os seus contemporâneos não era suficientemente importante para ser evidenciado e historiado. E lembremo-nos que no tempo de Jesus Cristo, Filón viveu em Jerusalém. Por outro lado, os quatro Evangelhos foram tocados e retocados muitas vezes e as suas versões mais antigas estão em grego que, evidentemente, não era a língua que os apóstolos falavam, exceto Paulo. Numa das nossas bibliotecas em Espanha há uma cópia da Bíblia do século XVII que apresenta muitas linhas riscadas com vitríolo, um composto de ácido sulfúrico e de alguns sulfatos. Se em trezentos anos houve mudanças… Quantas não terão havido ao longo de vários séculos? Portanto, se o Sínodo é autêntico ou não, os Evangelhos não têm nada a ver com isso, pois a sua antiguidade também não está comprovada. Nem a existência de Cristo foi cientificamente provada.

Não valem desculpas mas sim factos, e estes são verdadeiramente misteriosos. Até há onze anos dizia-se que que o Sudário tinha vinte séculos; agora que tem seis. Todos os testes são cientificamente válidos… mas opõem-se. Obviamente, ou há uma falha nos testes ou as pessoas os manipulam. Ou nos mentiram em 1977 ou nos mentem agora, ou fizeram-no nas duas vezes. A única impossibilidade é que os dois grupos de provas sejam verdadeiros, dada a sua contradição.

O que há de errado com o Santo Sudário? Estarão os seus guardiões a esconder-nos alguma coisa? Não sabemos. Nas nossas consultas de opinião temos recolhido muitas versões, desde um silêncio cúmplice à descoberta de que Jesus Cristo era um extraterrestre, até que foram Templários que o fizeram, talvez à semelhança de uma anterior, numa estátua oca, antropomórfica e metálica que poderia ser aquecida homogeneamente por dentro. Tudo é possível, mas tudo é incerto e improvável.

Aquele que se acreditava ser o testemunho mais formidável da existência e paixão de Jesus Cristo já não o é… sem deixar de sê-lo. Algo, muito importante, está escondido no Santo Sudário.

Publicado em Biblioteca Nueva Acrópolis, 15-04-2019

Bibliografia básica

  • “História da Filosofia”, de Nicolas Abbagnano.
  • “História Política dos Papas”, de Pierre Lanfrey.
  • “Decretales”, de Isidoro Mercator, Dionísio, Os Antigos e outros.
  • “Apelos”, do Papa Estêvão.
  • “Apologias”, de Clemente de Alexandria, São Irenaeus, Minúcio Félix e Justino.
  • “Refutatio et apologia”, de Dionísio de Alexandria.
  • Arquivos secretos do Vaticano, menções de Napoleão, 1815.
  • Grande Enciclopédia Rialp.
  • Enciclopédia Ilustrada Universal.
  • “História das Religiões”; Século XXI, Direção de Henri-Charles Puech.
  • “Doutrina Secreta”, de Helena P. Blavatsky.
  • “Ísis Sem Véu”, de Helena P. Blavatsky.
  • “Glossário Teosófico”, de Helena P. Blavatsky.
  • “Guia para o Sudário de Cristo”, Catequista Central Salesiana.
  • “A Autenticidade do Santo Sudário de Turim”, de Jorge Loring Miró S.J.
  • “O último repórter desafia as críticas”, de José Luis Carreño Etxeandia, S.D.B. com a equipa de Hogar Misionero de Alzuza.
  • “Dictionnaire d’archeologie chrétienne et de Liturgie”, Cabro, Leclerck e Marrou.
  • “A conversão de Constantino e Roma pagã”, A. Alfoldi.
  • “La réaction païenne”, Pierre de Labriolle.
  • Centro Studi e Laboratori di Telecomunicazioni (CSELT). Relatório dos técnicos.
  • Publicações de Jornalismo de 1977.
  • Publicações de Jornalismo 1988.
  • Vários Concílios.
  • A Bíblia.
  • O Corão.
  • Evangelhos Apócrifos.
  • Apocalipse de Daniel.
  • A Bíblia de Jerusalém.
  • Pseudoepígrafes.