Um discípulo meu fez-me esta pergunta e eu respondi-lhe. Mas penso que será inoportuno que todos os nossos leitores saibam um pouco mais sobre o tema.

Primeiro, devemos desbravar o caminho do nosso entendimento, pois a educação materialista que todos tivemos em maior ou menor grau, ainda nos impede, subconscientemente, de abordar estes temas com a devida naturalidade.

A questão da morte, já não como elemento subjetivo que incita à investigação filosófica, mas como algo real, quase tangível, que se aproxima inexoravelmente de todo o ser humano encarnado, foi, é e será algo que preocupa todo aquele que medite sobre isso de maneira autêntica, sem evasivas psicológicas. Nem o facto de estarmos interiormente seguros da nossa imortalidade é suficiente para vermos com indiferença este fenómeno natural que afeta a todos nós.

Shakespeare põe nos lábios de Júlio César a frase: O valente morre uma vez e o cobarde mil vezes. Não inventa, recolhe-a de uma tradição atribuída ao grande guerreiro, ao homem-charneira entre a República e o Império Romano. E o mais importante é que se trata de uma grande verdade, pois quem não tem valor moral, morre várias vezes por dia, sempre que imagina a misteriosa Dama que um dia lhe baterá à porta.

Morte de César, Carl Theodor von Piloty. Domínio Público

O valente ou o sábio que se dedicam a um trabalho que subestima a sua própria importância individual e que, por instinto ou por conhecimento sabem, não se angustiam mais do que o estritamente necessário.

Não só o que li ou ouvi, mas o que vivi em experiências dificilmente transferíveis, fazem-me afirmar que a morte não existe como uma detenção da vida, mas apenas como a perda do corpo físico e das suas fontes de energia vital e psíquica. A nossa Alma e os subcorpos superiores dos corpos que compõem o que chamamos personalidade, ao separarem-se do bio-robot que os manifestava no plano material, tendem naturalmente para a alegria de uma liberdade tantas vezes desejada.

Da mesma forma que, quando nascemos, um piedoso sono nos envolve para melhor nos adaptarmos ao novo meio ambiente, um outro sono nos acolhe no momento da morte, embora este seja menos profundo, pois muitos elementos que constituíram os motores da nossa ação neste “lado do mundo” irão perdurar até à proximidade da nova reencarnação. E, segundo a quantidade de esquecimento que karmicamente necessitemos, irão mesmo passar de forma mais ou menos percetível para a nossa próxima vida. Se, por morte, entendemos o desaparecimento dos elementos que nos interessaram nesta encarnação, esta não se produz no ato de desencarnar, mas sim no de voltar a encarnar.

Hypnos e Thanatos carregando o corpo de Sarpedon do campo de batalha de Tróia. Creative Commons

A morte, então, não nos afeta tanto como geralmente pensamos, pois continuamos a ser os mesmos, com as nossas virtudes e os nossos defeitos.

Deste modo, o que agora somos, continuaremos a ser para além da perda dos nossos corpos físicos. E que farão, então, os mortos?… Pois… mais ou menos o que faziam nesta vida, mas libertos das limitações da sua parte animal. Isto não significa que as suas paixões e obscuridades cessem, só que a parte luminosa das suas Almas poderá manifestar-se com mais facilidade e frequência.

Eles continuam connosco, assistem aos nossos encontros e atividades de maneira ativa e amam o mesmo que amaram. Não “descansam”, mas “sonham” num plano ou dimensão mais brilhante, menos conflituoso e sem as limitações a que o corpo nos submete. Têm outras, mas não são novas, já que os acompanharam em toda a vida terrena.

A “sensação” ao estar desencarnado é de uma maior “leveza” e menor propensão para as preocupações. De algum modo, e no meu esforço por transmitir o que se sente, posso-vos dizer que é um estado parecido àquele que tínhamos quando éramos crianças ou adolescentes, com todos os nossos sonhos frescos. Alguns de nós conseguiram mantê-los durante toda a vida física, e outros não. Porém a piedosa morte “iguala-nos” nesse ponto e, embora com uma maior experiência, é como se voltássemos a começar.

Quando digo que os mortos “continuam connosco”, não quero dizer que isto seja interpretado no sentido de que os encarnados têm dependências; em todo o caso, tanto os vivos como os mortos são interdependentes. Fazem-nos chegar os seus desejos e temores por uma espécie de “telepatia” e nós fazemos o mesmo com eles.

Confesso que estou a dar-vos uma instrução voluntariamente limitada, pois alguns aspetos poderiam ser mal-interpretados, sobretudo no caso dos leitores mais jovens e com menos experiência… e dos que, por uma má formação anterior, ainda receiam os mortos e nem querem pensar neles.

Mas a verdade é que os “mortos” continuam a existir, comunicam entre eles e connosco. Os melhores lutam para que se continue a trabalhar em prol da Humanidade, tecem projetos que depois nos “ocorrem” e também recebem de nós as nossas recordações, projetos e estados de ânimo. Não são os nossos anjos custódios… mas identificam-se com eles nalgumas facetas. Os que morreram jovens de corpo preservam uma grande energia e entusiasmo que dirigem-na para os trabalhos que estavam a fazer. Acompanham os familiares e amigos solitários, debruçam-se sobre as mesas de trabalho, sugerem às damas os mais nobres sentimentos ou, simplesmente, a cor da roupa que vão vestir em cada dia. Eles não se sentem “mortos” e muitas vezes admiram-se de não os vermos… Todavia, as suas conversas, cantos e trabalhos mantêm-nos saudavelmente ocupados.

Que fazem os mortos? Pois… simplesmente vivem a mesma aventura que nós… e às vezes perguntam-se: Que fazem os vivos? Assim tão simples!

Jorge Ángel Livraga
Publicado no livro Artigos Jornalísticos, Edições Nova Acrópole.
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Imagem de destaque: Alma levada ao céu por dois anjos. Domínio Público