Vamos começar a conversa de hoje tratando de definir o que é que faz a Nova Acrópole. Primeiramente, o seu nome marca a intencionalidade de fazer uma cidade alta, não no sentido material, mas sim no sentido espiritual. Além disso, chamamo-nos “escola” ou “movimento filosófico”. Hoje entende-se por filosofia algo muito abstrato, mas para os clássicos a filosofia era algo muito mais amplo. Na época pós-cartesiana dividiram a filosofia, a ciência, a política, a arte e a religião. Isto tem criado dentro da Humanidade verdadeiras tribos, com os seus totens e os seus tabus. Quer dizer, que os letrados se reúnem com letrados, os militares com os militares, os músicos com os músicos.
Hoje, são muito poucos os homens e mulheres que têm um interesse humanista para poder abarcar vários temas, o que nos faz distanciar uns dos outros. Assim nos vai surgindo um certo frio dentro do coração, invade-nos uma sensação de solidão. Anteriormente, a filosofia era a tendência para o conhecimento, para o verdadeiro; daí que todos os homens e mulheres sejam naturalmente filósofos. Quando uma criança pergunta aos seus pais: «O que é a Lua? Por que o avô tem cabelos brancos? Por que os peixes não se afogam?» Essa criança está numa atitude filosófica. Naturalmente, a cultura que recebemos depois vai abafando essa criança interior, e vai esmagando-a; daí que a Nova Acrópole, mais do que dar algo novo, é uma espécie de técnica para despertar o Homem interior de cada um de nós, a partir do conceito de indivíduo.
Platão fala do indivíduo, sociedade e Estado. Nós, na atualidade, esquecemos um pouco a importância do indivíduo. Geralmente, confiamos que os problemas políticos, sociais, económicos, religiosos, se irão resolver por uma espécie de fórmula social ou política, e assim, o Homem foi-se deixando como adiado, isolado, angustiado no meio de uma sociedade que não o compreende. Foram esquecidos elementos muito básicos na construção das coisas. O Partenon foi construído por Ictino e Calícrates, mas também teve que ser escolhida uma boa pedra. Daí, uma corrente é tão forte quanto o mais débil dos seus elos; não basta sonhar com uma grande corrente, faz falta construir elos fortes e bem coordenados.
Não pode haver sociedade, nem Estado, se não existir um indivíduo no verdadeiro sentido da palavra. Na Nova Acrópole damos grande importância à formação do indivíduo, ao “conhece-te a ti mesmo”. O fundamental é conhecer-se, saber qual parte em nós é nobre ou espiritual e qual parte não é tão nobre, mais material.
Para isso baseamo-nos nas velhas teorias esotéricas da constituição do Homem, com as quais coincidiram todas as grandes culturas da Antiguidade. Hoje simplifica-se isto falando sobre um corpo e uma alma. A psicologia, uma ciência bastante nova, introduziu algo entre a Alma e o corpo, mas esquece que, por exemplo, na Grécia, na época das grandes escolas filosóficas, se representava a Psique como uma borboleta, ou seja, como algo que se vai movimentando sempre e nunca está parado. Como podemos aquietar a nossa psique? Como podemos direcioná-la para o que queremos? Conhecendo-nos, conhecendo-nos profundamente.

Jorge Ángel Livraga no lançamento de um dos seus livros
Os antigos diziam que a nossa constituição é septenária. Todos temos um corpo visível. Este corpo é evidente, podemos tocá-lo – os hindus, em sânscrito, chamam-no sthûla-sharîra, «o que pode ser ferido». Este corpo denso está conformado por uma espécie de força, de vitalidade ou aura magnética, que seria a parte superior à parte física, que poderíamos chamar de corpo energético, ou “prânico”, em sânscrito. Acima de ambos estaria o veículo das emoções, a parte realmente psicológica, como diríamos hoje. Depois viria a parte mental, que teria dois pólos –como diria Platão, ela é feita do mesmo e do outro–, uma parte inferior de desejos, mais material, e uma parte superior, mais espiritual, é por isso que os hindus o dividem em Kama-Manas e Manas. Acima, estaria a nossa Alma, nosso mistério, iluminado por Agni, uma espécie de Cristo em nós; os orientais chamam-lhe de buddhi, «o que recebe a luz». E à parte de tudo isto estaria o eu profundo, o mistério, o Espírito, chamado de âtma, em sânscrito, ou atmu, em egípcio.

A constituição septenária do ser humano
Os quatro corpos ou princípios inferiores são mortais, os três superiores não. Quando a consciência se identifica com a parte mortal, angustia-se por temer a morte; no entanto, quando a consciência se eleva e se une com a parte imortal, livra-se do medo da morte. Platão disse que o homem que se agarra ao passageiro sente que desliza e vai com o passageiro. Nós devemos identificar-nos com o imortal, com o superior, não com o inferior. Sei que é muito difícil, pois foi-nos dada uma educação que, até quando falamos, dizemos que somos um corpo e não que somos uma Alma. Temos a consciência centralizada na parte inferior, e assim dizemos: «Eu durmo, eu como», quando a verdade é que quem come, quem dorme é o corpo, não sou eu; o eu interior não come, não dorme. Quando conseguimos aumentar um pouco essa consciência, conseguimos uma boa liberação de obstáculos, começa a aparecer o indivíduo.
Quanto à relação entre os indivíduos, a Nova Acrópole estuda seriamente as teorias de Platão, sobretudo aquelas que aparecem no seu livro «A República». Cremos que todos os homens têm os mesmos direitos e que todos somos filhos de Deus. Mas não somos todos iguais, não acreditamos na igualdade dos homens, não acreditamos que sobre um determinado tema a opinião de um homem valha a mesma que a de outro. Suponhamos que agora eu me sinto doente e peço que me ajudem. O que vamos fazer? Vamos chamar um médico ou vamos votar para ver quem me vai ajudar? Talvez fosse possível escolher uma jovem ou um jovem muito simpático, mas que não sabia nada de medicina. Assim como foi profissionalizada a arte de curar, devem profissionalizar-se todas as outras artes.
E como diziam nas escolas platónicas, valeria mais o juízo do que a opinião. Não se trata de dizer, olhando para umas letras em grego: «A mim parece-me que aí diz tal coisa.» Se não sei grego, estou a divagar. Deverei perguntar, a quem sabe grego, o que diz lá. É um princípio de humildade que devemos ter com todas as coisas, é uma forma de convivência que vai trazer muita paz ao mundo, se pudermos entendê-la.
A Nova Acrópole também se preocupa com o desenvolvimento da ciência. Não estamos contra a ciência; pelo contrário, queremos enriquecê-la com todas as formas de ciência, não só atuais, mas também passadas. Na Nova Acrópole existem profissionais cientistas que estão a tratar de elaborar novas nuances da ciência, especialmente na medicina. Nós não substituímos uma medicina por outra, mas usamos todas medicinas em conjunto. O médico faz uma inspeção do paciente e, segundo o que lhe ocorre, talvez possa ser muito mais favorável a acupuntura, ou quem sabe ser a terapia a laser, ou talvez cirurgia, a alopatia, a homeopatia ou qualquer outra forma de terapia que possa haver. Para nós o velho conceito de que «mais do que medicina, há doentes», que nos deixaram os hipocráticos é uma realidade. Cada paciente é diferente do outro, mesmo tendo a mesma doença, e às vezes uma mão no ombro, uma palavra de incentivo, ajuda tanto quanto um remédio.

As quatro faces da cultura humana segundo Jorge Ángel Livraga
Com respeito à arte, a Nova Acrópole quer regressar a uma arte que todo o mundo possa entender, não uma arte que tenha de ser explicada às pessoas, sem que possa ser compreendida e sentida por todos. As mesmas pessoas que subiam à Acrópole e viam o Partenon, não conheciam as suas medidas áureas, talvez nem se davam conta que as colunas não estão todas à mesma distância, talvez não percebessem os truques ópticos que existem para que pareça que está tudo perfeitamente vertical quando na verdade não está … Mas o povo que subia até alcançar a Acrópole sentia algo superior ao ver aquele monumento, tinham um sentimento de beleza que vai além do intelecto. E desse sentimento todos podiam participar, que é o realmente popular, aquele de que todos os homens e mulheres podem participar. Sem dúvida, nem todos verão ou sentirão o mesmo, mas isso de sentir e compreender a mesma coisa, digamos que é uma invenção nova que foi experimentada e fracassou. Hoje sabemos perfeitamente que cada homem e toda a mulher são diferentes, não só fisicamente, mas mental e emocionalmente. Essas casas em forma de caixa de sapatos são todas iguais, são coisas do passado; hoje quer-se que cada casa, cada piso, tenha uma peculiaridade, tenha algo próprio de quem a habita.
Em relação às religiões, a Nova Acrópole respeita a visão mística que cada pessoa pode ter. Há acropolitanos cristãos, judeus e muçulmanos, porque no fundo de todas as religiões arde a mesma luz; as diferenças são históricas, sócio-políticas ou simbólicas, mas do ponto de vista filosófico a luz é una. Se alguém prefere ver essa luz de cor vermelha, ou verde, ou azul, pois que a veja, não há nenhum problema, porque quando nos reunimos para falar sobre as cores em que vemos a luz e as colocamos em movimento, como no famoso disco de Newton, veremos uma única cor, o branco, ou seja, vamos voltar outra vez à percepção de uma unidade transcendente em todas as coisas.
A nossa atual forma civilizacional está a fracassar pouco a pouco, e por um sentimento lógico completamente aceitável e humano, trata-se de ocultar o que está a acontecer. Até a famosa corrida espacial continua a ser comentada e as experiências continuam, mas quem já esteve num centro espacial sabe perfeitamente que hoje é mais um museu do que qualquer outra coisa; em cada dez projetos, foi possível realizar um e para esse há cada vez menos dinheiro. Há 20 anos pensava-se que no ano 2000 as pessoas iriam passar as férias na Lua, em Marte ou em Vênus e que fariam cidades de vidro com ar condicionado para que as pessoas pudessem viver. A realidade é outra; somente doze homens pisaram a Lua, e desde aí já passaram quase treze anos. Para isto utilizaram centenas de milhares de homens, tiveram que contar com dezenas de milhares de empresas e mais de cem universidades colaboraram nesta aventura. Agora não há possibilidade imediata de que volte a acontecer, porque os problemas económicos do mundo, os problemas técnicos, não o permitem; isto é, toda essa síndrome modernista, extraordinária, do ano 2000 freou, parou.
A realidade é outra. A realidade é que para o ano 2000 a população mundial será praticamente o dobro, mas não haverá o dobro do trabalho, nem de meios de comunicação, nem de lugares onde viver, o qual aumentará o índice de miséria que existe no mundo. Desde que começamos esta pequena conversa até agora, milhares e milhares de pessoas morreram de fome, de frio. Cada vez a relação entre o que podemos produzir e o que podemos consumir se vai diminuindo, cada vez temos menos possibilidades de aquisição. Existem mais de mil milhões de pessoas no mundo que são analfabetas; há dois mil milhões de pessoas subnutridas no mundo. Não há nenhuma possibilidade, com os sistemas que conhecemos atualmente, de poder ajudar essas pessoas, que terão cada vez mais fome. Enquanto que em África Ocidental, no final do ano passado, morriam cinco milhões de pessoas de fome, no início deste ano, foram despejados no Mar do Norte toneladas e toneladas de leite em pó e sobras de alimentos do Mercado Comum Europeu para manter os preços. Não existe nenhum mecanismo que possa parar isso.
É necessária uma renovação profunda. A revolução não pode ser massiva, tem de ser uma mudança do indivíduo, um indivíduo que esteja preparado para enfrentar essa nova situação, esta espécie de Idade Média que vem sobre nós.
Eu viajo durante o ano a mais de vinte países, pois a Nova Acrópole está atualmente em vinte e nove países entre América, Europa e África, e mais um na Ásia [1], e tenho observado que há destinos para os quais não existem mais voos diretos, porque não são rentáveis. Além disso, o correio internacional cada vez tarda mais; os protótipos de superaviões foram colocados de lado para modificar os aviões que existem na actualidade e, para economizar combustível, utilizam-se novos motores de dupla combustão, embora tenham menos potência. As pessoas começam a instalar painéis solares em suas casas para gerar eletricidade e começam a pensar novamente nos moinhos de vento como fonte de energia eólica. Tudo sugere que uma nova Idade Média se aproxima.
A Idade de Aquário não é a idade dourada que muitos acreditavam; talvez seja dourada no final, mas não no início. Segundo os investigadores da filosofia esotérica, teria quatro partes fundamentais: a primeira poderíamos compará-la com o gelo, uma parte dura onde todas as coisas começam a se restringir; uma segunda parte que poderíamos comparar com o líquido, onde as coisas começam a correr e a mover-se; uma terceira parte que poderíamos comparar com o vapor, onde as coisas se diluem mas tendem a subir para uma nova espiritualidade; e um quarto momento em que esse vapor se transforma em nuvens, chega a um céu; no Homem, a uma etapa espiritual superior. Isto é muito interessante de estudar, mas do ponto de vista prático, estamos agora no início da era do gelo, onde o mundo está cada vez mais duro, onde a violência floresce em toda parte, onde nos ameaçam as armas nucleares de poderes terríveis; esta é a realidade aqui e agora.
Uma característica da Nova Acrópole é ser prática. Geralmente, entende-se que a pessoa espiritual é uma pessoa que tem que ser desapegada do solo, como se voasse nas nuvens, e isso é mentira. O Homem verdadeiramente espiritual tem que poder dominar a matéria, porque se não domina nem mesmo a matéria, muito mal dominará o que é mais difícil de dominar do que a matéria.

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Para chegar ao dia de amanhã necessitamos viver o dia de hoje, embora isso não nos impeça que tenhamos toda a esperança do mundo, todos os projetos para o futuro, mas faz falta viver hoje, aqui, agora. O que a Nova Acrópole trata de criar é uma espécie de módulo de sobrevivência através destes tempos duros, onde mulheres e homens realmente capacitados podem avançar mesmo contra o vento e a tempestade. Quando se conhecem as leis da Natureza, mesmo estando numa noite muito escura, não temos medo porque sabemos que amanhã vai amanhecer, mas temos que chegar ao amanhã, há que acender tochas para nos guiar na noite, há que acender fogueiras para que as pessoas possam encontrar o seu caminho, há que ter a coragem de acender as lâmpadas, não há que temer a escuridão.
A filosofia é uma doutrina para pessoas valentes que se atrevam a viver realmente. Não é uma forma de capricho, não estamos aqui porque não podemos estar em outro lugar, estamos aqui porque queremos, porque a nossa vontade foi mais forte que o calor e o desconforto. O que fazemos em pequeno agora temos que o fazer em todas as coisas, onde a vontade se imponha à adversidade, onde a coragem seja mais forte que o medo, onde o trabalho seja mais real do que o ócio.
É fácil e é difícil, aí está a escolha: entrar na onda da História ou ser arrastado por ela. Não esperemos auxílio dos extraterrestres nem de nenhuma outra parte. A humanidade deve redimir-se, salvar-se a si mesma, com fé em Deus. Deus é a coisa mais evidente que existe, mas Deus está em nós, não é algo que está em algum lugar acima, longe. Não, está em todos nós, nas árvores, nos animais, nas pedras; isso já foi dito nesta cidade há vinte e cinco séculos, mas é bom repeti-lo. Deus está em todas as partes, em todas as coisas, em todas os nossos actos e pensamentos.
Mas devemos ser conscientes dele para seguir adiante, em direção a um mundo que não é apenas novo, mas melhor. Não basta fazer novo, faz falta fazê-lo melhor. Se eu tenho um par de sapatos e troco por outros que sejam piores, mudei, mas quando caminhar uns quantos metros pela rua gritarei de dor. Se vamos mudar, há que fazê-lo para melhor. Daí que o mundo novo não somente tem que ser diferente ou novo, deve ser melhor, mais útil. Para esse mundo melhor nos encaminhamos com todos os nossos esforços, e as portas da Nova Acrópole em todos os países do mundo estão abertas a todos.
Eu sou o fundador e diretor internacional da Nova Acrópole, e atesto que existem milhares e milhares de pessoas em todo o mundo que marcham graças a esta concepção do mundo, não como um sacrifício, mas com alegria, com aquela alegria que os seus antepassados chamaram de epopteia. Há que abrir-se como os capitéis nas colunas. Sobre esta nossa coluna que surge da terra podemos abrir um capitel nas alturas onde o ar é mais puro, onde não há contaminação, onde podemos voltar a unir-nos outra vez para sermos mais fortes, para sermos melhores.
Jorge Ángel Livraga
Conferência proferida em 4 de Junho de 1982 na sede da Nova Acrópole de Atenas, Grécia.
[1] Nota do editor: esses dados correspondem a 1982. No ano de 2020, a Nova Acrópole está em sessenta países.