Um sonho é uma balada
Por onde nos deixamos ir
Nós não o controlamos
É ele que nos vai conduzir.
Não posso desistir
Não posso adiar,
Caímos, levantamos
Não precisamos de ir a voar.
Parece que tudo está perdido
Tendo mesmo que continuar
Não recues, não adies
Permanece sem parar.
Segue em frente
Mesmo com desilusões
Mesmo com obstáculos
Pois nem tudo são ilusões.
Sonhos…
Não se deixam para trás
Pensa…
Até (a) árvore caduca persiste
É para isso que existe.
Belo poema de uma adolescente portuguesa, Rita Reis, que precisamente ontem cumpriu os seus 13 anos, idade das primeiras intuições vitais da alma segundo a Filosofia Oriental.
Falou-me dela uma amiga e discípula, Mariana Esteves, que é monitora educativa. Conheceu-a numa magnífica iniciativa do Município de Oeiras, cidade próxima de Lisboa, na qual fazem viver a meio milhar de crianças do concelho, e a um preço mínimo, umas férias inesquecíveis: aventuras no mar, excursões a Museus e outras instituições educativas, todo o tipo de jogos de superação e de consciência cívica, slide e outras experiências para vencer o medo, acompanhados sempre por profissionais da área. É lógico que no meio destas aventuras e encontros de fraternidade surjam também conversações da alma, essas que deixam impressões inapagáveis e dão sentido à vida. Num destes momentos esta jovem perguntou-lhe o que lhe causava mais impressão, se o Nada ou o Infinito… Bem, eu não sei o que teria respondido!
Outra companheira, da mesma idade, disse-lhe que queria ser Filósofa, embora talvez isso não fosse profissão, e que nesse caso seria como um “hobby” porque o que mais ansiava era compreender os mistérios da Vida. Boa estudante da Nova Acrópole poderia, sem dúvida, chegar a ser! A mesma perguntou o que era exatamente a alma, pois nunca tinha chegado a ter claramente consciência dela, mas que sabia com certeza que todos vimos com uma missão na vida.
É maravilhoso ver como cada geração renova o compromisso com os Sonhos, com o que não morre, com a necessidade da alma de encontrar novas formas e abrir caminhos para o Bom, o Justo e o Belo, ainda que no meio de um mundo que parece ter enlouquecido, perdidos todos os eixos morais que dão verdadeira estabilidade ao homem, e por conseguinte, à sociedade. Nilakantha Sri Ram (1889-1973), um dos filósofos mais lúcidos do século XX, dizia, com palavras infinitamente mais belas e que não sou capaz de recordar exatamente, que a juventude é o período da vida em que há mais perfeita consonância com a própria alma e, deste modo, com o próprio coração da vida, e que como uma corrente de água lavrando, se for necessário, um novo leito, encontra os caminhos para o futuro… se não se aprisionar e estancar na lama suja do amoral. Pois a alma, e ainda mais no jovem, necessita de um enquadramento adequado, e de um alimento que a fortaleça. Necessita exemplos, necessita mestres, necessita vias para encontrar o manancial da sua própria infinitude, o segredo do que traz ao mundo, como oferenda. E como a água pura da fonte, pode-se sujá-la, pode-se adulterá-la, pode-se travá-la ou fazê-la escrava de todo o tipo de engendros monstruosos desnaturalizados. O jovem, ou seja, a alma necessita de provas que a façam consciente das suas próprias forças, ou seja, da sua vontade, da sua coragem, da sua bondade e compreensão, da sua versatilidade, do seu poder de renovação e de harmonizar, da sua imaginação e criatividade. E não “provas” que na realidade não o são, mas sim artimanhas para conduzi-la à morte moral, à inanição, ao triunfo de tudo o que a acorrenta: medos, soberbas, cegueiras, duplicidade, rigidez, incapacidade de aproveitar as oportunidades que renovam, etc.
E fortalece-nos com esperança ver esta alma já nos versos de uma primeira juventude que desponta, como a rosa e tímida aurora anuncia um sol vigoroso.
Palpita aqui, neste poema, uma intuição ou vivência dos Sonhos da Alma, ou seja, uma sede de Ideal, uma necessidade de que embriaguem a nossa vida, fazendo-a mais subtil e penetrante, mais verdadeiramente real. Uma necessidade de ser fiéis e ainda servidores, dóceis a esses anseios do que é belo, nobre e puro. A alma é pura música e a sua voz é uma balada que, se a ouvimos e a ela obedecemos, nos impede de ser despedaçados pelos escolhos, nesta tempestade da vida material. Há aqui no poema um imperativo da vontade, uma ordem de não desfalecer, de se cairmos levantarmo-nos, de não desistir dos nossos Sonhos da Alma, nem deixá-los para trás, convertidos em autómatas; de não atrasar a sua execução, pois o fruto de uma oportunidade não aproveitada é a dor amarga e profunda. “Não precisamos de ir a voar” e sim ir semeando na terra, ir fertilizando-a com os nossos passos de generosidade e dação, de comunhão com o melhor que há em tudo. Há uma consciência, neste poema, de que o Ideal, os Sonhos da Alma se irão encontrar com obstáculos, pois isto é o natural, este é o seu selo de veracidade, a sua pedra de toque, “pois nem tudo são ilusões”, a própria natureza se despe da sua pele velha e espera pacientemente no inverno, para de novo oferecer as suas flores abertas.
Muito obrigado Rita, e muito obrigado Mariana por nos trazerem mensagens desse reino escondido, desse mundo de esperança renovada, de amor e beleza eternos, que justifica por si só cada um dos nossos actos. Pois tudo o que não está em harmonia de acordo com ele, é uma e outra vez devorado pelas fauces ávidas e escuras do tempo.