É um fruto próprio do fogo, próprio da esfera humana, que se cristaliza na mente e na sua forma especial de atuar: o pensamento. Através desta ação podemos unir e relacionar as coisas, entre si e connosco.
Nas profundezas do seu ser, onde raramente vive, o homem sente-se só e nota a necessidade imperativa de tomar contacto com as coisas que o rodeiam. Mas fá-lo como uma criança: toma contacto atraindo as coisas para si, procurando possuí-las, tocá-las, olhá-las fixamente… Os elos de ligação mais subtis que podemos ter para com o mundo e os seus objetos são, precisamente, estes elos mentais, que funcionam como ganchos que armadilham as coisas e as aproximam do “Eu”.
Quando “pensamos” um objeto, queremos conhecê-lo; conhecê-lo é capturá-lo e interiorizá-lo em nós. Mas não é fácil trabalhar com a mente, pois a sua natureza de fogo torna-a ágil, mutável e fugidia; não é a mesma coisa apanhar uma pedra ou um pensamento, e por isso, no mundo de Maya, é mais fácil definir os metais que aquelas coisas que circulam através do pensamento. É mais fácil atar com cordas que com ideias; é mais fácil aproximar-se de uma alta montanha que do próprio mundo interior.
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A maquinaria do pensamento trabalha com umas unidades especiais as que podemos chamar ideias. Estas vão e vêm, e no tear mental, tecem os seus fios procurando possuir cada vez mais.
As ideias vivem na nossa mente como os homens vivem sobre a Terra. Também elas se unem entre si, nos seus momentos de repouso, quando não necessitam trabalhar para o amo intelectual que as obriga a estender-se e recolher-se trazendo contínuo material de análise. Então, as ideias relacionam-se por afinidade, atraindo-se as semelhantes e rejeitando-se as opostas. Deste modo, nascem verdadeiras famílias de ideias, que tomam tanta mais força quanto mais e maiores são os seus constituintes.
Assim é que o pensamento nem sempre pode agir livremente no seu desejo de saber, já que tem que fazer frente a estas formações de ideias agrupadas, o que o obriga e o impulsiona a conhecer num determinado sentido. Por vezes, não sabemos o que queremos conhecer, mas o que a nossa corrente mental e as ideias associadas nos levam a saber.
Isto provoca uma degeneração do pensamento: o “ser pensado”. E o pior no caso é que, além de “ser pensado” pelas nossas famílias mentais, corremos o risco – sempre apoiado pelos jogos de Maya – de “ser pensado” pelas forças da Natureza, por outros homens, por outras mentes superiores e mais organizadas que as nossas.

Pensamento compartilhado, Alejandra Bravo. Creative Commons
Se seguirmos as forças da Natureza, seremos pensados mas, pelo menos, será saudavelmente, naturalmente. Se seguimos outras mentalidades mais fortes e positivas, o risco é benéfico; mas, se estas mentes alheias procuram o domínio dos fracos… ai daqueles que são pensados! Já nada autêntico ficará para eles e a sua vida será uma condenação a sucumbir em nome de uma mente escravizada.
Por isso é pouca toda a atenção que possamos prestar à forma como joga a nossa mente. É necessário conhecer as leis deste jogo, e poder intervir ali onde o pensamento está pronto a perecer. Se a lei das ideias é unir-se, procuremos juntar boas ideias, ideias fortes, positivas; se deixarmos as más ideias complementarem-se umas às outras, e que, por sua vez, continuem a relacionar-se com todo o material afim que existe no mundo exterior, perderemos a condição de seres humanos, de seres pensantes.
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Apesar das redes que Maya estende sobre nós, é prudente aprender a reconhecer as ideias que surgem autenticamente em nós – e não é necessário que sejam novas, mas sim novas em nós – das outras ideias que se colam a nós como a lama do caminho pelo qual se circula. Se a lama seca e endurece, essas ideias emprestadas, pré-feitas, incrustam-se na nossa mente e farão o mesmo dano que cada corpo estranho enxertado; se o enxerto é aceite pelo nosso organismo mental, tudo corre bem, mas se é rejeitado, podemos falar de um verdadeiro cancro mental.
Embora seja verdade que Maya joga com a matéria e a forma, o seu jogo tem vencedores, e os vencedores são os fortes. Uma mente forte joga com as ideias e vence, tornando-se dona do que possui; uma mente fraca perde o jogo e é subjugada pelas ideias invasoras…
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Assim como aprendemos a criar um bom ambiente físico onde viver, devemos saber que o pensamento e as ideias com que ele trabalha podem forjar um ambiente tão importante e impactante como o que esperamos com base em boas habitações, bons móveis, bonitos adornos, brilho e limpeza exterior.

Pensando, Hell9 at English Wikipedia. Creative Commons
Se estamos de acordo que um conjunto de bonitos objetos contribuem para um ambiente bonito e harmonioso, então tomemos consciência que um conjunto harmonioso de ideias cria um ambiente propício e agradável. Isso sucede tanto à volta de uma só pessoa como em grupos humanos que se reúnem compartilhando elementos comuns e benéficos. São os locais típicos onde, ao entrar, nos “sentimos bem” sem saber explicar claramente porquê. Da mesma forma, a acumulação de ideias nocivas gera uma auréola desagradável que provoca em nós o desejo de fugir para longe; nem sequer sabemos explicar o que é que nos desagrada, mas sabemos que há “algo” no ambiente, algo negativo, mau, contagiosamente mau…
Hoje, quando o mundo presta atenção plena ao controlo ecológico, à limpeza da Natureza, deveria aprender esse outro jogo que abarca não apenas os corpos, mas que pode chegar a limpar algo ainda mais importante que a matéria física: a matéria mental. Uma boa alimentação para o corpo e outra boa alimentação para as ideias; do conjunto nasce um homem saudável.
Como alimentar bem a mente? Como ajudar a sua saúde? Com um velho conselho de alguém que sabia como escapar à maioria das redes de Maya: pensar sempre de tal forma que se nos perguntassem sobre isso, poderíamos dizê-lo em voz alta sem corar.
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Planando a partir do mundo do pensamento, por cima das ideias comuns, estão os ideais, conceitos superiores que se referem a elevados planos do ser e a estados da Humanidade que são perfeitos para nós em comparação com os atuais. Já não se trata de lidar com os problemas de todos os dias, com as dores e alegrias habituais, mas agora são importantes os grandes porquês, os grandes “como”, o “para onde e desde onde”. Preocupam todos os homens e não só a pequenez de nossa vida individual; interessam as soluções gerais e não o poder estar bem sozinho.

Delia Steinberg Guzmán. Nueva Acrópolis
Estes ideais são os grandes motores, as forças que incentivam as boas ideias quotidianas, o recto pensamento; são a inspiração para os sentimentos mais nobres e para as ações mais justas.
Assim estamos perante homens que, ainda que não tenham escapado por completo aos jogos de Maya, compreendem esse jogo, conhecem as suas raízes e sabem para onde se dirige todo o conjunto vivo na sua evolução. São homens idealistas; conseguiram um estranho e maravilhoso milagre: vivem e sentem tal como pensam.
Delia Steinberg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole
Imagem de destaque: O pensador de Auguste Rodin, Carlos Delgado. Creative Commons