Estudar a mitologia e o simbolismo por trás do Mito de Osíris é entender o lugar natural do ser humano no Cosmos. Os mitos e ensinamentos arquetípicos fazem-nos refletir e ajudam-nos a explicar como agir no mundo manifestado, do qual falava Platão. Neste mundo, onde as coisas existem, não temos a capacidade de captar o bem ou o mal absolutos, mas podemos nos aproximar e nos afastar relativamente, tanto para um quanto para o outro. Neste mundo, ambos os extremos fazem parte da ilusão da Deusa Maia. E embora estejamos sempre entre os extremos, o filósofo procura descobrir o real neste mundo ilusório.
A sabedoria oculta no mito de Osíris permite aproximar-nos do sagrado, usando a inteligência para ver nas entrelinhas os seus ensinamentos. Através das personagens e seus simbolismos, é possível ligar-se com o atemporal, aqueles ensinamentos deixados por outras civilizações para nos mostrar a forma em que o ser humano deve estar ligado à natureza e assim começar a caminhar retamente.
O Mito de Osíris
Osíris, Seth e Hórus são alguns dos principais deuses do mito egípcio. Este relato simbólico conta que Osíris era amado pelo seu povo por causa da sua sabedoria e benevolência; as decisões que tomava beneficiavam a todos os seres vivos que habitavam a sua terra. Osíris ensinou aos humanos as artes da tecelagem, como fazer o pão, a agricultura e muito mais. Em parte por causa disto, se relacionou com a fertilidade. Fez florescer a vida naquelas terras, dirigindo o povo a unificar-se e a viver em harmonia com os ritmos naturais da vida.
O seu irmão Seth era uma divindade caótica, personificando o “mal” e o seu reino era o das terras secas. Enquanto que Osíris governava as férteis margens do rio Nilo, Seth situava-se no árido deserto que cercava o Egito. Por isso invejava o seu irmão que tinha um reino próspero e desejava usurpar o trono. Enfurecido, elaborou um plano para enganar Osíris e poder matá-lo. Osíris cai no engano do seu irmão, é despedaçado e morre, sendo os seus pedaços espalhados por todo o mundo. Antes da morte de Osíris e a sua posterior ressurreição nos céus, o seu filho Hórus, acompanhado de Ísis, sua mãe, é responsável pelo legado do Egito.
Hórus havia sobrevivido às ambições de Seth porque a prudente Ísis, assim que ele nasceu, o escondeu nos pântanos do Delta para que o mal não atingisse Hórus menino e, assim, permitir a continuidade do legado de Osíris. Já transformado num jovem forte, Hórus terá que enfrentar e vencer o seu tio Seth.
O Rei Leão, as personagens e seus simbolismos
O mito de Osíris, de que se fala detalhadamente num artigo anterior, pode ser relacionado, por meio de uma análise simbólica e eclética, com a história do Rei Leão, antiga lenda dos povos africanos, popularizada por Disney e, por sua vez, com os ciclos da natureza. Desta vez, em vez de se passar no Egito, o cenário será a selva e os protagonistas, em vez de deuses, serão diferentes animais, que representam qualidades humanas à maneira de fábulas.
Abordando agora a história do Rei Leão, é interessante apresentar as três personagens principais e os seus lugares na história. O Rei Leão, governante de um reino próspero e justo, era Mufasa. Ele tinha um irmão malvado, Scar, cujo reino eram as zonas próximas ao cemitério e a sua comitiva eram as hienas. Mufasa teve um filho chamado Simba que, no início da história, apenas era uma criança, mas o seu destino era manter o legado de seu pai.
Quando reinava Mufasa, a selva estava em equilíbrio e harmonia. Havia fertilidade, vitalidade e abundância, já que o rei se encarregava de ordenar com justiça a manutenção da paz entre todos os habitantes; desde os mais pequenos, como as formigas, até os maiores, como hipopótamos e elefantes, cada um sendo fundamental no papel que ocupavam. Por isso, simbolicamente e a partir de uma chave natural, é possível relacionar esta etapa da história com o verão, onde a luz se encontra no seu esplendor.
Mas, no meio da paz, também havia uma pequena escuridão, localizada no cemitério de elefantes, um lugar que estava nas mãos de Scar. Ali tudo era escasso e os animais que viviam no local vagavam sempre famintos, como as hienas.
A história desenrola-se e Scar, prisioneiro da inveja, monta uma armadilha e mata Mufasa. Além disso, faz com que o pequeno Simba, sentindo-se culpado pela morte do seu pai, fuja, deixando o trono vazio. Quando o pequeno leão foge, Scar é responsável por trazer a escuridão onde a luz reinava. Começa, simbolicamente, a preparar-se o inverno.
Quando Simba se afasta do seu reino, no momento em que o seu pai morre, é quando a escuridão vence a batalha contra a luz e a cada dia que Simba passa fora do reino, as trevas se fortalecem, a tal ponto que acaba a comida e já não há água porque a desordem causou seca e pobreza onde antes havia abundância.
Simba escapa e passa muito tempo sem voltar, mas regressa como um jovem forte, para recuperar o seu lugar legitimo como governador da selva e devolver a paz e a ordem que o reinado do seu tio Scar havia destruído.
Quando Simba decide voltar, enfrenta o seu tio, produzindo um equilíbrio entre as forças da luz e da escuridão, o que nos leva simbolicamente ao equinócio da primavera. No momento em que Simba vence o seu tio Scar, é quando a luz vence a noite; cada dia será um pouco mais longo até chegar, simbolicamente, ao solstício de verão.
Simba, apenas vitorioso, assumiu o legado de seu pai e começou a governar as suas terras com justiça. Fez renascer a vida da morte, fazendo florescer todos os dias as sementes que se encontravam ocultas na terra, guardando o segredo da vida.Considerações finais
No Egito, Simba, arquétipo simbólico de “O Filho”, pode ser visto representado por Hórus. Este jovem leão, na sua juventude, deverá enfrentar o seu tio Scar para se tornar rei; assim é no mito osiriano, quando Hórus enfrenta e derrota Seth, o deus burro, para vingar a morte de seu pai Osíris.
Assim, também ocorre na vida humana, de acordo com as tradições egípcias mais antigas e o filme da Disney. Cada um de nós, com seus defeitos e habilidades, tem a possibilidade de retornar ao seu reino interior, à acrópole individual, ao centro de si mesmo para levar uma vida em harmonia. Para alcançá-lo, nossas virtudes terão que enfrentar um combate com os defeitos e ao vencer, uma nova primavera renascerá no coração humano.
Álvaro Dómina e Franco P. Soffietti
Publicado em RevistAcrópolis. Revista digital de filosofía, cultura e voluntariado, Argentina, em 16-12-2022.
Imagem de destaque: Alguns membros da equipe de produção do filme viajaram para o Parque Nacional Hell’s Gate, no Quênia, para projetar uma paisagem mais realista para o filme. Creative Commons