“É preciso pensar que em todos os compostos existem muitas e variadas coisas, assim como sementes de todas as coisas, possuindo diversas formas, cores e sabores”
Como os meteoritos carbonáceos foram capazes de transportar componentes de vida para a Terra.
Atribui-se a Anaxágoras a ideia de que, a matéria da qual tudo o que existe se formou foi constituída por uma espécie de composição de minúsculas partículas bem como de que “todas as coisas foram encontradas no todo”.
Por isso, a teoria de panspermia buscou uma parte da sua fundamentação na ideia do filósofo pré-socrático, evidências dessa vida no planeta que habitamos para postular que a vida, presente em todo o universo, foi distribuída por ele através entre outras coisas, da poeira espacial, dos cometas e dos meteoritos, embora no momento só tenhamos evidências dessa vida no planeta que habitamos.
Alguns defensores da panspermia, como o cientista sueco Arrhenius (galardoado em 1903 com o Prémio Nobel da Química em 1903), também usaram, como Anaxágoras, o nome de “sementes” para ilustrar que a vida chegou à Terra a partir do espaço exterior.
Desde a Grécia antiga até aos nossos dias, foi necessário avançar na análise química dos objetos espaciais para descobrir que, em muitos deles, não só existe matéria inorgânica, mas também alguns dos elementos orgânicos considerados precursores da vida. Um desses objetos é o meteorito de Winchombe.
História de um pequeno asteroide
Em 28 de fevereiro de 2021, um impressionante carro cruzou o céu do Reino Unido e foi estatelar-se na cidade de Winchcombe. Os cientistas conseguiram recuperar, em estado praticamente puro e sem contaminação terrestre, pouco mais de meio quilo de material.
Após as primeiras análises, determinou-se que se tratava de um condrito carbonáceo, uma espécie de meteorito rochoso que não passou por processos de fusão e que contém água e compostos de carbono, incluindo aminoácidos; dado que contam com a maior proporção de compostos voláteis do que os encontrados noutros meteoritos, acredita-se que se formaram em locais mais distantes do Sol. A pesquisa realizada sobre condritos carbonáceos revelou caraterísticas muito esclarecedoras sobre o seu possível papel na origem da vida. Segundo um artigo de Josep M. Trigo-Rodriguez, cientista tutelado do Instituto de Ciência do Espaço de CSIC, «seus minerais são capazes de sintetizar, em solução aquosa e na presença de formamida, compostos orgânicos essenciais na química prebiótica. Tais propriedades catalíticas apontam para o papel fundamental de tais meteoritos na origem da vida no universo e para a possível ubiquidade da vida orgânica, incluso no nosso sistema planetário.
Sem dúvida, a chegada daquele asteroide carbonáceo a Winchcombe gerou enormes expetativas na comunidade científica, que, recentemente, deu a conhecer os resultados do seu estudo.
Por enquanto, acredita-se que o meteorito se formou há cerca de 4,6 mil milhões de anos, nos alvores do sistema solar, e levou cerca de 300.000 anos para completar a sua viagem até à Terra. Os componentes voláteis do meteorito de Winchcomb estão também presentes no sistema solar primitivo, e supõe-se um papel relevante na chegada de água ao nosso planeta, uma vez que a composição das moléculas de água que nele foram analisadas são muito similares às que foram encontradas na Terra. Segundo Ashley King, investigadora do Museu de História Natural do Reino Unido, «uma vez que a Terra provavelmente sofreu acreção seca, acreditamos que a sua água veio de asteroides ou cometas que se formaram nas regiões frias e exteriores do sistema solar. As composições semelhantes da água em Winchcombe e na Terra indicam que os asteroides carbonáceos desempenharam um papel importante no fornecimento da água».
Além da descoberta da água, o meteorito também revelou a presença de matéria orgânica com carbono e nitrogénio, incluindo aminoácidos, moléculas fundamentais para a formação da vida, portanto esta simples rocha contém no seu interior todos os ingredientes necessários para «pôr em marcha os oceanos e a vida na Terra», diz King.
Vídeo do impacto do meteorito:
E também para outros planetas
Evidentemente, este tipo de meteorito não bombardeou exclusivamente a Terra, mas muito provavelmente atingiu outros planetas do sistema solar, por isso acredita-se que todos os planetas do nosso sistema abrigaram água em algum momento do seu desenvolvimento.
Nesse sentido, cientistas como Ke Zhu e Martin Bizarro, do Instituto de Física do Globo de Paris, publicaram um trabalho no qual fornecem evidências de que a enorme contribuição de água para Marte poderá ter chegado através de condritos carbonáceos. Na verdade, a partir da análise de isótopos de cromo de diversas amostras de meteoritos de Marte, calculou-se que tivessem 10% de água, líquido suficiente teria chegado ao planeta vermelho para confirmar a existência de um oceano com cerca de uns 300 metros de profundidade. E, certamente, a quantidade de água que chegou a Marte foi suficiente para que isso tivesse ocorrido.
Fátima Gordillo Santiago
Publicado na Revista Esfinge em 1-12-2022
Bibliografia
Agência Sinc (artigo de Enrique Sacristán intitulado: “Los meteoritos carbonáceos pudieron llevar agua y materia prebiótica a la Tierra y Marte”).
National Geographic (artigo de Andrea Fischer intitulado: “El misterio de Winchcombe, el meteorito de 300.000 años que contiene todos los componentes para la vida”).
Tendencias 21 (artigo de Pablo Javier Piacente intitulado “Un meteorito de 4600 millones de años revela el origen de los océanos y la vida en la Tierra”).
Astromía (artigo intitulado: “Teoría de Panspermia”).
Fragmentos presocráticos. De Tales a Demócrito. Introducción, traducción y notas de Alberto Bernabé. (2008) Alianza Editorial. Madrid.
Revista Meteoritos (artigo de José García intitulado: “El meteorito Winchcombe”) ISSN 2605-2946.
Investigación y ciencia (artigo de Josep M. Trigo-Rodríguez intitulado: “ Las condritas carbonáceas: catalizadoras del origen de la vida”).
Wikipedia: Condritas carbonáceas.
Créditos de la imagen de portada: fragmento de 2 cm del meteorito Winchcombe /Trustees of the Natural History Museum, desde Agencia Sinc.
Imagem de destaque: Fragmento do meteorito Winchcombe. Creative Commons