Era uma vez uma criança muito séria, tão séria que sentia uma profunda pena das outras crianças que passavam os seus dias a brincar. Esta criança tinha notado que as bonecas, carrinhos, máscaras e outros brinquedos não tinham realidade e valor para os adultos. E assim, ele não quis ser menos e decidiu dispensar estes enganos.
Enquanto todas as crianças brincavam, esta da nossa história permaneceu solitária e isolada, sofrendo à vista dos seus pobres companheiros, que estavam a desfrutar de passeios e aventuras imaginárias. A criança solitária tentou procurar consolo na leitura, mas logo viu que os livros também estavam cheios de fantasias e histórias que nem sempre eram verdadeiras. A criança, então, voltou-se para a contemplação da Natureza, e descobriu com espanto que a Natureza também brincava… e enganava com luzes e cores, com formas e perfumes…
A criança precisava de uma explicação, e virou-se para os seus outros companheiros, os que jogavam:
– Por que jogam? Não vêm que todos os vossos brinquedos são mentiras, que não vos servem de nada na vida real?
– Nós jogamos a ser homens grandes.
– Mas os vossos carros não são como os carros de homens grandes… não andam nas ruas… E as vossas bonecas não são como crianças de verdade.
– Isso já sabemos. Mas enquanto estamos a usar estes carros pequenos e estas bonecas pequenas, estamos a praticar o que faremos quando formos homens e mulheres adultos. Então não teremos medo nem das crianças que tivermos nem dos carros que tivermos de conduzir.
– Então sabem que estão a jogar com ilusões?
– Claro que sabemos, mas não pensamos sobre isso. Se nos lembrássemos a cada momento que os nossos brinquedos são imitações, não seríamos capazes de brincar. E precisamos de brincar, precisamos de ensaiar o que realmente vamos fazer amanhã. É por isso que nos envolvemos no nosso jogo e desfrutamos dele como uma realidade.
O rapaz solitário recuou nos seus passos, e compreendeu a razão da sua tristeza eterna. Nem sempre dá felicidade conhecer todas as verdades, nem tê-las continuamente presentes.

Menino. Pixnio
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Era uma vez um homem a quem todos chamavam “filósofo”. Ele não era como os outros, não se importava com as mesmas coisas e, pelo contrário, sentia um grande desprezo pelas preocupações diárias dos seres humanos “normais”. O filósofo sabia coisas sobre a vida e a morte, sobre o bem e o mal, sobre o destino e as suas leis, e não queria misturar-se com as vaidades do mundo.
Enquanto todos os humanos corriam de um lado para o outro como pequenas formigas laboriosas, o nosso filósofo permanecia separado, meditativo e solitário, não confiando nos sentimentos, pensamentos ou intenções de ninguém.
Olhava os outros a agir com um sorriso de ironia. Como não percebiam que estavam a participar no grande jogo da vida? Como não percebiam que todos os seus esforços eram inúteis, uma vez que o destino da Humanidade já estava traçado nas esferas? Como podiam sofrer e rir, ansiar e desejar, sem perceber que nada merecia riso ou lágrimas, desejo ou ânsia?
Para o “filósofo”, comer era uma tortura; dormir, uma necessidade do seu corpo; amar, apenas falta de maturidade e de autossuficiência; ler, uma vaidade; agir, algo desnecessário. Sofrer… algo que ele não podia evitar mesmo com toda a sua filosofia. E isso tornava-o terrivelmente parecido com os outros.
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Maya e os seus jogos constituem também uma lei da vida. Uma coisa é conhecer as suas armadilhas, e outra bem diferente é querer fugir delas. Conhecer o jogo de Maya é adquirir a consciência humana. Fugir dos jogos de Maya é ser muito mais do que um simples filósofo: é ter chegado a Deus, é ter superado a etapa do humano e das suas necessidades.

Maya, Museu Guimet. Domínio Público
Enquanto existirmos neste momento de evolução, Maya será a nossa companheira inseparável. Ela não só tenta enganar-nos, mas também embelezar com véus e sorrisos as duras experiências pelas quais todos nós devemos passar, se queremos realmente superar-nos. Há em Maya mais piedade do que maldade, mais desejo de ajudar do que de magoar. E há também no ser humano a capacidade de notar e agradecer este esforço da Natureza para tornar mais amável a nossa vida na terra.
Jogar, sem esquecer que o estamos a fazer: este é o segredo. Para nos prepararmos para quando “formos grandes”, para quando já não precisarmos de brinquedos ou apoio para desenvolver-nos na existência. Mas, entretanto, aceitemos a nossa condição de crianças e tentemos crescer. Com Maya ao nosso lado, com os seus jogos e esconderijos, os seus encantos e as suas armadilhas, com o sabor que faz com que a vida passe rapidamente e uma nova experiência importante seja acrescentada ao nosso saber. O conhecimento retira a maldade e a fealdade das coisas. Com conhecimento, os jogos de Maya são o sal da vida.
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Ao escrever isto, lembro-me que, quando era uma menina, sobrecarregada pelas imposições do comportamento diário, pensava mais de uma vez que toda a vida era um grande jogo, uma grande peça de teatro, uma grande representação no palco da existência. Depois, apreciava cada um dos meus atos, imaginando que eu era a atriz e que tinha de representar o meu papel o melhor possível, uma vez que milhares de olhos estavam a observar-me. E eu brincava a atuar, cuidando da minha roupa e dos meus gestos, da minha aparência e dos meus movimentos.
Quando era adolescente, deitei por terra a ilusão do teatro e do palco… A vida era coisa demasiado séria e importante para estar a brincar a representá-la.
E agora, regresso aos princípios que alentaram a minha infância. Isto é tudo um grande jogo. Maya, os seus brinquedos, todos os homens e eu somos os atores. A vida é o cenário. Quando a cortina cair, quando as luzes se apagarem, esta forma de atuação terá cessado e abrir-se-ão as portas de um novo mistério. E não tenho a certeza de que Maya não estará lá também, nas sombras das cortinas, a esperar-nos com novos brinquedos para viver nesse outro mundo novo.

Teatro. Creative Commons
Delia Steinerg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya