A Literatura tem um papel importante no desenvolvimento do Ser Humano, pela ponte que consegue estabelecer em cada leitor, despertando em si uma nova perspetiva, é também uma oportunidade de desenvolvermos o nosso lado crítico, analítico, de introspeção e ainda se a nossa imaginação nos permitir, voarmos numa conversa em privado com o escritor, e que nesse mesmo diálogo com as suas ideias, nos vai ampliando as questões e reflexões do nosso Ser interior.

A pena do Mestre toca-nos em cada ensaio escrito, de uma forma simples e direta faz-nos imergir sobre nós mesmos, e nesse embrenhar da nossa própria teia é importante o estado de consciência ativo, para que sejam rompidas as vestes que apodrecem, sem que seja tocada a verdadeira beleza da essência da alma Humana.

Nesta obra iremos sentir o toque do verdadeiro mestre, que nos guia subtilmente, mas firme em cada palavra que se faz sentir como um maestro no verdadeiro sentido da vida.

O Interesse Humano é uma obra de um grande pensador indiano, que não foi somente um pensador, foi ensaísta, escritor, filosofo, teósofo, Nilakanta Sri Ram, mais conhecido por Sri Ram.

Relativamente a Sri Ram não irei aprofundar muito sobre a sua biografia, mas de importância salientar, que nasceu em 1889 em Thanjavur e faleceu em 1973 em Adyar na Índia.

Embora toda a sua vida tenha sido dedicada ao serviço em prol da Humanidade, destaca-se pela sua forma, simples, discreta, contentava-se em trabalhar em segundo plano, sempre muito gentil na sua forma de Ser e de estar.

Poderei ainda acrescentar que esteve presente na elaboração do Projeto de Lei da Comunidade Indiana apresentado ao parlamento britânico na década de 1920.

Foi o 5º Presidente da Sociedade Teosófica, onde dedicou mais de 20 anos de serviço a um ideal, sempre com um espírito de Humanidade, serviço de uma gentileza única, mas de uma firme liderança.

O seu maior esforço foi destacar a Natureza da Teosofia como sabedoria transformadora, e não apenas como uma explicação dos processos que se desenvolvem no Ser Humano, na Natureza e no Universo.

Constatamos que em todas as suas obras, o tema latente é que a verdade central da Teosofia é que existe uma unidade por detrás de toda a diversidade.

A obra O Interesse Humano tem como importante mensagem o Ser Humano e os seus múltiplos labirintos, no qual muitas vezes mergulhamos perdendo o sentido da vida. Como profundo conhecedor da Alma Humana, Sri Ram desenvolve uma visão muito particular sobre o movimento ascendente em relação a nós próprios.

Sri Ram inspirado por Plotino, expõe nesta obra de forma sensível o movimento da Alma dividida entre os dois Amores do Ser Humano.

O Amor puro verdadeiro de Vénus Urânia a filha de Zeus, da Inteligência Pura (AMOR FRATERNO).

É a Alma Divina, a nossa própria alma que se extasia na contemplação do primeiro Ser.

O outro amor é Vénus Pandemos que, não podendo apreciar a Beleza arquetípica, enamora-se do seu esplendor que brilha sobre as coisas sensíveis (AMOR TERRENO). Mas não compreende que esses amores são efémeros, pois para chegar ao Belo é necessário abandonar as múltiplas belezas.

O nascimento de Vénus, Alexandre Cabanel (1863). Domínio Público

Na verdade, o Homem move-se pelo Dever e pelo Desejo, nesse conflito interior que cada um de nós, assim como Arjuna, nos debatemos até encontrarmos o nosso verdadeiro mestre interior.

Sendo esta obra, uma obra de reflexão do Ser Humano e ao que lhe é inerente, seria interessante ter em conta três conceitos que nos ajudam ampliar a ideia de Sri Ram sobre o tema.

Os três conceitos são:

Teosofia – que provém do Grego Theosophia composta por duas palavras (Theos – Deus-Deuses ou Divino) + Sophia (Sabedoria) – Significa a Sabedoria dos Deuses ou das coisas divinas.

Interesse – Palavra deriva do latim interesse com o sentido de estar entre, de estar presente, ser de importância, fazer a diferença.

Humano – é uma palavra com origem no latim Humanus e designa o que é relativo ao Homem como espécie.

Nesta obra veremos retratada a importância de fazer a diferença no que é relativo ao Homem, no conhecimento da sabedoria das coisas divinas.

Sri Ram sobre o seu olhar, traz-nos à luz a importância de o Homem ter sempre presente, que apesar de vivermos no mundo dual, não se pode esquecer de Ser Humano, e que todas as suas ações, todas as suas experiências são importantes para a evolução da sua condição como ser um verdadeiro SER Humano.

Vemos que a complexidade da sociedade atual é tão grande, que o Homem não se reconhece na sua verdadeira essência, e vemos cada vez mais pessoas à procura de um caminho…

O Ser Humano na sua condição de indivíduo encontra-se cada vez mais sozinho, perdido e insignificante neste mundo, onde a tecnologia, as telecomunicações e a mobilidade nunca estiveram tão facilitadas.

Caso para dizer: Homem tens tudo, do que te queixas?…

Ter, o Homem tem-se perdido imenso nesta teia complexa e aceitável, de consumismo assoberbado da sociedade moderna, e é nesta ideia do vazio do Ser Humano, da procura incessante de um caminho, que esta obra nos guia.

São nestas primeiras páginas do livro que Sri Ram nos descreve o interesse humano e a sociedade, com os seus múltiplos problemas que subjugam o Homem a sua condição atual.

Todos os temas retratados tocam as fragilidades do Ser Humano, apesar de Sri Ram ter uma escrita simples, sensível, e é muito direta quanto à causa, sem nunca deixar de apontar um caminho.

Poderíamos assim dizer, que o Homem se encontra no auge da sua evolução, tem tudo o que lhe satisfaz as suas necessidades, uns porque tem acesso a elas, outros por que as sonham ter, e aí constroem uma vida, e neste mundo do ter, o Homem nunca esteve tão só e tão perdido no labirinto de coisas que ele próprio criou para satisfazer os seus interesses, não passa de um interesse humano egoísta e vazio da sua verdadeira essência.

O homem está rendido à matéria, às coisas que possui, perdido nas grandes correntes de opinião, na qual se fundiu a sua individualidade e o verdadeiro interesse humano, esse fica esquecido e afunda-se nas profundezas de si mesmo.

Podemos utilizar como exemplo, o esquema muito simples dos três mundos de Platão que são o Soma, a Psiké e o Nous, estes três mundos estão dentro do Ser Humano, mas o mundo Soma não consegue tocar o mundo Nous, o mundo espiritual se estiver desconectado com sua essência, o Homem que estiver demasiado preso à matéria, torna-se pesado para se elevar ao mundo divino, e a Psiké fica demasiado débil para conseguir fazer a ponte entre os dois mundos do profano e do sagrado.

Para que o Homem encontre o significado verdadeiro do interesse humano é necessário que evidencie uma capacidade de autoconhecimento, de uma busca interior que se revela necessária e urgente, para que o verdadeiro interesse humano se sobreponha ao mundo volátil das emoções e sensações, pelo qual o individuo se move, vemos que a sua atenção está condicionada a um retorno ou reconhecimento.

Estará assim o Homem a cumprir com o seu verdadeiro papel no interesse humano?

Olhamos a Natureza, a sua manifestação é plena de atuação sem espera de retorno de uma forma simples sem se impor, cada coisa está no seu lugar, respeita a sua condição e exerce o seu papel.

O Homem sente que está acima desta Natureza, esquece que faz parte dela e dela necessita para sobreviver, o seu estado de consciência mantém-se preso à matéria densa, mas vazia de valores e que muitas vezes a importância de se fazer ouvir, é acercar-se do seu ponto de vista, como se fosse uma tabua de salvação para si mesmo, do seu mundo.

Vista do lago Bow, no parque nacional Banff do Canadá, Florian Fuchs. Creative Commons

Para que se diminua este egoísmo, para que o Ser Humano consiga subir um degrau que seja na sua evolução como Ser Humano, Sri Ram diz que é importante que o Ser Humano exerça uma ação sobre si mesmo.

Falamos então da Reta Ação:

Segundo Sri Ram o mais elevado tipo de ação é a ação que é direta e instantânea. Mas antes de podermos atingir um tal grau de poder, devemos purificarmo-nos como instrumentos que se afinam nas cordas da vida.

Devemos começar com uma ação pura, sem qualquer desejo ou benefício pessoal.

Mas estando o Ser Humano tão aprisionado ao seu pequeno mundo, a subida deste degrau torna-se muitas vezes difícil, mas não impossível.

Pois quando o vazio da ação se reflete, o Ser Humano tem necessidade de busca interior, esse despertar do divino, essa procura que o Ser Humano busca, traduz-se na mudança.

Essa mudança implica um olhar mais atento do Ser Humano para si mesmo, mas não de uma forma egoísta, olha para si reconhecendo as suas falhas, as suas faltas, o que petrifica na densidade sem que consiga sair da inércia, quais os caprichos que ainda não é capaz de ceder e a atenção sempre que o véu se levanta e nos vemos mais despidos das camadas e das máscaras que nos servem, mais difícil se torna, mas o importante é haver este movimento consciente do Ser Humano, que em cada experiência consiga evoluir na aprendizagem na sua condição de Humano.

Mais uma vez a Natureza tem um papel como magistral nestes ensinamentos, o despertar de consciência numa busca de um sentido que implica movimento, e vemos que para sair das sombras, procuramos luz, que a noite e o dia se fazem em comunhão e que ambos são importantes e tem um papel vital no Ser Humano, e o quanto somos influenciados por este movimento dentro de nós mesmos… quantas vezes nos vemos na escuridão de nós mesmos, procurando ter um sentido mais elevado…mais em conexão com a nossa essência que é tão nossa e a ocultamos em prol de estarmos em comunhão com quem nos rodeia, e pelo medo da aceitação, deixamo-nos cair sobre nós mesmos, sem sermos capazes de fazer uma reflexão ou tomar uma atitude que se reflita como espelho da nossa verdadeira essência.

Esta procura do Ser Humano sobre si mesmo reflete-se muitas vezes na busca da verdade, e o que é a Verdade?

Sri Ram tem também uma reflexão sobre este tema que é interessante analisar.

Ele questiona o que é a verdade?

Será meramente o que é conhecido como falando a verdade? É evitar o fingimento, honestidade absoluta consigo próprio e com os outros?

Estará ela no seguir uma linha de ação que se concebe como sendo a correta, independentemente das consequências para si próprio?

Quando uma pessoa diz a verdade, expressa-se como ela é, e parece como é, então sem sombra de dúvidas, ela é verdadeira em ação e verdadeira consigo mesma. Isto é, fazer o que é o outro lado do Ser, há uma harmonia, uma sinceridade consigo mesma. A sua ação reflete a sua verdade.

O que acontece muitas vezes é que o Ser humano perdido sobre si mesmo vai em busca da aprendizagem agregando para si verdades que não são as suas e mesmo que as suas palavras transmitam uma verdade, a mesma cai por terra, quando não é genuína e não traduz em ação a verdade apregoada…

Também aqui é necessária atenção, pois existe uma verdade em cada coisa e essa é a verdade do seu Ser, pode não ser a mesma como o que parece ser ou mesmo o que parece fazer. É esta verdade em nós próprios que primeiramente temos que descobrir antes que possamos ver a verdade nos outros.

É fundamental que o Homem se desenvolva em virtudes e valores e será um princípio, pois toda a virtude é uma forma de verdade.

Esta virtude é a que a Alma deseja alcançar nesta subida em comunhão com espírito. (Nous)

O Ser Humano nasce como uma pequena gota de água, que no seu curso de vida vai correndo como um rio numa direção, muitas vezes inquieto, as águas são por vezes agitadas, mas esse movimente cria águas mais fluidas que conseguem contornar sem questionar todos os obstáculos, outras vezes fica mais lento, parece que se lhe faltam as forças deixa-se somente deslizar, outras há ainda que cansado por inércia vira pântano, deixa-se ficar turvo, parado como que a remoer as suas angústias, acabando por ficar seco sobre si mesmo, até que venha uma enxurrada e o faça despertar para o seu verdadeiro sentido de chegar ao mar….

Tudo isto somos nós mesmos, no fluir há conhecimento, há experiência, há uma expansão da nossa consciência que nos ajuda no caminho da vida, do encontro com o nosso verdadeiro prepósito.

Quando negamos o caminho da nossa evolução e perdemos o interesse pelo que é próprio ao Ser Humano, pela busca da sua verdadeira essência, tornamo-nos também nos pântanos e sem vida.

Neste livro podemos encontrar também um olhar de Sri Ram sobre o Homem e o Universo, e diz-nos enquanto a inteligência não estiver plenamente desperta, a consciência Humana estiver sob as leis da mecânica, o Homem será ignorante, ele usa a sua mente para satisfazer uma necessidade grosseira. Então entra em conflito com o Universo.

Galáxia do Sombrero. Domínio Público

Mas quando compreende o relacionamento que jaz na unidade do espírito residente, a coisa torna-se um relacionamento de Harmonia e revela valores da Unidade. O Homem torna-se cooperador da Natureza e o seu livre-arbítrio torna-se uma força para a evolução.

Torna-se assim um Deus perfeito em virtude, conhecimento e ação. Ele auxilia pelas forças liberadas do centro espiritual em si.

É impossível ficar indiferente à forma como Sri Ram analisa o Ser Humano, como um todo e em todas as formas em particular, como através das várias reflexões e ensaios retratados neste livro, e de uma escrita simples que nos fala de assuntos tão complexos, e nos faz sentir que estamos ainda num caminho longo a percorrer, que apesar da Humanidade ter avançado tecnologicamente, se tem empobrecido na sua essência, e de tudo a que a eleva, e um sentido maior sobre si mesma.

Percebemos que os valores só atingem a sua magnitude no Ser Humano quando os mesmos passam a ser considerados nas situações que consciente ou inconscientemente vivenciamos, e quando o Ser Humano tem a capacidade de fazer a sua autoanálise, é aí que começa a desenvolver uma forma de vida mais inteligente.

O Ser Humano na era atual em que vivemos, procura cada vez mais corações com valores, manifestando uma grande necessidade que a sociedade desperte neste resgate e reconstrução de valores.

Esta necessidade pode estar também ligada ao facto, de ainda existir no coletivo, a vibração de termos vivido duas Guerras Mundiais e o perigo iminente de uma nova catástrofe, pois atualmente existem já países em muito sofrimento… Esta perda da liberdade, do respeito pela lei, pelo dever, pela lealdade, gentileza, beleza, justiça… acabam por ser entre outros valores, muitos outros valores prezados pelo Homem, um grande temor, mas para que os mesmos sejam resgatados, tem que existir um verdadeiro HOMEM JU, onde o esforço do rito da sacralização de cada valor, seja o esforço que cada indivíduo deposita em cada um deles para o bem comum.

É importante salientar que uma sociedade influenciada pelos arquétipos do Bom, do Belo do Justo e do Verdadeiro darão uma maior verticalidade ao Ser Humano e a uma orientação maior à Humanidade.

Consideramos assim que o interesse humano é uma forma de olharmos para nós mesmos com um sentido de despertar e ampliar o nosso estado de consciência, e de não ficar encurralado na força da matéria, do profano, do primitivo.

Termino esta viagem sobre o Interesse Humano com um parágrafo sobre a reflexão, A totalidade da Verdade.

A Verdade, neste sentido de verdade da vida que está em toda a parte, de sua infinita beleza, flui somente para o interior de um coração que esteja completamente aberto e preparado para a sua receção. Assim como a natureza de todo o oceano está refletida numa simples gota de sua água, similarmente a totalidade da vida – incluindo todas as suas expressões, toda sua beleza, toda sua inteligência, todos os seus movimentos – é capaz de ser refletida no coração de um ser individual quando esse coração estiver totalmente puro, aberto e nada busque para si.

O Interesse Humano. Ed. Teosófica

O Homem na sua condição de Ser Humano, deve ter um olhar constante para si mesmo, para a sua vida interior, para a sua evolução, não deve descartar as suas responsabilidades, e assumir o seu verdadeiro papel de Ser Humano, deixar um gesto, uma palavra, uma pegada na sua passagem pela vida, pela sua existência.

Ainda que o caminho se faça longo, as quedas surgirão ainda mais violentas e profundas, mas que não se perca a esperança na fé divina, da luz que está em cada uma de nós, que mesmo sendo pequenos pontos de luz na escuridão, somos verdadeiras estrelas de amor.

Lídia Susana Martins Pinto
(Artigo desenvolvido com base no Livro O Interesse Humano, de Sri Ram)

Imagem destaque: N. Sri Ram e família em 1953. Theosophy Wiki.