De entre todos os seres vivos é o homem, certamente, o mais irrequieto. Consome a vida em perpétuas pesquisas e nunca se conserva por muito tempo satisfeito. O animal tem diversas necessidades primaciais: procurar alimentar-se, defender-se de ser devorado, e, em determinada época, obedecer à lei, que o manda reproduzir-se. Assim, o animal vagueia, sempre alerta, para se defender ou para pugnar pelas exigências dos seus instintos. Mas o homem acrescentou a esta vida complexa do animal a posse de uma mentalidade; ele concebe e executa por processos desconhecidos ao animal. E ao planear as futuras satisfações descobre, como um novo elemento, que faz parte de um ambiente, de um esquema que ele não construiu e do qual não é senhor. Então, o homem esforça-se por compreender. O animal nem sequer o tenta; vive para o momento e aceita o sofrimento ou o prazer, conforme se lhe apresentam. Também o homem é constrangido a aceitar a dor ou prazer, como se lhe apresentam, mas pergunta: “porquê?”. É este eterno porquê, erguendo-se a cada passo no mais íntimo do ser humano, que constitui alternadamente a sua tragédia e a sua glória.
Esta ânsia permanente de satisfação tem sido estudada por filósofos do Oriente e só muito recentemente foi descoberta pela psicologia ocidental. A análise psicológica chama-lhe libido, paixão, desejo; Buda chamou-lhe Tanha, sede de Vida. Analisando este libido ou anseio, que parece encontrar-se na raiz de todas as coisas sensíveis, a moderna psicanálise encontra dois elementos; um é o da natureza erótica e impele o individuo para as várias formas de satisfação dos impulsos do sexo; o outro induz o ser humano a reagir contra um ambiente que o enclausura num sentimento de inferioridade, estes dois elementos são bem conhecidos tanto na filosofia Hindu como na Budista; e são respetivamente denominados Kama e Artha
O elemento Kama, ou desejo, impele-nos permanentemente de uma forma de satisfação para a outra; das excitações grosseiras e sensuais do bruto, passamos, através de sucessivas gradações de refinamento, para as mais elevadas e puras expressões dos sentidos. Onde quer que em nós existe Kama e não seja possível dar-lhe livre expressão, surge em nós um conflito e sentimo-nos infelizes porque não encontramos a satisfação dos nossos desejos. Se a necessidade de satisfação for de natureza puramente erótica, ou mesmo dependa de qualquer coisa mais estética e mais artística, a vida impõe-nos uma luta; e enquanto Kama ou desejo atuar em nós como Tanha ou sede, a vida deve continuar a ser feliz.
O segundo elemento, chamado Artha, refere-se ao desejo indomável, que cada um de nós sente, de se impor e dominar. A palavra Artha significa “coisas”, objetos e portanto, posse. A principal expressão de posse, que nos permite sobrepor a nossa individualidade à dos outros é a riqueza; a riqueza conduz ao poder, é a via para a conquista de títulos e honrarias; o rico não carece de longos conflitos no seu foro para forçar a personalidade dos outros a ceder-lhe o passo.
Mas há um terceiro elemento no líbido que ainda não foi descoberto pela psicanálise, mas que já foi explicado pela filosofia Hindu, onde é chamado Moksha, ou ânsia de libertação. Este sentimento surge apenas quando o homem conseguiu subjugar os dois precedentes desejos – a satisfação dos sentidos e o domínio sobre os outros homens. Aquele que, tendo provado Kama o achou amargo, que tendo estreitado Artha em seus braços o achou ilusório, encontra-se agora mergulhado num terceiro conflito, que é Moksha, a Libertação.
É neste terceiro estágio que o homem se esforça por compreender e não pode satisfazer-se com as vagas e nevoentas conceções dos outros. Não há dúvida que, no presente estágio da evolução humana, bem poucos, na verdade, atingiram o grau em que se luta pela Libertação. A vasta maioria da humanidade encontra ainda suficiente satisfação em Artha e Kama, nas posses e satisfações, que o mundo lhes fornece. Enquanto o corpo físico é jovem e forte, apto a todos os gozos, nada é tão agradável como adorná-lo, nutri-lo e proporcionar-lhe deleitosas sensações. Enquanto o espírito não pode mostrar a própria superioridade sobre os outros, senão mediante os objetos materiais, é sem dúvida agradável ostentar a posse de terras e de títulos e gozar o respeito dos nossos rivais pelo que nós temos e eles não possuem. Enquanto a série das nossas experiências de conserva restrita, o único modo de gozar o prazer da supremacia consiste em dar caça ao animal bravio, contrapondo-lhe a nossa força e a nossa destreza em várias formas de desporto – inocentes como na atlética ou nocivas como na caça, na pesca, e noutras que implicam necessariamente o sofrimento dos seres vivos, para a satisfação dos nossos apetites. Consumindo a maior parte do seu tempo em negócios e especulações lucrativas, em amores puros e impuros, em requintes de vestuário e reuniões frívolas com amigos ou admiradores, evitando sempre, cuidadosamente, defrontar a luz plena da verdade, acerca das coisas, num contínuo jogo de escondidas com a realidade, eis como vai arrastando a vida, a maioria dos que nos rodeiam. Para esses, bastam as singelas verdades religiosas fixadas pelas grandes religiões, que procuram resguardar essas almas infantis do prejuízo que a si próprias causariam, violando caprichosamente a grande Lei do Bem. E, como as crianças que nós sossegamos com bombons, assim essas jovens almas são lentamente afastadas de Artha e Kama, mediante promessas de recompensas celestes. Mas para essas almas infantis, não é ainda chegado o momento do grande conflito espiritual de Moksha, aquela verdadeira batalha pela Libertação, que, pela primeira vez, revela à alma a sabedoria, a força e o amor que nela existem.
Há hoje na humanidade uma pequena minoria, que já não cuida de procurar Artha nem Kama, mesmo da espécie mais elevada. Reconhecem que a vida pode, sem dúvida, tornar-se mais agradável com os requintes que um meio culto proporciona; mas as artes e as ciências, a terna afeição de amigos e camaradas, o hábito de procurar em sociedade a maneira de aliviar o tédio da vida, são coisas que já não podem seduzi-los. Nada disso os atrai agora, por uma simples razão, e é que qualquer coisa mais atraente ainda lhes veio encher o horizonte, – essa nova aspiração chamada Moksha, o desejo da Libertação.
Quando este desejo surge, o homem sente imperiosamente a necessidade de compreender. Só depois de procurar compreender se lhe torna possível acreditar. Essa compreensão pode alcançá-la por meio do seu espírito de raciocínio, que examina facto após facto, ou pode vir como resultado de intuições, que surgem das profundidades da sua própria natureza. Mas a alma, neste estágio, não pode suportar nenhuma trégua com as sombras nem satisfazer-se com os simples rótulos das coisas; precisa de conhecer a própria Essência da verdade, por minúsculo que seja o fragmento, que possa atingir. Para as almas que estão lutando por Libertação e que insistem em desvendar o mistério da sua própria natureza, a Teosofia surge com uma luz maravilhosa. Deixai-me descrever qual é a mensagem da Teosofia àquelas almas que buscam de preferência, não a felicidade, mas a Libertação.
A Teosofia proclama a existência duma grande alegria na vida, aliada ao mais alto sentido de liberdade, mas esta alegria provem, não de receber, mas de dar. A ânsia da compreensão e da liberdade, que nos agita, pode ser plenamente satisfeita: esperamos uma Sabedoria e uma Liberdade que ultrapassam todos os sonhos da nossa mais exaltada imaginação. Mas, para as atingir, devemos assenhorear-nos de certos factos fundamentais. É certo que, em princípio, não nos é possível assegurar que tais factos são verdadeiros; apenas podemos, por agora, aceitá-los como hipóteses. Mas devem ser cuidadosamente considerados como tal e testemunhados, até onde o nosso testemunho possa alcançar, por determinadas experiências, que temos levado a efeito. Não devem, porém, impacientar-se aqueles que só lentamente podem realizar a própria verificação. Roma não se fez num dia; não devemos portanto presumir que a cidadela do céu possa ser conquistada ao primeiro assalto. Se a Verdade fosse tão fácil de atingir que a encontrássemos à primeira tentativa, dificilmente seria uma grande e maravilhosa verdade. Se desejamos compreender, devemos ter a paciência do alpinista que se impôs alcançar o pícaro do serro, que descortina e atrai, sem se sentir jamais desconcentrado pelos repetidos insucessos.
Uma das grandes verdades que a Teosofia nos ensina é que devemos tornar-nos criadores. O homem não foi feito para gozar nem mesmo a bem-aventurança do céu, na presença de Deus. A sua função primordial é a de agente transformador. Cumpre-lhe transformar o meio ambiente, tudo que o rodeia, e finalmente transformar-se a si próprio. Este universo, de que o homem é minúscula parcela, está impregnado de idealismo; como um diamante bruto, extraído da terra, reclama ser facetado e engastado num anel para adornar uma mão gentil, assim o universo insiste na sua continua transformação, à medida que os ciclos se vão passando. Também o universo tem o seu libido, a sua aspiração. A Divindade que o criou, a Eterna Lei que decretou, que do Caos emergisse um Cosmos, estas causas primárias implantaram no universo um princípio de transformação.
A nossa alegria na vida começa no momento em que compreendemos que devemos ser os agentes de transformação decretada para o universo. Que um homem vislumbre apenas que detrás de todas as coisas existe um plano racional de evolução, e não mais vacilará quanto ao seu objetivo. É este plano racional de evolução que a Teosofia revela ao nosso espírito. Mineral e planta, animal e homem, raças e religiões, ciências, artes e filosofias, tudo isto deve progressivamente transformar-se de modo que, pouco a pouco, uma fração maior de beleza oculta no universo, possa ser revelada.
Tenho, quanto possível, evitado mencionar uma verdade que, para alguns, pode parecer mais vitalmente importante. É a verdade que diz respeito à própria natureza humana. Subsiste o homem depois da Morte? Conservará a sua memória? Será feliz ou infeliz? Eu sei que tais perguntas afloram ao espírito ocidental, muito antes das que se referem aos fins últimos do universo. A Teologia cristã tem ameaçado tanto a humanidade com o terror do além-túmulo, que, como uma criança aterrada, que se recusa a acreditar em ameaças futuras, a média dos cristãos parece pouco convencida de que exista, de facto, alguma vida além do túmulo. Sobretudo a nefasta superstição de que o corpo físico é necessário à vida eterna da alma, não só enche os cemitérios cristãos de cadáveres em decomposição, mas, o que é pior, acorrenta de um modo permanente e subtil, àquele corpo que apodrece, sob a terra, a alma, que se diz adormecida dentro dele. Tal superstição tem algemado o espírito ocidental com uma grilheta que só porventura o Oriental sabe plenamente ver. A maioria dos povos orientais e mais particularmente a todos os que pertencem ao elemento culto do Hinduísmo e do Budismo, o que mais os preocupa não é a Morte, mas a Vida. O mesmo se dava com Platão, que podia compreender claramente a vida dos mundos espirituais, mas achava dificuldade em conceber a existência da vida material.
Sobre este assunto a Teosofia fala com voz que não hesita. O homem é imortal porque é um fragmento da Divindade. Aquele Ego, a íntima individualidade, que se manifesta através dos pensamentos, dos sentimentos e das ações de cada ser humano, aquele centro de consciência, que anima o homem a afirmar: “Eu, sou eu”, não sofre nenhuma diminuição com a morte do corpo. Todos os pensamentos, todos os afetos, todas as recordações, por outras palavras, o carácter completo, permanece depois da morte, perfeitamente o que era antes. A única limitação é que aquele carácter, aquele Ego, não pode fazer com que os lábios se abram para falar, nem que as mãos se movam para agir. O coração parou de bater; fechou-se o interruptor, que mantinha em movimento o dínamo, mas a eletricidade existe ainda e de novo estará à nossa disposição, no momento em que tornaremos a abrir o interruptor. A diferença é bem pouco sensível, porque a vida e a consciência passam imutáveis além do limiar da morte. Para o chamado “morto” como para o vivo, os grandes problemas são exatamente os mesmos, porque o ente desencarnado, que vive no seu corpo astral, pode dizer como antes de morrer: “será este corpo astral permanentemente meu? Terei eu ainda alguma coisa mais, que é a alma eterna? Caminharei agora para um termo? Posso eu provar que sou eterno e imortal?”
Não, não é principiando por tentar desvendar o mistério da imortalidade do homem, que nós chegaremos à verdade, acerca dele. Contemplemos antes o quadro completo, onde o homem é uma ínfima figura. Examinemos, antes de mais nada, o vasto contorno do quadro inteiro, antes de analisar a minúscula silhueta do individuo humano, que nele se perde. Veremos então que, assim como sem o quadro não pode existir o homem, assim também sem a figura humana, dentro dele, não pode existir quadro algum harmonioso.
É este conceito de construir uma parte inseparável do universo, na sua expansão, que confere ao homem um novo valor. A Teologia ocidental fez dele uma coisa criada por Deus, tendo, como tal, por único destino, ficar-lhe eternamente subordinado e por única bem-aventurança, contemplar a Sua bondade e a Sua misericórdia. Que o homem seja de qualquer modo necessário é execução da Vontade Divina e que, sem a sua cooperação, o trabalho de Deus ficaria suspenso e não chegaria a cumprir-se, – é uma conceção que falta no pensamento corrente cristão. É precisamente esta conceção a própria essência da Teosofia. A nossa filosofia contém os seguintes postulados:
- Por detrás do universo, em todas as suas manifestações materiais e imateriais, há uma vontade, sempre em ação. Essa Vontade é conhecida por diversos nomes: como Divindade Pessoal, chamam-lhe Deus, Ishvara, Allah, Ahuramazda, Jehovad: como Divindade não pessoal, é chamada Dharma ou Lei do Budhismo, Shangti ou Céu, na China e foi chamada Logos, pelos Estoicos.
- Este criador, que moldou o universo, está-o adaptando incessantemente no sentido da perfeição. O seu esquema não é perfeito hoje; muitos males e muitas imperfeições o perturbam. Mas ele tem na sua mente divina, a imagem da perfeição suprema, para a qual pacientemente trabalha, idade após idade.
- Neste esforço para a perfeição, todo o homem é necessário. Deus não lhe pede a simples adoração, mas a compreensão do seu plano e uma cooperação nele. Deus assinalou a cada um a sua incessante tarefa, que consiste em criar com Ele, dia a dia, uma nova verdade, uma nova bondade e uma nova beleza, até que, pela ação concorde de Deus e do Homem, o perfeito universo venha finalmente a existir.
O homem não é o santo, que deriva do pecador, mas o mestre operário, que provém do aprendiz: tal é a conceção teosófica do nosso destino. O universo e o meio ambiente, a que fomos destinados, são respetivamente a grande e a pequena oficina, onde devemos aprender a trabalhar. Essa gloriosa tarefa tornar-se-á a nossa salvação espiritual, se soubermos, ao menos, a maneira de a executar.
A ideia dominante com que o homem deve trabalhar é que Deus existe nele. As noites recamadas de estrelas, a beleza da aurora e do poente, a magia do mar e das montanhas, o encanto da natureza quando os outeiros e as campinas se agasalham no manto florido da primavera, a fascinação e o respeito piedoso e uma Visão Divina, que, às vezes, descobrimos na face daqueles, que adoramos, todas estas maravilhas de Deus que vemos fora de nós, existem em nós também. Ainda que mil vezes eu caia em pecado, nesse mesmo momento as maravilhas de Deus ficam latentes em mim. Caí em pecado porque ainda não soube descobrir em mim a sua divina força para resistir à tentação: sou transviado pelas minhas paixões, pelas minhas ambições, porque ainda não enchi os meus olhos da luz que está no meu coração e que deve guiar-me à verdade e à beleza. Perpetuamente a obra do Divino Mistério se executa no meu coração, por pouco que vagamente vislumbre que Deus e eu somos protagonistas.
É este o novo conceito de nós próprios, que a Teosofia nos oferece. Nós não somos pecadores que precisem de ser salvos e conduzidos à força a essa salvação negativa e estática, que se limita a contemplar passivamente os atributos de Deus e a cantar salmos em seu louvor; aprender a arte da criação é com os nossos pensamentos e sentimentos transformar o Universo atual, em alguma coisa mais nobre. A nossa missão é tornarmo-nos criadores, sermos os contramestres, trabalhando sob a direção do Divino Estadista, Filósofo e Artista, a fim de criar com ele um universo perfeito.
O primeiro grande preceito de conduta que temos de aprender é a maneira de empregar nobremente o poder criador. Todos possuímos esse poder; cada pensamento, por trivial que seja, produz uma transformação do Universo. Mas tanto podemos criar isoladamente, seguindo a nossa fantasia individual, como criar em união com o plano de beleza do Grande Arquiteto do Universo. Criamos para a Eternidade quando criamos para Ele. Eis a técnica da criação, que nos cumpre adquirir; não é tão difícil que uma criança a não possa entender. Cada um de nós, esteja onde estiver, com todos os seus erros e imperfeições, pode adquirir essa técnica, agora mesmo. Uma única coisa é necessária, “aquela integridade de coração e inocência de mãos” de que nos fala a Bíblia. Cada um de nós deve tornar-se a “criancinha” de que falou Cristo, se quisermos aprender a técnica de Deus; e aprendê-la-emos se não pedirmos salário para o que fizermos.
Se há um “pecado original” pelo qual a semente de Adão é amaldiçoada, esse pecado é o nosso desejo inato de recompensas. Pretendemos sempre o reconhecimento pelos nossos esforços, o prémio pelo nosso trabalho e um Céu, finalmente, por termos servido a Deus. Não temos a coragem de ficar a sós com a nossa obra; queremos o apreço dos nossos amigos, os agradecimentos da multidão, o sorriso do próprio Deus, a pairar sobre nós. O nosso estímulo para um novo esforço só aparece quando vemos as flores da colheita, que semeámos; sem o pensamento de alguma recompensa, a ação não nos entusiasma.
Porque hei-de eu sofrer trabalhos e contrariedades para executar um ato e que não tiro proveito algum? Este é atualmente o evangelho do homem do nosso tempo, conforme nos foi ensinado desde a infância.
Mas isto é o evangelho da impureza absoluta. O fragmento de Deus que é a alma, está poluído por tudo que se relacione com a nossa personalidade separada, e a recompensa é tão-somente o regresso dessa personalidade ao nosso próprio e verdadeiro Ego.
Aquele que procura remuneração encontra-se sempre a si próprio sob milhares de aspectos, mas nunca encontra o seu ideal. Deus não nos proíbe de pedirmos salário; dá-no-lo quando o pedimos.
Mas cada salário recebido é apenas a nossa própria face, voltando para nós sob um novo disfarce. E por fim, chega um dia, em que ficamos completamente fartos da visão de nós próprios. Riquezas, honras, fama e apreço, esses agradáveis objetos de recompensa, mudam lentamente os seus aspectos atraentes e transformam-se nos detestáveis aspectos daquela recôndita personalidade, que não ousamos revelar aos outros. De mil maneiras, sempre que pedimos remuneração e as recebemos, a nossa personalidade separada apresenta a face horrível de “Medusa”. Que aproveitará ao homem ganhar o próprio mundo, se perde a sua alma? E perdemos a alma quando pedimos recompensas. O único evangelho da vida, para os homens que procuram ser completamente verdadeiros e nobres, é-nos apresentado por Tennyson, o grande poeta inglês, no seu magnífico poema “Recompensas”.
Glória do guerreiro, glória do orador, glória dos cânticos,
Paga com um som que voa e vai perder-se num mar indefinido.
Glória da Virtude, batendo-se e lutando para corrigir o mal.
Não! Ela não aspira à glória nem era a sua amante!
Dai-lhe a singela glória de prosseguir e continuar a existência.
A recompensa do pecado é pó. Se a retribuição da Virtude fosse igualmente pó,
Teria ela a coragem de sofrer pela Vida do verme e da mosca?
Ela não respira às ilhas da Bem-aventurança nem às mansões tranquilas do justo,
Para habitar os bosques dourados ou aquecer-se no céu do paraíso!
Dai-lhe como recompensa prosseguir e não morrer.
Assim, segundo o que Tennyson viu, no seu voo de intuição, só aquele que não pede recompensa, pela sua obra criadora, conhece o sentido da imortalidade. Limitando-me a pedir como recompensa “prosseguir e não morrer” eu saberei, enquanto a minha obra criadora se mantiver em plena pureza, o que é a imortalidade. Porque, num ato puro de criação, está refletido o Ego universal, uno e indivisível e desde que represento uma parte desse Ego, estou contemplando a minha imortalidade.
Não é só por frequentar as sessões de espiritismo que poderei provar a minha imortalidade, nem sequer provarei que o meu amigo desencarnado ainda vive, pelo facto de ali lhe ouvir a voz. Porque a voz, o aperto de mão, são a parte mortal do meu amigo, não podem subsistir através das idades. A parte imortal do meu amigo é aquela que vejo nos meus mais elevados momentos de amor por ele, e vê-lo assim, na sua natureza imortal, é saber que ele habita em mim como uma parte de mim mesmo, inseparável de mim. É através do amor de Deus que reconhecemos que somos imortais, é pelo culto daqueles a quem amamos, que abrimos as portas desta abençoada Mansão, onde eles e nós eternamente habitamos.
Assim como é pelo meu esforço criador que alcanço a direta e imediata experiência da minha imortalidade, o mesmo acontece com a descoberta de Deus. Ouvir o testemunho de outros, como nos é dado nas Bíblias do Mundo, nunca levará a alma à Visão Divina. Deus não pode ser descoberto por meio de intermediários, podemos ver a Sua Luz refletida neles, mas não vê-Lo a Ele próprio. A única maneira de O ver é procurá-Lo no retiro do nosso Coração. Porque Ele sempre ali mora. Nas nossas alegrias, lá está, intimamente oculto, lá está oculto também nas nossas dores; e das nossas alegrias e dores, Ele envia uma mensagem ao seu universo. Devo portanto criar pelas minhas alegrias e pelas minhas dores esse trabalho de Arte, que revela o seu propósito. Porque, se é certo que sofro porque estou colhendo o mal semeado no passado, Deus também sofre por minha causa, e a sua intenção é revelar aos outros e a mim próprio, através da minha dor, um pouco mais do Seu prodigioso plano. Assim, consagrando-me à minha obra criadora, sofrendo não só por mim, mas pelo mundo inteiro, procurando o segredo da bem-aventurança não só para meu pessoal deleite, mas para que o mundo inteiro possa alcançar um pouco mais de ventura, eu sei quem Deus é e qual é o Seu plano. Os nomes que Lhe possam dar terão pouco valor para mim que cheguei onde todas as coisas se desvanecem, exceto a realidade Única. Através da minha obra criadora irei descobrindo Deus, como aconteceu com o grande compositor Handel, descrevendo as suas sensações durante o trabalho de composição. “Eu julguei ver o Céu aberto e o grande e próprio de Deus, diante de mim”. Nesses momentos de criação mental, quando nos ultrapassamos a nós próprios, quase intimidados em recolhido respeito perante a nossa própria obra, é então que surgem dentro de nós, por maravilhosa intuição, as deslumbrantes Visões de Deus.
Repetidas vezes, empreguei o termo: “criar”, para descrever o nosso verdadeiro fim na vida. Dir-se-ia que tenho como certo que cada homem possui a faculdade artística de criar, e poder-me-ão fazer uma objeção a essa afirmativa. Porque, na verdade quão poucos, de entre nós, são pintores, escultores, arquitetos, músicos? Como pode o homem vulgar ser considerado criador, se, quando muito, apenas pode aprender a apreciar as obras de arte criadas pelos artistas? A minha resposta é que “criação” não significa um ato de técnica, reservado àqueles que somente praticam as artes. Temos de alargar a significação dos termos “a criação” e “artistas”, pondo-os de acordo com os factos, que nos cercam. Num dia de primavera passamos por uma colina e vimos somente folhas verdes, alguns dias depois, milhares de flores surgiram. As plantinhas insignificantes não frequentaram um “estúdio” e não tiveram mestres, que lhe ensinassem a técnica, e, todavia, criaram obras de arte, em cada flor. Às vezes, chamamos a essas pequenas obreiras “ervas daninhas”, e não obstante, quando trabalham, mostram a perfeita técnica dum artista. Que mais perfeitos artistas haverá do que as criancinhas, que na idade própria dos seus brinquedos e divertimentos, especialmente quando descansam, tomam posições deliciosamente graciosas? Não! Todos, homens e crianças, podem criar alguma coisa de belo – um pensamento, um sentimento ou uma ação – e revelar o artista oculto, que, aos olhos dos outros parece ignorar a técnica de criação.
E isto é assim porque a criação é um ato pelo qual, devido a um acontecimento do tempo, o Criador mostra a beleza do plano Divino e o inefável encanto Daquele, que organizou esse plano. Tudo na vida é matéria bruta sobre a qual trabalhamos para criar o perfeito; as nossas esperanças e sonhos, as nossas dores e desesperos são as tintas da nossa paleta. Do que apenas necessitamos é o momento de inspiração que nos indique, onde nos devemos fixar e suavemente reproduzir as paisagens, emoções e intuições despertadas em nós, pelo que vemos. Os materiais para a Criação – as cores do arco-íris para o pintor; os mármores e cinzeis para o escultor; as sucessivas oitavas do som para o músico – encontra-os o artista em toda a parte. Mas antes de poder começar, cumpre-lhe atingir aquele momento que, uma vez alcançado, vem a ser, para ele, o início da eterna idade.
Assim acontece connosco. O nosso material é quase ilimitado; milhares de pensamentos e sentimentos palpitam em nós, centenas de ações grandes e pequenas irradiam de nós dia-a-dia; mas na sua maior parte não possuem o carácter de criação, e porquê? Porque não concebemos que somos artistas e que o nosso verdadeiro trabalho na vida é criar. Devemos portanto aprender a Filosofia da Criação. As nossas mentalidades devem estar tão serenas nas suas certezas, que as intuições dum reino mais elevado do que a mente, nos possam iluminar e fazer compreender que soou o momento em que a obra criadora pode ser iniciada.
Para alcançar a serenidade da mente e torná-la consciente da verdade, o maior auxílio que se encontra, talvez, no mundo de hoje, é o estudo da Teosofia. Porque a Teosofia prova-se a si própria, período por período, nenhuma dúvida nos fica sobre as suas doutrinas e assim nos auxilia na elucidação das suas verdades mais profundas. Uma após outra, as leis da natureza, reveladas pela Teosofia, aparecem-nos tão inevitáveis e tão serenamente majestosas como as leis, que regem o movimento dos planetas em volta do Sol e das estrelas em volta de sois maiores. O vasto plano de perfeição humana, que a Teosofia revela, traz consigo a mensagem de que a justiça governa o mundo, e de que tudo está justo para todo o ser criado, seja planta, animal ou homem. A revelação de que um laço de Amor, sem limites, envolve tudo no seu amplexo, e que o indivisível idealismo impele todas as coisas a transformarem-se para se tornarem reflexos de Deus, da Verdade e da Beleza, essa divina revelação empresta-nos aquela serenidade de alma sem a qual não podemos alcançar esse momento sublime que se estende até à eternidade. Todo aquele que se tornou verdadeiramente teósofo, não em palavras e afirmações mas em ações, não pode deixar de aproveitar cada momento da sua vida para criar, uma vez identificado com a sua filosofia. Com verdade, pois disse-se na Palestina, que “a sabedoria, poderosa e suavemente rege todas as coisas”. Ver todas as coisas em volta de si como revelando a Lei e Harmonia e transformar em imagens de beleza todas as coisas que em nós vivem, tal deve ser, em verdade, a vida do sincero teósofo.
Assim como, quando ruge o temporal, a atmosfera se toma triste e sombria como o céu que a envolve, assim se nos apresenta a Humanidade, quando observamos os homens através das suas brutalidades, violências e maus instintos. Mas também, como no tempo tudo muda e a alegria nos invade quando irrompe luminosa a luz do Sol, assim nos sentimos contentes e se nos desanuvia o espírito quando observamos a Humanidade, à luz da Teosofia. A blasfémia de que Deus possa alguma vez enfurecer-se contra algum dos seus filhos ou ainda considerar réproba a alma, que lhe tenha desobedecido, está para sempre banida do coração e da inteligência; o lugar desta heresia está preenchido pela conceção da salvação universal, decretada por Deus para todas as criaturas, grandes e pequenas. Conhecer claramente, após o estudo das religiões do mundo, que todas elas são apenas como simples palavras nessa divina frase com que Deus criou e cria ainda; ver que o plano divino requer, para o seu aperfeiçoamento, não apenas uma cultura do Oriente ou do Ocidente, mas todas as culturas possíveis, compreender que toda a ciência, embora materialista, toda a filosofia por mais cética que seja, toda a arte por mundana que se nos apresente, são todas indispensáveis a Deus a fim de fazer surgir com este auxilio a sua divina natureza, oculta nos seus filhos, tais conceções da vida transformam o Mundo, para o teósofo. Quer ele o contemple na terra, no céu ou no inferno, um plano divino aí está operando, quem quer que ele seja, pecador ou santo, cristão ou hindu, muçulmano ou ateu, um trabalho de Arte lá está, em realização, para amoldar a imperfeita alma humana à imagem do Divino Arquétipo, concebida pela mente de deus.
O prodigioso Plano Divino organizou assim o seu trabalho de tal forma que cada um de nós lhe é necessário, sejam quais forem os dotes criadores que possua. Algumas almas serão especialmente dotadas de faculdades de santidade; o Plano Divino querer delas pensamentos e sentimentos de devoção, êxtases e ascetismo, que testemunhem a graça de Deus. Outras almas são mais suscetíveis de descobertas científicas e de pesquisas filosóficas; a estas, o Plano Divino pede a conceção das leis naturais ou dos sistemas filosóficos. Às almas artistas, o Plano pede poemas, estátuas, sinfonias, criações em pedra ou em som, monumentos de cor ou movimentos rítmicos, nos quais palpita a cadência de Deus. Às miríades de homens e mulheres, cujo maior dote é o amor de esposa ou esposo, de filhos, de pais ou amigos – o Plano pede atos de ternura e coragem, esses incidentes aparentemente vulgares, como um sorriso, um aperto de mão, – que anima os nossos semelhantes a seguir o seu caminho, sem desfalecimentos, até à meta. A cada qual o Grande Plano concebeu um certo dom e a cada um pede o serviço a que nesse dom corresponde; e, enquanto esse serviço não for prestado com alegria, o Plano suspende a sua execução.
Assim, a Teosofia mostra-nos como o mundo inteiro e as suas inúmeras atividades são dirigidas, por um dispensador da Lei Divina e transformadas em Beleza, por um Supremo Artista. Quer chamemos a esta fonte de toda a vida, Deus, Eterna Lei, quer, pelo nosso temperamento nos reportemos a esta fonte como um Pai ou a um ser amante, como a uma Ordem natural imutável ou como a um Principio abstrato de Beleza, um facto pode ser descoberto por todos nós. Esse facto é que o Plano Divino, clama por se manifestar através de nós, e por pouco que lhe prestemos ouvidos, expor-nos-á mil evangelhos, de Vida e Glória. Dentro do nosso coração, o Plano está operando, como na raiz ou na haste duma silva, o princípio de vida se encontra em ação, formando a flor, mesmo nos dias de outono, desabridos e frios. Porque isto é o que Dante viu, como mistério da vida, e o que ele diz está para nós um completo evangelho de salvação.
“lo ho veduto tutto il verno prima.
Lo prun mortrarsi rígido e feroce;
Poscia portar la rosa in su la cima”.
“Eu vi a espinhosa silva em todo o universo, mostrar-se primeiramente agressiva e feroz, e mais tarde ostentar a rosa na sua coma.”
Esta rosa, no fim do inverno, é a obra de Arte, que o Grande Plano faz brotar da parte mais recôndita do nosso ser. Da nossa agonia podemos formar uma estátua da dor, que mostrará a todos a dignidade do sofrimento; depois de longos anos de privação podemos criar da nossa fome, sementes de pão que alimentarão milhares de homens. Ah! Se no inverno desta vida alguém nos pudesse mostrar um só reflexo da rosa que há-de desabrochar na primavera! O elemento trágico da vida provém, de facto, de aspirarmos a felicidades sucessivas e o destino contrariar-nos. É como quando as árvores se cobrem de botões para florir; vem uma rajada invernosa e murcha-os; a árvore só pode então oferecer ao mundo, troncos desnudados e sem flores. As nossas esperanças de realizações próprias, estão continuamente a ser desfolhadas pelo destino. Se ao menos pudéssemos estar convencidos de que, para além do destino, existe um propósito inteligente que nos tenha preparado alguma felicidade ao termo da jornada final! É justamente o que a Teosofia revela tanto à Razão como à Intuição. Descortinamos, de vislumbre, o longínquo e maravilhoso arquétipo do que viremos a ser, e cuja natureza é absoluta Verdade, a absoluta Beleza, a Bondade perfeita. O que a Divindade diz ao Mefistofles no Fausto, não é apenas um belo pensamento, é o facto supremo para o estudante da Sabedoria Divina. “Embora para mim seja ainda confuso o seu serviço, conduzi-lo-ei, em breve, a uma manhã mais clara. Não vê o jardineiro, enquanto enxerta uma arvore, que flores e que frutos a adornarão nos anos futuros?” Um elemento de força e serenidade no carácter do teósofo vem da compreensão daquilo que ele virá a ser no futuro. Conforme a natureza do seu ser mais íntimo, cada alma revelará ao mundo, o prodígio e a majestade dum divino Arquétipo. Os maiores estadistas, os mais sábios dos homens, cientistas e filósofos, os mais perfeitos dos artistas, os mais ternos dos amantes, os mais compassivos dos santos, estas e outras perfeições, que a imaginação dos poetas e sonhadores criou para nós, são o que viremos a ser no futuro. Um glorioso destino espera cada um de nós, como Arquétipo de Deus revelado ao homem.
Disse, há pouco, que uma das características mais acentuadas no homem era a insatisfação. Com efeito, ele é levado por sucessivos impulsos a procurar sempre outra felicidade diferente da que já conhece. Cada sonho realizado traz no rasto da sua felicidade, a urgência de criar um novo sonho. Portanto, o homem no longo curso das suas muitas vidas, é impelido de um plano do seu ser para outro. No começo, como perfeito selvagem, precisa apenas de satisfazer os seus apetites físicos; num período mais avançado anseia pela felicidade mais elevada das emoções, da riqueza, e da forma; estas também por sua vez lhes chegam; porque a lei do Karma decreta a justa reação de cada ação; e, então, resulta a efetividade de cada ambição, em cada plano para o qual o individuo criou a energia. Mas à medida que a alma culta respiga essas colheitas de felicidades, que planeou, aparece-lhe aquela feição mais aguda da insatisfação, desejo mais custoso de suportar do que todos os outros, aquela fome espiritual, mais cheia de sofrimentos do que qualquer outra privação. Esta fase é a conhecida na Índia por “MUMUKSHATTVA”, anseio por MOKSHA , ou pela Libertação.
Este elevado objetivo de Libertação começa a ser vagarosamente alcançado logo que estejamos completamente convencidos de que Libertação, significa: criação. Quando estivermos prontos para aprender a lição, a vida no-la ensinará. Somente pelo poder criador conseguimos libertar-nos. Por ter criado o Pártenon, Fídias pôs o pé no caminho acelerado, que conduz a Libertação, o mesmo sucedeu a Leónidas quando morreu nas Termópilas, deixando um nome inspirador de todos os heroísmos; o mesmo com Giordano Bruno, cuja alma abrasada, de divino aventureiro, entusiasta e heróico inspira tantos milhares de teósofos da atualidade. Um supremo ato de criação foi o de Cristo posto sobre a cruz da matéria, e feito carne, a fim de que, do seu sacrifício, um caminho para o Céu, pudesse ser aberto aos homens. Ele sacrificou a sua vida, essa grande coisa que o mundo considera como a fonte de toda a felicidade. Mas de novo ressuscitou dentre os “mortos”, para ser o símbolo de todos os humanos.
Assim sucede também sempre connosco, pois “somente, onde há campas, pode haver ressurreição”. E ainda assim, uma tal morte não é maior agonia do que o é para um artista criar uma grande obra de Arte. Antes que o artista possa criar tem de morrer dia a dia na sua vida artística. Dia a dia tem de voltar as costas a essa criação, que ele julgava perfeita e refletir realmente o seu sonho. Mas o artista aceita resignadamente uma tal morte, pois tem a certeza de que por fim criara uma obra grandiosa. Esta convicção devemo-la ter também, enquanto a vida nos exige renúncia após renúncia. Conquistar a certeza, eis a nossa maior necessidade.
Onde encontraremos essa filosofia da vida, que nos emprestará uma tal confiança? “Procura e acharás” diz o provérbio antigo. Mas muitos, dentre nós, ainda a não encontraram, apesar de terem procurado durante muito tempo. Se assim foi, é que não batemos à porta verdadeira. Talvez tenhamos pedido apenas com um pensamento ávido de compreensão, ou apenas com as emoções sedentas de paz. Isso porém não é a verdadeira forma de pedido, a única maneira de pedir, que vale, no reino espiritual, é pedir com uma oferta. Pedi somente à vida, oportunidades plenas para vos entregardes a alguma missão criadora e sereis sempre atendidos.
Ainda uma vez, onde está a filosofia de que necessitamos? Cada um a encontrará sob algum aspeto da Teosofia, seja qual for a forma filosófica que por fim aceitar. Eu, como teósofo, não vos posso provar a Verdade da Teosofia. Cada um tem de a provar a si próprio. Mas posso demonstrar-vos a sua beleza e é o que estou tentando fazer.
Consideremos a beleza das três grandes verdades que resumem os seus ensinamentos, no que se refere ao homem, à natureza e a Deus. Nos remotos tempos do antigo Egipto, os instrutores adeptos ensinavam aos seus discípulos essas três verdades da Teosofia:
- “A alma do homem é imortal e o seu futuro é o destino de um ser, cujo desenvolvimento e esplendor não tem limites.”
- “O princípio, que dá a vida, reside em nós e fora de nós e é eternamente bom. Não podemos vê-lo nem ouvi-lo, mas é pressentido pelo homem, que aspira ao Conhecimento.”
- “Cada homem é o seu próprio e absoluto legislador, o dispensador de Glória ou de Trevas. Ele decreta a sua vida, a sua recompensa e o seu castigo.”
Aplicando estas três verdades à sua vida, cada homem pode tornar-se o senhor do seu destino. Pode encontrar a paz, em si mesmo, não obstante todas as tempestades da paixão e da dúvida. Pode encontrar a paz, em si próprio, apesar das recordações dos insucessos passados. Pode encontrar a luz, em si, por pesada que seja a escuridão, que o rodeie, pois o Homem é o caminho, a verdade e a vida. Mas o homem só descobre este grande mistério quando se domina e cessa de se perder em interrogações, dedicando-se a criar e a dar.
Não é pequena descoberta saber que se Deus criou o Universo, esse mesmo poder que ele tem de Criar, reside em nós também; que se Deus é Paz e Eterno Descanso em nós resida a paz e felicidade de todos os céus. Conhecer, não superficialmente, mas com a mais inteira e inexpugnável convicção, que cada um dos nossos sonhos mais nobres será por fim realizado, e revelar em nós, a Sabedoria, a Força e a Beleza.
Eis aquele Conhecimento que a Antiga Sabedoria concebe a todos os que a procuram.
Retirado de Eleusis, revista mensal ilustrada de Cultura Filosófica. Vol. I, núm. 10, fevereiro de 1928
Conferência realizada na Sociedade de Geografia de Lisboa