Confúcio foi um dos mais notáveis filósofos da história oriental. A sua filosofia é de um sentido muito prático e tem como objetivo educar o ser humano, de maneira a que nele brotem de forma vigorosa as virtudes capazes de projetá-lo para um estado de harmonia interna. Nesse sentido, a componente ética assumia um papel determinante nos ensinamentos confucianos.
Neste cenário surge como exemplo o Homem de Bem, a bitola pela qual qualquer um se devia guiar para se poder elevar a uma dimensão que o pusesse ligar à ordem e harmonia da natureza.
“Ao seguir o Caminho, o homem de bem presta especial atenção a três coisas: na sua atitude, evita a precipitação e a arrogância; na sua expressão, denota acima de tudo boa fé; na sua linguagem, evita a vulgaridade e o disparate.”
Desde logo salienta-se a atitude ponderada que o Homem de Bem deve possuir. A ponderação é a capacidade de pensar e refletir antes de agir. É um elemento importante, pois quando se age sem pensar as consequências podem ser fonte de dor para a própria pessoa, mas principalmente para aqueles que sofrem do erro. Reflexo dessa ponderação é o cuidado que tem com a linguagem que utiliza. Esta não deve ser a origem de desarmonia e de violência. Uma linguagem cuidada, atenta, correta origina uma mensagem bem passada e que é de mais fácil compreensão para quem a escuta. Como resultado, estabelece-se uma comunicação efetiva e salutar.
O seu ponto de referência era um forte conjunto de valores, os quais defendia vigorosamente. Buscava desenvolver uma natureza íntegra que passava por não só compreender esses valores, mas assimilá-los de forma a podê-los expressar no seu comportamento. Aparece nos Analectos que o Homem de Bem é reconhecido porque “só prega aquilo que pratica”.
Tão forte deveria ser vivência da virtude que, em qualquer situação da vida, o Homem de Bem não se devia apartar dela, como se pode ver ilustrado nesta passagem:
“O Mestre disse: «Riqueza e honrarias são o que todo o homem deseja, mas se a única maneira de as obter for contra os seus princípios, deve desistir de as perseguir. Pobreza e obscuridade são o que todo o homem detesta, mas se a única maneira de lhes escapar for contra os seus princípios, deve aceitar a sua sorte. Se um homem de bem renunciasse à virtude, como poderia ilustrar o seu nome? Nunca, nem por um momento, o homem de bem se aparta da virtude; agarra-se a ela nas provações, agarra-se a ela nas atribulações.»”
Podemos extrair deste excerto um elemento que pode ser impeditivo de o Homem de Bem seguir o caminho das virtudes: a necessidade de conforto. Qualquer ser humano procura uma vida confortável, sem privações de qualquer género. A questão, no entanto, é até que ponto se deve perseguir a riqueza ou as honrarias, qual o esforço que se deve empregar nessa busca? É fácil cair na tentação de mentir, enganar ou arranjar formas dúbias de ir acumulando riquezas. Até porque no ser humano existe o receio de viver na pobreza, de passar por privações quer a nível de alimentação quer a nível de alojamento. Devido a isso, é fácil cair na tentação de ceder perante a possibilidade de atingir um patamar superior de riqueza e estatuto. É fácil começar a cometer pequenos enganos, pequenas mentiras ou formas desonestas para se obter dinheiro. Para evitar isto, é necessário existir uma grande força interior e uma forte convicção na via que se está a seguir.
“O Mestre disse: «O homem de bem come com moderação; ao escolher um lar, não exige conforto; é diligente nas suas ações e prudente nas suas palavras; procura a companhia dos virtuosos para cultivar a retidão. De um homem assim, pode de fato dizer-se que é amante do estudo.»”
A natureza do Homem de Bem revê-se em vários aspetos: não cultiva a gula, pois esta é uma forma de desejo, e come somente o necessário para a sua subsistência. Quando necessita de agir, é rápido, evitando a lentidão e a preguiça, que são sinais de desleixo e despreocupação quanto àquilo que é necessário fazer. Quando fala tem cuidado com o que diz, não é impulsivo, expressando sempre aquilo que foi bem pensado. Não convive com qualquer pessoa para não se ver contaminado por comportamentos desviantes que ponham em causa a sua retidão.
De salientar a ligação feita por Confúcio entre as atitudes e comportamentos do Homem de Bem e o estudo, ou entre a ação e o conhecimento. O estudo ajuda o ser humano a desenvolver a sua capacidade racional e a obter conhecimento de si próprio e da realidade que o rodeia. No entanto, o conhecimento obtido tem que se refletir na ação, sob pena de ser algo completamente fútil.
A educação confuciana era muito mais do que desenvolvimento intelectual, como se pode comprovar por esta frase:
“Um homem que põe a virtude acima do prazer, que dedica toda a sua energia ao serviço dos seus pais, que está disposto a dar a vida pelo seu soberano, que cumpre a palavra dada aos seus amigos, ainda que haja quem lhe chame inculto, não hesito em dizer que é um homem educado.”
Ser culto e ser educado não eram sinónimos em Confúcio. O homem culto podia ter muito conhecimento intelectual: conhecer muitos dados históricos, saber de literatura, etc., mas se isso não se refletisse num comportamento virtuoso, Confúcio não o considerava educado. A educação visava o desenvolvimento do ser humano ligado à virtude.
Mais um exemplo da conduta do Homem de Bem aparece exemplificado nesta frase:
“Um homem de bem desprovido de gravidade não será respeitado, e o seu saber será fútil. O homem de bem põe a lealdade e a fidelidade acima de tudo; não procura a amizade dos que lhe são moralmente inferiores. Quando comete um erro, não receia retificar a sua conduta.”
A palavra gravidade deriva de gravitas, uma das virtudes de capital importância na Roma Antiga. Tinha uma grande conotação ética, transmitindo a ideia de uma personalidade séria e com um forte apego ao Dever e à Honra. Confúcio também atribui uma grande importância a esta virtude, pois faz uma clara alusão ao facto de um Homem sem gravidade não ser respeitado. A lealdade e a fidelidade surgem como elementos importantes, pois são os elementos que permitem o Homem de Bem vincular-se fortemente às suas crenças e ao seu modo de ser.
No entanto, a tentação encontra-se sempre presente. Uma das formas subtis de se desviar do caminho virtuoso traçado tem a ver com as amizades. Sendo o ser humano eminentemente social, cria vínculos. É natural criarem-se afinidades com outras pessoas com base em diversos fatores: gostos, modo de pensar, visão da vida, receios, anseios, etc. Porém, algo que em muitos casos é tolerado é o comportamento ético menos adequado. Por ser nosso amigo, há uma maior elasticidade no julgamento dos seus atos. O Homem de Bem não pode ter este tipo de atitude. A sua moral deve ser irrepreensível e aqueles que o rodeiam devem ser o reflexo dele. Uma pérola no meio da lama, suja-se. O Homem de Bem deve ser uma pérola brilhante onde quer que esteja e não pode ser contaminado pela sujidade no ambiente em seu redor.
Também se salienta o aspeto relacionado com a capacidade de o Homem Nobre saber assumir um erro. Ele não é orgulhoso, nem pretende saber mais do que sabe. Tem a noção de que não sendo perfeito pode errar e que se isso ocorrer tem de assumir. O importante é corrigir a ação que levou ao erro, de modo a que isso não volte a ocorrer.
No Homem de Bem existe uma forte autodisciplina que o leva a ir melhorando gradualmente ao longo do tempo, como salienta Confúcio “A autodisciplina raramente é má conselheira.”
Como seria de esperar um tal homem não é distante da justiça.
O Mestre disse: “O homem de bem procura a virtude; o homem vulgar procura a terra. O homem de bem procura a justiça, o homem vulgar procura favores.”
O Mestre disse: “Nas coisas do mundo, o homem de bem não tem ideias preconcebidas: toma partido pela justiça.”
A justiça constitui-se como um elemento importante, pois sem a sua presença no seio da sociedade poderá haver desigualdades, em que os mais aptos se aproveitarão dos menos favorecidos e os mais fortes oprimirão os mais fracos. Um pensamento e um comportamento justos promovem harmonia. Num mundo com muitos matizes, não é fácil descortinar o que é certo e o que é errado, e por aqui podemos compreender melhor a importância da educação enquanto aquisição de conhecimento. Quanto mais aguçada estiver a mente humana com o conhecimento adquirido, mas facilmente poderá ter a noção do caminho justo.
Tendo uma clara noção de qual o Caminho da virtude o Homem de Bem não seria facilmente desviado dele, mesmo que fosse enganado por um momento:
Zai Yu perguntou: “Se disséssemos a um homem virtuoso que a virtude suprema está no fundo de um poço, ele deveria saltar para ir ter com ela?” O Mestre disse: “Porquê? O homem de bem pode ser mal informado, mas não pode ser seduzido; pode ser enganado, mas não se deixa desencaminhar.”
O discernimento que desenvolve faz com que o Homem de Bem tenha a capacidade de analisar as informações que lhe são passadas de uma forma cuidadosa. Mesmo que seja enganado, tem a força de assumir o seu erro e de, humildemente, regressar ao caminho que traçou.
Por tudo aquilo que foi referido anteriormente, podemos constatar que a natureza de Homem apresentada por Confúcio não é de fácil acesso. É necessário ser-se diligente e ter uma dedicação e entrega a todos os níveis para se atingir esse objetivo. Muita gente poderá dizer que é uma via impossível, porém no nosso interior existir uma fé inabalável e uma grande força interior, o caminho pode ser trilhado e, consequentemente, o Homem de Bem brotará de nós, de uma forma luminosa.
O Mestre disse: “Mantém a fé, ama o estudo, defende o bom Caminho à custa da tua vida. Não entres num país instável: não vivas num país em tumulto. Brilha num mundo que segue o Caminho; esconde-te quando o mundo se afasta do Caminho. Num país em que o Caminho prevalece, é vergonhoso ser pobre e obscuro; num país que se afastou do Caminho, é vergonhoso ser rico e venerado.”