Aquando da celebração do 40º aniversário da Nova Acrópole, em 1997, entrevistou-se a sua actual directora internacional, Délia Steinberg Guzmán, que ocupa o cargo desde 1991. Recuperamos este artigo pois ainda é de interesse para o ano em que a Nova Acrópole tem o seu 60º aniversário. Presentemente, a Associação encontra-se espalhada por todo o mundo, em cerca de 60 países, constituída por uma complexa organização que acolhe gente das mais diversas culturas, conseguindo harmonizar essa enorme diversidade graças a finalidades, objectivos e sensibilidades comuns compartilhados por todos aqueles que a compõem.
Pergunta: Tendo em conta o passado e tendo em vista o futuro, o que é que se pode dizer destes quarenta anos da Nova Acrópole?
Resposta: É muito importante fazer 40 anos, porque dá-nos uma perspectiva de continuidade. Demonstra que não se trata de mais um impulso, que não é simples capricho o facto de ir ao encontro do público com algo de novo para chamar a atenção. Ter trabalhado durante estes anos significa que a ideia de base é valida, que as pessoas aderiram a esta ideia entenderam-na como válida e, por isso, formaram esta corrente humana de diferentes níveis etários, porque em quarenta anos já se sucederam algumas gerações.
Todos estes anos são suficientes para poder falar de uma história da Nova Acrópole. Se pensarmos que projetamos esta ideia para um futuro sem tempo, não podemos falar de uma maturidade como se tratasse de uma pessoa dessa idade.
Houve os anos iniciais em que se experimentaram possibilidades, conheceu-se o meio, somaram-se experiências, aperfeiçoámo-nos em muitos dos trabalhos a desenvolver. Foram os primeiros anos de crescimento. A Nova Acrópole é como uma criança que cresce: no princípio, o crescimento é notório e o pouco que se vai conseguindo parece ser grande e importante. À medida que os anos passam surge a sensação de uma lentificação. Não creio que se trate realmente de uma lentificação, mas de algo que também sucede no ser humano: uma vez que alcançamos a nossa própria estatura, o que se desenvolve a seguir são outros valores. Creio que estamos nessa etapa. Já não estamos na fase maravilhosa da expansão e do crescimento, ainda que tal se verifique todos os anos; estamos, sim, na fase do desenvolvimento interior e procuramos por todos os meios alcançar essa maturidade, tanto nas nossas estruturas de suporte como nas pessoas que participam neste ideal. É isto o que eu posso extrair destes quarenta anos.
P: Após o desaparecimento do fundador, surgiu uma N.A. diferente?
R: Não. Pelo contrário. O desaparecimento do fundador obrigou-nos a rever o nosso próprio ser e, longe de estabelecer uma nova N.A., retomamos com maior ímpeto as nossas raízes. É óbvio que, à medida que o tempo passa e que a história toma rumos diferentes, todos nos vemos obrigados a modificar as nossas atitudes e a nossa linguagem, os nossos pontos de vista ou a nossa forma de ação, mas as questões fundamentais não mudam. Nesse sentido, creio que o seu desaparecimento nos tornou mais responsáveis. É maior a necessidade de nos sentirmos nós próprios e isto fez-nos recuperar as ideias originais, tomando consciência da possibilidade que há em ampliá-las a expandi-las em cada vez mais fórmulas de ação.
P: Quais são essas ideias fundamentais?
R: Sinteticamente estão expressas nos três princípios fundamentais mas, como em toda a filosofia, é inevitável referirmo-nos ao homem, ao mundo e à deidade. E é nestes três pilares que assenta o trabalho da nossa filosofia. O que é que se procura, relativamente ao homem? A necessidade manifesta, em todos os seres humanos, de se encontrarem a si próprios. Todo o ser humano, ao longo da sua vida, procura encontrar-se a si próprio. O grande problema é que nem todos os seres humanos o conseguem. Daí, na minha opinião, surgirem as angústias, as frustrações e o facto de muitas pessoas não saberem o que fazer das suas próprias vidas. E isso é, fundamentalmente, porque não se encontraram a si próprias. Encontrar-se não é um feito prodigioso: é descobrir a sua própria essência, saber-se quem é, com que valores se contam e como se pode desenvolvê-los; quais são os novos valores que se podem adquirir e quais são as potencialidades com que se conta para fazer algo de válido na vida. Essa é uma das etapas primordiais.
Relativamente ao mundo, logo que uma pessoa se encontra a si própria tem de canalizar essas energias para todos os outros. Não vivemos sós no mundo; vivemos desde sempre em sociedade e creio que isto não é um castigo, mas uma prova que o destino nos oferece a todos; qual é a nossa capacidade de convivência, de viver em sociedade, com os outros? O que é que podemos fazer pelos outros, sentir que somos úteis ao mundo? Esta é a outra grande proposta: o serviço à humanidade, o serviço à sociedade, à gente que nos rodeia, aos pequenos núcleos humanos.
Quanto à divindade, é sentir que o universo não é uma casualidade, mas que existe uma grande lei geral e que, ao mesmo tempo, existem leis menores fundamentais, expressas na natureza, no ser humano, em todos os reinos da vida. É importante sentirmo-nos parte integrante desse universo, e não simplesmente observadores do mesmo.
P: De que maneira essa atitude filosófica dá resposta às inquietações espirituais do homem atual?
R: Sempre houve necessidade de espiritualidade. Não creio que seja apenas uma situação própria deste final de milénio. O que acontece é que esta necessidade espiritual manifestou-se em diferentes momentos históricos, de acordo com as circunstancias e, por isso, nem sempre a reconhecemos, nem sempre nos damos conta de que estamos perante o mesmo fenómeno. Alguns chamar-lhe-ão espiritualidade, outros; interiorização, busca psicológica… As palavras são várias, mas todas elas reflectem essa situação humana que não se satisfaz apenas com uma vida material e um conjunto de satisfações materiais, porque, ao consegui-las continua a haver um vazio e uma ansiedade que se expressam em perguntas sucessivas.
O nosso século promoveu a necessidade espiritual arrastando o homem para extremos inconcebíveis de um materialismo que nem sempre triunfou, como o demonstra a própria História, mas que, não obstante, deixou como sequela conceções materialistas. Talvez que a maior dificuldade com que se depara a N.A. seja a de propor uma via espiritual e prática no meio de um conjunto de ideias que tudo materializam em busca de resultados imediatos. As pessoas querem espiritualidade hoje, resultado já amanhã e pretendem ver as mudanças ainda antes de terem transformado o seu próprio ser interior.
Penso que isto é algo que deveremos enfrentar e modificar, não só neste século, mas no próximo. Há que devolver ao homem a paciência, a conceção do tempo: as coisas importantes não se obtêm num minuto, não podemos evoluir num dia, nem numa semana, nem num ano.
Esta é a grande necessidade espiritual: não basta a ansiedade, mas a perseverança para que esta ansiedade se converta numa realização.
P: Quais as necessidades do mundo actual que considera mais prementes?
R: A superficialidade talvez seja um dos grandes defeitos das nossas sociedades e, para ultrapassá-la, a filosofia propõe uma via de interiorização que considero fundamental. Tudo o que é superficial é, ao mesmo tempo, efémero. O que propomos é uma filosofia vital, transcendente, que nos possa servir hoje e amanhã e que, inclusive, possa ser legada às gerações futuras como algo permanente e não velho e antiquado.
Face à superficialidade contrapomos profundidade, seriedade, capacidade de ir ao fundo das coisas, à raiz das coisas…
O outro grande mal que afeta o nosso mundo é o medo. As pessoas têm muito medo, talvez porque sejam superficiais e porque não têm nada onde apoiar-se, nada seguro onde firmar-se. Têm medo de tudo; tudo lhes provoca insegurança e esse medo, por sua vez, manifesta-se em diferentes formas de reação. Há medos que se traduzem em timidez, em formas de fugir da própria vida e das suas exigências. Há outros medos que se traduzem em agressividade, em violência. Porém, creio que tanto o que foge da vida como o que a enfrenta de maneira violenta, não fazem mais do que demonstrar que têm medo.
A filosofia ajuda a dissipar as grandes dúvidas e os grandes temores, porque consolida as ideias e gera seres humanos conscientes da sua própria realidade.
Aquele que está consciente da sua realidade, ainda que não seja uma realidade completa ou perfeita, não tem medo.
Aquele que sabe que não é perfeito, mas que pode chegar a sê-lo, não tem medo.
Aquele que sabe que não é completo, mas que tem a possibilidade de adquirir cada vez mais conhecimentos, não tem medo.
Aquele que se sente ignorante e não sabe como sair da ignorância, tem medo.
Aquele que tem duvida e não sabe como dissipar as duvida, tem medo.
Aquele que sente que o mundo o agride, tem medo.
Aquele que não sabe como relacionar-se com os outros seres humanos, tem medo.
Este aprofundamento para superar o medo e a superficialidade é uma das propostas que a N.A. apresenta. E quanto à filosofia, há outras propostas que incidem no aspeto vital do homem: são as propostas culturais. Estas abrangem todas as suas expressões, quer seja na arte, na ciência, na religião, na vida social e dão-lhe respostas para viver melhor em todos esses aspetos que, no seu conjunto, denominamos cultura.
P: Como pianista, dedicada durante muitos anos ao estudo e prática da música, como é que entrou na filosofia?
R: Ao estudar música com seriedade descobre-se que não há nenhuma distância entre a música e a filosofia. É impossível fazer verdadeira arte sem aprofundarmos aquilo que estamos a fazer, sem nos perguntarmos de onde vem a beleza, porque é que há obras que duram toda a vida, porque é que há coisas que nunca mudam e porque é que sempre voltamos ao mesmo. Porque é que o intérprete, que está perante a mesma obra, pode variar ligeiramente matizes de interpretação, mas que, no entanto, se encontra sempre com uma mesma mensagem, com uma mesma fonte de beleza? Para mim não foi nada difícil conciliar a musica com a filosofia porque, sem me dar conta disso, à medida que tocava ia colocando as grandes perguntas da filosofia.
P: Há uma grande Filosofia acima das diferentes filosofias?
R: As diferentes filosofias são as que fazem a História da Filosofia. No entanto tem havido, nos últimos séculos, uma preocupação pela originalidade. Tudo isto nos afasta da filosofia. Prefiro o conceito que os primeiros filósofos clássicos nos deram da filosofia que é: a procura da verdade. Independentemente do momento histórico, creio que todos os seres humanos necessitam de encontrar a verdade, ainda que para chegar até ela tenham de o fazer através de pequenas verdades. É como uma escada que todos queremos subir e, para isso, fazemo-lo através de muitos degraus. A filosofia procura encontrar a verdade, a justiça, a beleza, ou seja, a unidade. Por conseguinte, sem nos afastarmos do estudo das filosofias, das inúmeras conceções e maneiras de postular estas verdades, pensamos que a tarefa mais importante a fazer é encontrar o eixo unitário que as harmonize e concilie.
Ideal para quien quiera una explicación simple y profunda sobre qué es Nova Acropole, sobre sus Principios, sobre el rumbo y camino que lleva (la entrevista fue realizada hace veinte años, pero la línea trazada es la que se recorrió, con la simplicidad y grandeza con que un árbol crece natural y armónicamente), sobre el sentido verdadero de la Filosofía y como puede ayudar al ser humano y al mundo.