De todos os elementos a que nos referimos até agora – terra, água, ar –, o fogo é o mais subtil, e talvez corresponda na Natureza à força mais elevada e ativa que podemos conceber por agora, se aceitamos com os velhos sábios que nenhum dos nossos atuais esquemas totalizaram o conhecimento do mundo em que vivemos.

Porquê o mais elevado? Porquê o mais ativo? Se analisarmos o tipo de atividade ígnea, compreenderemos também o porquê de sua superioridade no que diz respeito aos outros elementos, ainda que tenhamos que aguçar a mente e tratar de aprofundar nos significados simbólicos que vão além das presenças materiais.

A Terra move-se com base em transformações que, embora não alterem a sua essência, modificam as suas apresentações. Mudanças químicas, físicas, fervilham continuamente no coração do planeta, e em conjugação com a água, o ar e mesmo o fogo, a Terra altera-se sem mudar o seu lugar no espaço.

A água mostra-se dotada de uma maior mobilidade; para ela não há segredos no que diz respeito ao movimento horizontal; rios e mares deslocam-se, com maior ou menor ímpeto, e percorrem as suas bacias de um extremo ao outro, ainda que sempre apoiados na terra-mãe, no suporte necessário para poder mover-se. Só a água das chuvas assume uma atitude vertical, a que se aproxima de outro movimento de espiritualização vertical, como veremos a seguir.

E o ar? Este movimenta-se na horizontal e na vertical, varrendo a superfície da terra, e sem necessidade de apoiar-se totalmente nela; não tem a sua origem nas bacias dos mares nem no leito dos rios.

O fogo necessita apenas de um ponto de apoio na sua base, e daí em diante, todos os seus movimentos são verticais, uma eterna dança com aspirações à altura, o símile mais acabado da espiritualidade humana que busca o seu Deus acima, apoiando-se apenas no corpo que tem para se expressar.

Fogo na cerimônia do jantar do solstício de inverno (Muy Resp.’. Gr.’. Log.’. Nacional Mexicana Independencia No. 2). Creative Commons

Maya amarrou as pontas do seu jogo de forma tão primorosa que nada está isolado ou sujeito à causalidade. Tudo está unido, e cada coisa existe na medida em que participa das demais.

Portanto, o fogo necessita do ar, sem o qual lhe seria impossível expressar-se. Apoia-se na terra, e consome-a quando a toca, do mesmo modo que consome o oxigénio gasoso. Seca as águas, e pode mesmo arder no próprio seio delas, se recordamos o velho segredo dos gregos – hoje perdido – do chamado “fogo grego”, precisamente com capacidade de manter-se aceso dentro do mar.

O fogo, na sua superioridade, tudo penetra e tudo consome, não numa simples exibição da destruição, antes numa tarefa muito mais árdua de libertação.

No jogo constante de Maya chegámos, no entanto, a conceber que a água é inimiga do fogo, e que ela é a única que, por vezes, pode vencer a sua bravura. Isto em parte é certo, e descerrando os véus da ilusão, é fácil encontrar a razão deste facto.

Se a água é vitalidade, ela é a mãe da vida no que à matéria se refere, porque a comparamos com a força dos mares na Terra, e do sangue no corpo. Se o fogo é vitalidade, ele é pai da vida no que diz respeito ao espírito, porque é frequentemente comparado com as chamas que tudo consomem na Terra, e com a mente, que é como uma primeira etapa para compreender a verdade no homem.

Desta forma se nos apresenta a luta entre a água e o fogo, cada qual combatendo pela supremacia da sua forma particular de vida. A partir do momento em que a balança da evolução atual não está de todo em equilíbrio; a partir do momento em que a dúvida diminuiu a capacidade de discernir entre os benefícios da matéria e do espírito; a partir do momento em que para o homem esta guerra de antinomias ainda não esteja resolvida, é possível que a água vença o fogo, ou que o fogo se sobreponha apesar de tudo…

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O fogo e a mente desempenham um simbolismo uniforme no mundo de Maya. A mente, tal como o fogo, une-se às emoções – como se de ar se tratasse –, ainda que termine por consumi-las. Apoia-se na vitalidade do corpo (água e terra) para se dar a conhecer, e as suas ideias são finalmente transmitidas pela nossa boca ou pelos nossos atos. Isto é, se a mente não se tornar uma chama devoradora, e nesse caso, não há corpo nem psique que possa resistir, mesmo em termos de doença, ao poder de uma mente destrutiva.

Prometeu traz o fogo à humanidade. Heinrich Friedrich Füger. Domínio Público

Prometeu traz o fogo à humanidade. Heinrich Friedrich Füger. Domínio Público

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Os nossos antepassados de velhas civilizações sempre renderam especial culto às divindades do fogo. Viram nelas o símbolo do segredo mais primordial e profundo, e externalizaram este segredo na forma ativa da guerra e do sacrifício.  Guerra – como já explicamos – não como destruição, mas como libertação.

Sacrifício é o “sacro oficio”, a cerimónia sagrada na qual intervém o fogo na sua qualidade de símbolo superior e também sagrado. Estamos aqui perante o fogo regulamentado pelo ritual, o que pode arder com igual eficácia na mais humilde tigela de barro, ou nos incensários dos altares, ou nas lâmpadas votivas dos templos. Este é também o fogo que arde e dá brilho no interior do homem: é a chispa sagrada que o diferencia de todos os outros reinos da natureza, e que, uma vez acesa, provocará a guerra decisiva entre o pequeno eu e o grande eu, entre a vida do corpo, que é água, e a vida da alma que é fogo.

Através de Maya, que cada homem assuma a responsabilidade da sua própria guerra, e aplique as suas forças em apoio do único vencedor possível.

Delia Steinberg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole

Imagem de destaque: Erupção Paroxística do Vulcão Etna, 30 de julho de 2011. Creative Commons