«Non nobis, Domine, non nobis, sed Nomini tuo da gloriam».

(Não a nós, Senhor, não a nós, mas dai glória ao teu Nome)

Voltemos no tempo, imersos no nostálgico sonho, para despertar na sagrada terra de Jerusalém, ao ponto de extasiarmos na contemplação de como o sol dá vida com a sua luz às igrejas cristãs, às mesquitas árabes e às sinagogas judaicas, testemunho todas elas de um verdadeiro Céu Universal.

O rei Balduíno II está sentado no seu trono olhando com gesto complacente para o cavaleiro que, no meio dos sons de ferro e clarins, fez ranger as lajes de pedra ao cravar o seu joelho na terra. É uma manhã de primavera no ano da graça de 1118 e o cavaleiro que está de cabeça inclinada chama-se Hugh de Payns. Atrás dele, brilham os olhos acerados de Godofredo de Saint Omer, e alguns passos mais atrás estão outros sete cavaleiros que levam os seus nomes escritos nas laminas das suas espadas: Godfredo Bisoi, Godfredo Roval, Pagano de Mont Didier, Archembaldo de St. Amaud, Andrés de Montbard, Fulco d’Angers e Hugo I, Conde de Champagne[1].

Talvez esta tenha sido a origem da misteriosa Ordem do Templo, que tomou o seu nome, segundo dizem, do seu primeiro lugar de residência: logo acima das cavalariças do antigo templo de Salomão. O objetivo aparente da ordem na cidade do Santo Sepulcro era «velar pela sua segurança nos caminhos e as estradas, cuidando especialmente da proteção dos peregrinos». Não sabemos como e de que forma nove cavaleiros sozinhos iam proteger as enchentes de peregrinos que chegavam a Jerusalém, naquela época então, ocupada pelos muçulmanos e infestada de bandidos e salteadores de caminhos, pois certo é que durante os nove anos seguintes, não admitiram um único outro cavaleiro na ordem, nem tão pouco nenhum deles se demitiu naqueles anos. Por outro lado, sabe-se que Teocletes, sumo sacerdote dos nazarenos juanistas, instruiu Hugo de Payns na história verídica de Jesus e do cristianismo primitivo, e posteriormente outros dignitários o iniciaram nos seus mistérios. Tudo isso, como veremos mais adiante, faz suspeitar que o verdadeiro objetivo da ordem era de outro tipo, e que, certamente, deve ter sido oculto aos olhos do profano.

Quanto ao nome de templum – e não é de estranhar que Hugo de Payns foi instruído também nisto – significou primeiro o espaço livre do céu inteiro, considerado para servir às observações do augúrio, que depois o subdividia então, segundo os ritos, traçando com o seu bastão ou varinha diferentes linhas no ar (de onde vem o verbo contemplar). Por analogia, aplicou-se templum para designar as grandes extensões, como a do mar, a do céu, e até a do mundo inteiro. Logo templum passou a significar o espaço circunscrito, traçado pelo augúrio, ainda que fosse no chão ou na terra, agora para examinar o templum do céu, agora para qualquer outro propósito sagrado. E, por última extensão, templum significou um edifício consagrado, notável pela sua magnificência, com as suas dependências, bosque sagrado, etc.

Teriam de transcorrer dez anos para que São Bernardo, que era sobrinho de Andrés de Montbard, estabelecesse as regras da ordem. Estas impunham-lhes castidade, pobreza e obediência. Não deviam olhar muito para o rosto de mulher, nem «beijar uma fêmea; nem viúva, nem donzela, nem mãe, nem irmã, nem tia, nem qualquer outra mulher». Vestiam manto branco distinto com uma cruz fortalecida vermelha sobre os ombros e, em combate, usavam armaduras sob o hábito. O seu cabelo devia ser curto e ter uma barba hirsuta. Rezavam as horas canónicas e, nas suas refeições, de alimentos simples e com uma mesa comum, tinham leituras espirituais. Na guerra, nunca abandonavam um companheiro, nem se recusavam ao combate, mesmo que o inimigo fosse três vezes superior, e não podiam ser resgatados: «nem um cêntimo, nem uma tapeçaria, nem uma polegada de terra» deveria ser pago. Só tinham permissão para caçar o leão. Quando morriam, eram sepultados numa cova sem caixão, deixando o cadáver de bruços. A sua regra estabelecia que deveriam comer carne três dias por semana, e que comessem dois no mesmo prato, mas cada um usando o seu próprio jarro de vinho separado. A ração do cavaleiro que morria deveria ser distribuída durante quarenta dias entre os pobres. Deviam usar camisas de lã, mas na Palestina (por causa do calor) podiam usar uma camisa de lona da Páscoa ao Dia de Todos os Santos, e sua cama compunha-se de um xergão, um colchão e uma manta, com lençóis de pano veloso, dormindo com camisa e ceroulas.

Cavaleiro Templário esculpido no tronco de uma árvore em Santalla del Bierzo (León). Creative Commons

Ao aproximar-se a batalha, armavam-se com fé no interior e de ferro no exterior, atacando impetuosamente o inimigo com a confiança de quem tem a certeza de alcançar a vitória ou a morte heroica. Nas palavras de São Bernardo: «Este Cavaleiro de Cristo é um cruzado permanente comprometido num duplo combate: contra a carne e o sangue e contra as potências espirituais nos céus. Avança sem medo, esse cavaleiro que está de guarda à direita e à esquerda. Cobriu o seu peito com a cota de malha e a sua alma com a armadura da fé. Provido com essas duas defesas, não teme nem homens nem demónios. Avançai com tranquilidade, cavaleiros, e capturai com coração intrépido os inimigos da cruz de Cristo: da sua caridade, vós estais seguros; nem a morte nem a vida poderão separá-los dele… Que glorioso é o vosso regresso de vencedor no combate! Que bem-aventurada é a vossa morte de mártir no combate!»

Estes «pobres soldados de Cristo», estes monges guerreiros, eram os quadros permanentes das hordas amorfas que acudiam a cada Cruzada. Colocados na vanguarda de todos os ataques e na retaguarda de todas as retiradas, embaraçados pela incompetência ou rivalidades dos príncipes que mandavam estes exércitos improvisados, perderam no lapso de dois séculos mais de 20.000 homens nos campos de batalha. Se algum deles, por qualquer motivo, não se comportava com valor no combate, ou com menos do que devia, impunham-lhes uma dura disciplina. Tiravam-lhe o manto com a cruz, que é o sinal da cavalaria, e era expulso da companhia dos outros; comia no chão sem pano, no espaço de um ano; se os cães o incomodavam, não podia espantá-los. No final do ano, era submetido de novo ao juízo pelo Mestre e pelos outros cavaleiros, e poderia ser perdoado ou punido novamente.

Passaremos agora a relatar alguns dos feitos de armas desta Ordem do Templo, cujo número de integrantes aumentou de maneira prodigiosa num espaço de tempo relativamente curto:

«Estamos agora em Gaza, de onde vemos partir em marchas forçadas oitenta templários que acodem à chamada do rei Balduíno IV. Em 22 de novembro de 1177, o rei de dezassete anos, contando já com os oitenta templários e outros quatrocentos e vinte cavaleiros, obteve contra os trinta mil mamelucos do sultão Saladino, uma das mais brilhantes vitórias das Cruzadas. E também assistimos ao cerco de São João do Acre para, em letras de sangue, escrever a sua queda nas páginas da História:

«O Mestre do Templo, Guilherme de Beaujeu, foi morto em combate e Jean de Villiers, Mestre do Hospital, ficou gravemente ferido. A cidade foi tomada, mas não na sua totalidade. Desde o mar, a bordo de vários navios que se dirigiam a Chipre, os sobreviventes daquele fatídico dia, ouviram o grito de despedida dos templários que surgia do último bastião dos defensores, coroado todavia, por um grande pano branco ferido no seu centro com uma cruz vermelha. Cego o sultão Al-Ashraf, por querer tomar o convento dos templários, ofereceu-lhes uma capitulação honrosa. Uns cem mamelucos, aproximadamente, entraram na torre, quebraram o acordo e atacaram as damas que ali se refugiavam. Os cavaleiros do Templo, com dor e raiva, desembainharam as suas espadas e massacraram os mamelucos. Depois, fecharam as portas e o cerco continuou.

Outra vez o sultão Al-Ashraf fez promessas honrosas ao marechal do Templo, com a condição de que ele se rendesse pessoalmente na sua tenda. Uma vez ali, o sultão ordenou a decapitação do marechal e de todos os seus acompanhantes. Vendo isso, os templários que haviam permanecido na torre, juraram com lágrimas nos olhos, que resistiriam até ao último momento. E assim foi.

O sultão mandou minar a base da torre e, em 28 de maio, realizou o assalto final. A torre cedeu e sepultou nos escombros, com os últimos templários, os mamelucos que participaram no ataque: O Templo de Jerusalém teve para os seus funerais dois mil cadáveres turcos» (René Grouset).

Insígnia dos Templários. Domínio Público

A tomada de São João do Acre pelos muçulmanos fechou aos templários as portas da terra pela qual sempre haviam lutado. Vieram para a Europa, mas não como hóspedes, mas como verdadeiros amos. Da pobreza inicial, do tempo em que dois cavaleiros montavam um único cavalo, passaram a ter 9000 comendas (quintas e casas rurais) e um exército de 30.000 cavaleiros com, além disso, os seus escudeiros e servos, artesãos e pedreiros. Possuíam mais de meia centena de castelos, uma frota própria de barcos com portos privados e um banco internacional, no qual manuseavam notas promissórias, letras de câmbio, cheques…

Em Paris, chegaram a possuir os padrões de pesos e medidas, ou seja, o controle da moeda e do câmbio. A sua reputação era tão grande que o rei da França era devedor do Templo, e as joias da Coroa de Aragão estavam sob a sua custódia; inclusive os árabes mostraram a sua estima por esses nobres cavaleiros, testemunhando que a garantia do Templo bastava para a concertação dos tratados estabelecidos entre cristãos e muçulmanos. «Os cavaleiros eram homens piedosos, que aprovavam a fidelidade à palavra dada», declara Ibn-al-Athir. Ousama também rende homenagem ao seu espírito tolerante e afirma que os templários reservaram uma mesquita no seu território, em Jerusalém, onde os muçulmanos poderiam orar livremente. Tal era o caráter daqueles cavalheiros: aberto e tolerante com os demais, e fortemente disciplinados para consigo mesmos; mas sempre, em ambas as ocasiões, ressaltava de forma omnipresente, a sua firmeza e segurança.

Assim, eles vieram para a Europa e foram recebidos com as mais altas honras por nobres, reis e até pelo mesmíssimo Papa. Já em 1139 tinham conseguido mediante bula papal, a exclusão total da jurisprudência, de modo que nunca tiveram de prestar contas, nem aos reis nem aos bispos, apenas ao papa. Assim, se tornaram um Estado dentro dos Estados, e uma Igreja dentro da Igreja. Viajavam pelo mundo sem pagar impostos, tributos ou portagens, e além disso, estavam autorizados a coletar dinheiro uma vez por ano, em todas as igrejas do Ocidente.

É um erro acreditar que a ordem templária não se declarou contra o dogma católico até aos seus últimos tempos, pois desde o início foi herética, no sentido que a Igreja dá a esta palavra. A cruz vermelha sobre um manto branco simbolizava, como entre os iniciados de outros países, os quatro pontos cardeais do universo [2]. Quando mais tarde começaram as perseguições, os templários tiveram que se reunir muito secretamente na casa capitular, e para maior segurança, em cavernas ou cabanas erguidas no meio dos bosques, com o objeto de praticar as cerimónias próprias da sua instituição, enquanto nas capelas públicas celebravam o culto católico. Inclusive em algumas ocasiões, não aceitaram certas decisões tomadas pelo Papa (que naquela época ainda não era infalível) e, por exemplo, em 1143 os templários da Inglaterra acolheram e exumaram em solo cristão, o corpo de Godofredo de Mandeville, Conde de Essex, que morreu excomungado. E este caso não é único. Por outro lado, numa época em que o nome do papa Silvestre II era qualificado de «maldito» e excluído da lista de papas (em seu lugar foi colocado o do ilustre desconhecido Agapito), os templários celebraram piedosamente a sua memória [3].

Talvez seja abrupto falar agora da queda dos Templários; talvez possa parecer desagradável começar a narrar a «história negra» que levou à dissolução da ordem. Mas mais violento foi o amanhecer de um dia de outono em 1307, quando 15.000 cavaleiros templários foram presos na França, sem aviso prévio, e por nenhuma outra razão que não a força do governo real de Filipe, o Belo. As acusações eram heresia, ritos blasfemos, como cuspir e pisar a cruz nas iniciações de cavaleiros, sodomia, adoração de falsos ídolos demoníacos como o Bafomet, etc.

Quando os templários se inteiraram destas acusações, pediram que os factos fossem esclarecidos: tão seguros estavam da sua inocência. Mas os fortes interrogatórios e, claro, as torturas, encarregaram-se de minar essa segurança: «Fui tão torturado», disse o templário albigense Bernardo del Vado -, tão interrogado e tão mantido no fogo, que as carnes dos meus calcanhares foram completamente queimadas e os ossos caíram-me pouco depois. Sim, reconheci alguns destes erros, confesso, roguei encarecidamente ao burgúndio Aimery de Villiers-le-Duc, mas ele estava sob os efeitos da tortura. Ah! Se tivesse que ser queimado, cederia, pois tenho demasiado medo da morte». As citações poderiam ser multiplicadas, mas os gritos do coração tão sinceros, com que os templários explicaram a razão das suas confissões, justificam as retratações.

Tiago de Molay e Geoffroy de Charnay. Templários condenados à fogueira. Domínio Público

Durante sete anos, centenas de templários foram torturados e queimados, mas a verdade é que nunca foram descobertos documentos secretos da ordem, nem provas que demonstrassem a existência de tais heresias. Nos conselhos que se congregaram para julgar a sua causa, a maioria foi absolvida: Londres (Inglaterra), Mainz (Alemanha), Ravena (Itália), Tarragona (Reino de Aragão), Salamanca (Reino de Castela, Leão e Portugal). Somente em Paris, no Concílio Senonense foi julgado e decidido que alguns deveriam ser demitidos da ordem; outros foram libertados depois de cumprirem a penitência que lhes foi imposta; outros presos e outros ainda emparedados; alguns deles foram entregues à justiça secular, onde foram queimados. Bernard Guido, bispo de Lodove, disse: «No ano do Senhor de 1310, a 6 de maio, pelo arcebispo de Senonense e os seus sufragâneos reunidos em Paris no Conselho Provincial, os templários foram julgados e condenados, e pelas suas próprias confissões como impenitentes na sua profana e nefasta profissão, foram entregues ao braço secular e queimados publicamente; mas, por tudo isso, havia uma coisa admirável e particular, que era que cada um deles se retratava das confissões que haviam feito anteriormente no tribunal, dizendo que haviam confessado o que era falso, sem dar outra razão para isso a não ser que a violência e o medo do tormento os haviam obrigado a dizer contra si tais coisas». De qualquer forma, apesar de não haver provas diretas e verdadeiras que sustentassem as acusações, a hora do Templo havia chegado.

No Concílio Geral de Viena, o Papa Clemente V dissolveu a ordem, perdoando os pecadores «arrependidos» e condenando e perseguindo outros não tão inclinados ao arrependimento [4]. Neste mesmo concílio decidiu-se que os bens que antes pertenciam aos templários deveriam ser aplicados e concedidos com certas condições e pactos à Ordem do Hospital de Jerusalém de São João, com exceção dos reinos de Castela, Portugal, Aragão e Maiorca, que estavam obrigados a lutar contra os árabes e defender as fronteiras.

Nem uma lança templária se levantou contra essa sentença injusta. Nem uma só espada foi desembainhada para libertar o último Grão-Mestre da ordem, Jacques de Molay. Após sete anos de torturas e privações, o ilustre prisioneiro foi conduzido para a Ilhota dos Judeus, no meio do Sena, onde já havia sido levantada a pira que teria de iluminar a noite. Era 19 de março de 1314 e o espetáculo foi servido. Jacques de Molay e os seus dois companheiros tiveram que suportar todos os tipos de insultos, enquanto eram conduzidos ao suplício pela guarda real. Ao seu redor, as pessoas aglomeravam-se para ver os aliados de Satanás, aqueles que comiam crianças cruas e realizavam atos sacrílegos. Talvez, pensou a multidão, usariam os poderes que o diabo lhes havia outorgado para se salvar… Sim, talvez hoje poderiam presenciar algo extraordinário…

E assim foi: o público não ficou defraudado, porque o Grão-Mestre enfrentou a morte com uma serenidade e integridade extraordinárias. Enquanto viu o fogo preparado, tirou a roupa sem vacilação e proclamou em voz forte e clara que era culpado porque tinha sido fraco e tinha cedido por medo dos tormentos, mas a Ordem do Templo, a «sua ordem», era completamente inocente das acusações que a incriminavam. Em seguida, pôs-se ao caminho totalmente nu, com presteza e boa aparência, sem tremer em absoluto, embora muitos o tenham sacudido e empurrado. Antes de amarrá-lo ao poste, disse aos seus algozes: «Pelo menos deixem-me juntar um pouco as mãos, pois este é o momento propício. Vou morrer logo; Deus sabe que é equivocadamente. A desdita viverá com aqueles que nos condenam sem justiça. Morro com essa convicção. A vós, senhores, virem a minha cara para Notre-Dame, eu imploro». O seu pedido foi atendido, e a morte o envolveu com o seu manto tão docemente, que todos ficaram surpreendidos.

Notre-Dame de Paris e o Sena em 2011. Creative Commons

E este foi o fim. As várias ordens militares da época acolheram no seu seio os cavaleiros templários que solicitavam a sua entrada e, pelo menos de forma aparente, tudo deu em nada.

Desde então e até aos nossos dias, muitos se declararam os legítimos sucessores da ordem fendida e foram celebradas, inclusive, cerimónias de ordenação templária [5]. Sobre a suposta filiação dos atuais cavaleiros templários disse Wilcke: “Os atuais cavaleiros templários de Paris pretendem descender diretamente da antiga ordem e tentam prová-lo por meio das suas regras internas, ensinamentos secretos e outros documentos. Segundo Foraisse, a maçonaria nasceu no Egipto e Moisés comunicou os seus ensinamentos aos hebreus, Jesus aos apóstolos, e assim chegaram até aos templários. Todas essas invenções são necessárias aos templários parisienses para sustentar a sua pretensão, sem que as apoie a História, pois todo este artifício foi urdido no Capítulo superior de Clermont sob a proteção dos jesuítas, que naquela época tinham o favor dos Stuarts. Enquanto isso, os legítimos cavaleiros templários haviam escapado durante cinco séculos, toda a indagação, e celebrado reuniões trienais em Malta. Reuniam-se em número de treze e vinham de vários países, com prévia convocatória do Grão-Mestre. Diz-se que nestas reuniões se tratava dos destinos políticos e religiosos das nações, pois entre os reunidos havia algumas cabeças coroadas.

A propósito destes supostos sucessores, não deixa de ser gracioso, como o próprio Geraldo de Séde nos conta que foi convidado para a receção de um templário. A sua curiosidade chegou ao limite quando soube o nome do «noviço»: D. Jaime de Mora y Aragón, o mesmíssimo irmão da rainha da Bélgica. Gérard de Séde termina o seu relato com estas palavras: «Não cuspiu na cruz. Também não sobre o uísque».

Nunca saberemos exatamente, o que foi na realidade a ordem dos templários, pois o véu de mistério cercou já desde o seu princípio, tão insólita ordem. Perante tais circunstâncias, é fácil deixar-se levar pela fantasia ou pelo desejo de descobrimento sensacionalista que forneça alguma «luz» sobre o assunto (além de obter ganhos substanciais, vendendo livros a bom preço que acabam não sendo tão «esclarecedores»).

A verdade é que não se muito bem, a relação que pôde existir entre os ashashins do Velho da Montanha e os templários [6], nem tampouco as verdadeiras intenções que impulsionaram Filipe, o Belo, na sua perseguição contra o Templo. Primava nele o desejo de uma França mais sólida e pretendeu juntar o poder na sua pessoa? Foi habilmente «manejado» para impedir a expansão de certas ideias que poderiam ter resultado perigosas para certas pessoas? Foi facilmente o rancor pessoal de que os templários se recusaram a admiti-lo no seio da ordem? Será que jamais pôde esquecer que numa ocasião lhe salvaram a vida durante uma revolta popular? Tampouco se conhece o que revelaram ao Papa Clemente V, os 72 templários que ele mesmo interrogou em Poitiers; as atas destes interrogatórios estão, ainda hoje, nos arquivos secretos do Vaticano. Sabe-se apenas que, a partir deste momento, Clemente V mudou radicalmente de atitude e declarou-se abertamente contra os templários. Também é um enigma se Colon conhecia, através de mapas da ordem, a localização exata do continente americano; certo é que levou gravado nas suas velas, o símbolo por excelência do Templo: cruzes vermelhas com braços iguais potentes. E o tesouro dos templários? Está em Gisors?

As caravelas da primeira viagem de Colon, em gravura do alemão Gustav Adolf Closs de 1892. Domínio Público

Poderíamos continuar jogando aos enigmas durante horas a fio, lucubração após lucubração, se não fosse o facto, de que tal coisa não leva a lugar nenhum. O que parece certo é que os templários foram a origem das confrarias. Precisavam de obreiros cristãos nas suas encomiendas [uma concessão de recolhimento de tributos] distantes, e os organizaram de acordo com a sua filosofia, dando-lhes uma regra chamada «dever». Estes obreiros, que não levavam espada, vestiam de branco; no entanto, participaram nas cruzadas edificando cidades formidáveis no Médio Oriente, de acordo com o que se chama em arquitetura de «aparelhamento dos cruzados». Aí adquiriram métodos de trabalho herdados da Antiguidade que serviram na Europa para construir igrejas góticas [7]. E não apenas ergueram monumentos que desafiavam o horizonte: também conservaram e propagaram os conhecimentos e os princípios da virtude, sempre reunidos secretamente e rindo das loucuras do seu século e do seu tempo. As acusações, as torturas, as confissões, as retratações, a fortaleza diante da fogueira, o mito, a lenda… que há de verdade em tudo isto? Possivelmente, o mais verídico sobre os templários seja a lenta gestação de um sonho; o sonho de uma sinarquia universal expandida em todo o mundo, baseada em três aspetos: um só povo, um só monarca e um só pontífice. Isso exigia uma federalização de todos os Estados europeus, que seriam regidos por um governante escolhido de acordo com os princípios da lei divina; e no que diz respeito à religião, um único pontífice uniria as três grandes formas religiosas: judaísmo-cristianismo-islamismo. Mas foi nisso que ficou. Um sonho. Um sonho que iluminou nas noites de todas as épocas, aos homens de visão aberta, sendo transmitido oralmente, de mão em mão, de coração em coração. Sempre presente e sempre escondido. Um sonho que está entre nós e nos guia na obscuridade, que faz valente o temeroso e o fraco converte-o em forte. Um sonho, em suma, que só precisa ser sonhado com verdadeira força para despertar de novo.

Carlos Adelantado

Presidente Internacional da Nova Acrópole

Publicado na Biblioteca Nueva Acrópolis em 15-02-2024

Bibliografía

Los templarios. Regine Pernoud. Buenos Aires, 1981.

Historia universal. César Cantu, Barcelona.

Dissertações Históricas sobre a Ordem e a Cavalaria dos Templários. Sr. Pedro Rodríguez Campomanes. Madrid, 1757.

Apologia aos Templários. J. M. Plano. Barcelona, 1986.

A mística solar dos Templários. Juan G. Atienza. Barcelona, 1983.

O Enigma dos Templários. Vignati/Peralta. Barcelona, 1975.

Os templários estão entre nós. Gérard de Séde. Barcelona, 1985.

Ísis sem véu. Helena P. Blavatsky. Barcelona, 1985.

Anotações

[1] Há historiadores que afirmam que Fulque d’Angers se juntou ao grupo em 1120 e Hugo I em 1125. Há também outros historiadores que divergem sobre os nomes dos companheiros de Hugh de Payns.

[2] A planta baixa dos pagodes de Madur e Varanasi tem a forma de uma cruz com braços iguais.

[3] Nos seus estatutos secretos (primeira parte, artigo 8º) lê-se: «a Igreja do Cristo verdadeiro no tempo do Papa Silvestre». Silvestre II, anteriormente chamado Gerbert d’Aurillac, foi um alquimista que ainda não se sabe como conseguiu sentar-se na cadeira de São Pedro. Segundo a tradição, chegou a possuir uma cabeça falante que mais tarde viria para as mãos do franciscano inglês Roger Bacon e, de aí, para as de Alberto, o Grande, o famoso ocultista alemão que foi professor de São Tomás de Aquino na Sorbonne. Quando morreu Gerberto, o papa amaldiçoado, o seu corpo foi desmembrado e colocado numa carroça puxada por bois para ser enterrado onde os animais parassem; os bois pararam em frente à igreja de Latrão e aí ele foi sepultado.

[4] Há aqui um facto curioso: se a ordem era culpada e se era imposta a sua dissolução, não eram culpados, então, todos os membros da ordem? E se se admitia que alguns eram inocentes, porquê dissolver a ordem?

[5] A ordenação templária data apenas dos anos de 1735 a 1740, e seguindo as suas tendências católicas, estabeleceram a sua residência principal no colégio jesuíta de Clermont, em Paris, para o que foi chamado de rito de Clermont.

[6] Os ashashins eram uma força de choque que servia para proteger o assentamento de centros de cultura fatimita, nos quais foi desenvolvido o estudo de uma ciência universal e sincrética, prevalecendo o princípio da religião única sobre os diferentes credos religiosos.

[7] Em Paris, os irmãos viviam dentro do recinto do Templo ou no bairro vizinho, onde desfrutavam de franquias, e que permaneceu durante 500 anos, o centro dos obreiros iniciados.

Imagem de destaque: Balduíno II de Jerusalém cede o Templo de Salomão a Hugo de Payens e Godofredo de Saint-Omer. Domínio público