São outra forma de ciclo, embora repetido num breve tempo que nós, humanos, calculamos como sendo de 24 horas. Este ciclo produz muito menos medo do que o outro maior das estações. Este é notado com mais assiduidade, e embora a nossa memória seja débil, pode recordar de um dia para o outro, de uma noite para a outra. Esta possibilidade de memória retira o medo.
O dia e a noite associam-se com a atividade e o descanso dos seres vivos. Embora todos os seres estejam sujeitos ao cansaço e devamos combinar o trabalho com o descanso, é bom que a Natureza no-lo recorde ao assumir ela mesma formas externas que nos induzem a uma ou outra coisa.
O dia começa quando aparece o Sol, e isto é um convite para os mais variados trabalhos. A pedra expande-se; a planta começa o processo da sua fotossíntese; os animais emitem os seus sons peculiares e saem em busca do sustento diário. E nós homens… fazemos o que podemos, embora o fundamental seja a sensação de que devemos fazer algo enquanto brilha o sol.

 

O dia. Pixabay


A noite começa quando o sol se põe. Então contrai-se a pedra, as folhas dobram-se, os animais ficam em silêncio e procuram refúgio nas suas covas ou ninhos; e os homens, também se sentem vencidos pela necessidade de descanso e de sono.

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Este é outro dos jogos de Maya; trata-se de uma piedosa ilusão, pois o nosso dia e a nossa noite não são valores absolutos; enquanto eu tenho luz, há lugares da terra que estão às escuras; e quando for noite para mim, o sol brilhará em outros pontos. Mas esta ilusão ajuda a manter o ritmo vital.
O homem é tão desordenado que, sem o padrão do dia e da noite, cairia em algum dos dois extremos: ou a abulia absoluta ou a atividade desenfreada. Nos homens cegos por Maya, a lei da paixão vence a lei da atividade: assim é como a paixão induz à ação excessiva ou à inação, sem ter em conta, de nenhum modo, o equilíbrio do justo meio.
Contudo, assim como a Natureza nem sempre consegue impactar a mente dos homens fazendo-os compreender o misterioso ritmo das estações, também não tem um sucesso absoluto quando se trata de lhes imprimir o ritmo de ação e descanso.
Nos homens dominados pela paixão da abulia, a vida é uma perpétua “noite”, onde não é que haja inatividade absoluta, porque isso é impossível, mas na qual falta a boa atividade, aquela que cria e produz. Por outro lado, a falta de ocupações úteis dá origem a um desenvolvimento exacerbado dos instintos e das baixas emoções, usando todas as horas do dia a imaginar novos gozos e prazeres psíquicos… sempre e quando não lhe exijam demasiado esforço.
Esta “noite” psicológica é muito semelhante à morte; a consciência continua tão adormecida como se nunca tivéssemos aparecido na vida. E a Maya não lhe interessa que os homens morram demasiado cedo; uma das suas agulhas virá para ferir o abúlico e retirá-lo da sua letargia.

A noite. Pixabay


Nos homens dominados pela paixão da atividade incessante, o orgulho é aliado da ação, e parece ser cobarde ou tolo parar um só instante na louca corrida da vida, ainda que nem sempre se saiba exatamente o que se está a fazer, nem para quê ou porque se faz. Esta atividade sem descanso, a do perpétuo “dia”, acaba por destruir as forças físicas, psicológicas e mentais do indivíduo, ou seja, outra forma de levá-lo à morte. E a Maya não lhe interessa que os homens morram demasiado cedo…
O ciclo dia-noite converte-se assim numa energia indicadora para nos pôr em movimento e para cessar o movimento, como um todo, de acordo com o plano geral do nosso ambiente circundante.
A força do exemplo é um grande professor; Maya aproveita esta força. O que faz a Natureza, todos fazemos, ou pelo menos, sentimos uma grande necessidade de o fazer, e um grande desassossego quando não o fazemos.


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Segundo as distintas condições humanas, alguns apreciam mais o dia e outros mais a noite.
Os que amam o dia e a luz do Sol defendem o brilho vivificador que dá cor e calor às coisas. Abençoam a possibilidade de ver, de admirar, de desfrutar a paisagem, o som, a clareza das formas.
Os que amam a noite e a luz da Lua agradecem esse manto de piedosa escuridão que torna belas todas as coisas, e esse clarão platinado e ténue que cria sombras misteriosas e vagos murmúrios ao ritmo dos nossos passos. Embora seja verdade que já não brilha o Sol, vêm-se, no entanto, as estrelas, que permanecem ocultas durante o dia.
O dia e o sol são a exaltação da vida manifesta, a adoração do mistério da criação, expresso na sua beleza máxima. A noite e as estrelas são a representação do outro mistério cósmico e infinito, refletido num céu cheio de mundos distantes que nos fazem sentir pequenos perante a imensidade. Durante o dia, vemos melhor a Terra e a nós mesmos, e isto é necessário. Durante a noite, as sombras impedem-nos de ter uma visão próxima, e lançamo-nos melhor no espaço sideral; e isto também é necessário.

Floresta noturna. Pixabay

Por isso Maya joga com os ciclos. Por isso é tão difícil escolher. Por isso é tão difícil ser juiz e parte quando se trata de estar imersos nesta roda que gira, convidando sucessivamente a dormir e a despertar, segundo a posição relativa dos seus raios.
Se retirarmos os véus e aprendermos a ver este pequeno ciclo de sono e vigília, poderemos saltar para a grande dimensão do outro ciclo da vida e da morte.

Delia Steinberg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole