Para o ser humano, viver em sociedade constitui uma necessidade. Costumamos dizer que o ser humano é um “animal social”*, ou seja, que necessita de socializar, de viver com, ou de conviver. Mas, desde sempre viver em sociedade constituiu um grande desafio e, hoje, talvez mais do que antigamente, observamos como a dificuldade aumentou.

Observamos ainda que, mesmo as pessoas que vivem muito perto umas das outras, ainda mais graças às novas tecnologias, não se conhecem verdadeiramente e sentem-se mais isoladas do que antigamente. Têm dificuldade em dar-se bem umas com as outras, criar relacionamentos afetivos, respeitarem as diferenças, e expressarem coerentemente aquilo que sentem e pensam, revelando uma enorme dificuldade em ouvir os outros, com atenção e interesse.

Hardware, software, códigos que estão muito presentes no nosso dia a dia. Creative Commons

Observamos também que, apesar da internet e o telefone ter facilitado a comunicação entre comunidades e países, ainda continua a haver motivos de disputa e de conflito.

Estamos, portanto, diante de um problema de convivência humana, e as suas raízes deverão ser procuradas dentro do ser humano.

“O homem é um ser político e está na sua natureza o viver em sociedade.”

Aristóteles

Tóquio, no Japão, a maior área metropolitana do mundo. Em 2014, mais da metade da população mundial vivia em aglomerados urbanos, nível que vai chegar a 70% até 2050, segundo as Nações Unidas. Creative Commons

Onde está a raiz do problema?

Será que, começando por nós mesmos, estamos preparados para uma boa convivência?

E se começando pelo mais fácil, ou seja, por aqueles que não são muito diferentes de mim. Será que consigo conviver bem com eles?

Como é a minha convivência com a minha família?

Como é a minha convivência no meu trabalho?

Como é a minha convivência com os meus amigos?

Como é a minha convivência quando conduzo, na estrada?

Será que eu sou uma pessoa de fácil convivência?

Os seres humanos muitas vezes vivem em família criando complexas estruturas sociais e abrigos artificiais. Creative Commons

E se quisermos ir ainda mais fundo na questão:

Será que eu convivo bem comigo mesmo?

Estas questões colocam-nos o problema numa perspetiva talvez mais útil para nós. A ideia é começarmos primeiro por colocar o problema em nós mesmos. Para que haja uma boa convivência fora de nós é necessário assumirmos que o problema pode estar em nós, no nosso interior.

A ideia é começarmos por colocar o problema em nós mesmos. Para que haja uma boa convivência fora de nós é necessário assumirmos que o problema pode estar em nós, no nosso interior.

Três ideias chave:

  1. O que mais atrapalha a nossa convivência com os outros são os nossos defeitos, os nossos vícios e as nossas sombras interiores.
  2. O homem que se cultiva e domina a si mesmo, é capaz de, no convívio, aprender a identificar aquilo que é próprio.
  3. Cada uma das nossas relações exige uma postura interna diferente.

Ainda que nos custe um pouco aceitar, a verdade é que dentro de nós existe conflito, falta de compreensão, preocupação, atenção e respeito mútuo entre as diferentes facetas que habitam em nós. Enquanto estas diferentes facetas não estiverem sob o nosso domínio, ou enquanto não tentarmos ativamente, criar um clima de concordância entre eles, para que vivam e deixem viver, será muito difícil que as nossas relações pessoais melhorem.

Quando nos preocupamos com este aspeto dentro de nós, passamos a estar despertos, também, para aquilo que gera discórdia ou concórdia à nossa volta. Aprendemos ainda, que cada ser humano, ainda que seja igual como Ser Humano, é também diferente, e gosta de ser tratado como diferente, ou seja, gosta que olhem para ele como um individuo único, com os seus interesses, opiniões, perspetivas, sonhos, méritos etc. As pessoas não gostam de quem as olha e trata da mesma maneira que trata todas as outras. Esse comportamento revela-nos falta de empatia, desconhecimento da natureza humana, falta de sensibilidade para o detalhe, e uma falta de interesse humano genuíno.

A verdadeira convivência é sempre uma prova para nós. Os elementos mais pontiagudos da nossa personalidade vão friccionar com os dos outros, o que vai gerar desconforto e mesmo dor, mas graças a isso, a nossa personalidade vai sendo limada, aperfeiçoada e, com o tempo, tornamo-nos todos um pouco melhores e mais unidos. Claro que isto nem sempre se verifica na realidade, não por não funcionar, mas antes pela falta de interesse e vontade em melhorar as nossas relações.

Ainda se julga hoje, que através de regras mais apertadas, apoios económicos dos estados e melhores meios ao nosso dispor, resolveríamos o problema de convivência humana. Contudo, reparamos que, apesar de hoje termos (quase) tudo, ainda assim continuamos a não saber o essencial de uma boa convivência humana. Enquanto não formos à raiz do problema dentro de nós próprios, procurando eliminá-lo, ele não deixará de acontecer à nossa volta.

“A nossa compreensão de que somos todos diferentes ajudar-nos-á a consegui-lo (uma boa convivência), pois a convivência não se dá jamais entre iguais, mas entre desiguais que têm muito que partilhar, quer dizer, que têm elementos de interesse mútuo.”

Jorge A. Livraga

Os bons costumes para melhorar a convivência

  • Construir dentro de nós uma postura de respeito e de humildade para reconhecer aquilo que é nobre

Mesmo quando não há uma boa convivência, mas há o mínimo de respeito entre as pessoas, observamos que o conflito não chega a manifestar-se. Infelizmente é mais fácil respeitar aqueles que consideramos dignos de respeito, e mais difícil prestar respeito àqueles que consideramos indignos. Mais facilmente respeitamos um alto funcionário de uma empresa, do que um sem abrigo que pede dinheiro ou comida à beira da estrada. Muitas vezes não nos apercebemos da falta de respeito que temos para com pessoas que nunca nos fizeram mal. Não devemos cair no erro de tratar seres humanos como animais ou robôs, porque com essa atitude criamos, nos outros, sentimentos de inveja, desdém e vingança. Todo o ser humano é digno de um mínimo de respeito, devido à sua condição e, por isso, devemos considerar o respeito mútuo como a base da convivência.

Cultivando esta atitude de profundo respeito pela condição humana, com todas as suas virtudes e defeitos, leva-nos a uma posição interior de humildade extremamente importante, por nos ajudar a reconhecer, dentro e fora de nós, aquilo que conduz ao bem. Essa visão do que é bom para o todo, para os outros e também para mim, só surge quando o nosso ego toma consciência da sua própria condição de imperfeição.

  • Preservar o espaço e tempo de cada um como ser individual. Saber estar sozinho.

Ao aprender a estarmos sozinhos, aprendemos a conviver com as várias facetas dentro de nós. Apercebemo-nos que dentro de nós há momentos de inspiração, de tristeza, de euforia, de reflexão, etc., e que nem sempre estamos disponíveis para certas coisas. Aprendemos a dar-nos espaço e tempo para nós mesmos e para as nossas coisas. Quando entendemos isto, facilmente nos tornamos mais sensíveis a este aspeto, na relação com os outros.

  • Saber quais são os nossos limites. Quanto mais os sabemos, mais flexíveis nos tornamos.

Por vezes acontece-nos, no trabalho, alguém ser incorreto connosco e, em vez de mantermos a calma e respondermos de forma diferente, mantendo um estado mental e emocional equilibrado, perdemos o controlo e reagimos mal. Isso acontece, ou porque desconhecemos o que nos faz perder o controlo, (alguns dos nossos limites), ou porque não conseguimos manter-nos num estado psíquico equilibrado. Em ambos os casos, o remédio é aprendermos a conhecer um pouco melhor quem somos. Quando sabemos quem somos e o que nos faz perder o controlo, facilmente arranjamos estratagemas para contornar essas limitações e nos tornamos naturalmente mais flexíveis com os outros.

  • Conhecer as pessoas com tudo aquilo que fazem e dizem. Esperamos das pessoas aquilo que elas não nos podem dar.

Criamos expectativas sobre as pessoas e reclamamos quando elas se mostram diferentes do que imaginávamos.  Isto acontece muito porque o olho da nossa consciência está quase sempre fixado naquilo que somos, queremos, pensamos, sentimos e não nos apercebemos do mundo que está à nossa volta. Para desenvolvermos esta aptidão, é bom darmo-nos o desafio de cuidar de uma pessoa, de uma planta, ou de animal. Isso obriga-nos a retirar um pouco dessa atenção, centrada só em nós mesmos, para alguém fora de nós. Aprendemos, assim, a observar em profundidade, conseguindo sentir o que vai no outro, e isso ajuda-nos a criar uma imagem mais realista sobre aqueles com quem lidamos no dia a dia, para além de nos ajudar a aprofundar relacionamentos.

  • Aprender com os virtuosos a virtude e com os desvirtuoso os defeitos a corrigir em mim mesmo.

É graças à convivência que vamos crescendo. Vamos aperfeiçoando as características da nossa personalidade. Os tempos que correm, com as novas tecnologias, o crescente individualismo e a falta de interesse por relações verdadeiras e profundas, não são favoráveis a este desenvolvimento. Cabe a cada um de nós inverter essa tendência dos tempos atuais.

“A nova convivência deverá caracterizar-se pela capacidade de cada indivíduo – e dos grupos que estes formam – de viver e deixar viver… sem que acreditem por isso serem pessoas quase santas, mas tão somente simples e autênticos seres humanos.”

Jorge A. Livraga

A cortesia para melhorar a convivência

  • Ser ao mesmo tempo refinado internamente como externamente.

Ter boas maneiras e bons costumes, mas que estes sejam um reflexo de uma atitude de benevolência interna desinteressada. Quando o homem se presta a abrir a porta a uma mulher, não o faça para melhor a seduzir, mas pela natural atitude protetora e generosa do homem que gosta de dar o melhor de si, mesmo que ninguém o reconheça.

  • Dizer a verdade, mas também saber o momento de a colocar.

Devemos ser verdadeiros nas atitudes e palavras, mas, ao mesmo tempo, saber esperar pela recetividade do outro. O empregado que interrompe a reunião do seu chefe para lhe dizer que não gosta de trabalhar na empresa e que se vai despedir, o marido que encontra a sua mulher em lágrimas e lhe diz que teve um péssimo dia de trabalho, o estudante que faz uma observação depreciativa do professor, quando este se esforça por explicar a matéria pela terceira vez, são alguns exemplos de como a verdade pode cair mal se não for dita da maneira e no momento mais adequado. Nestes casos recomenda-se a adoção de uma posição recetiva e sensível ao estado de espírito do outro.

“Adverte os teus amigos com franqueza, mas aconselha-os com doçura.”

Confúcio
  • Cultivar a benevolência para inspirar nos outros o melhor deles mesmos.

Onde quer que estejamos, seja no trabalho, na escola, no hospital, na família, há que procurar inspirar nos outros o melhor, através do bom exemplo e das virtudes que cultivamos em nós.

No mundo das relações humanas há uma crescente falta de cortesia que se reflete em comportamentos cada vez mais indelicados, produto de estados emocionais e mentais cada vez mais descontrolados. Pensa-se, hoje, que a falta de controlo e indelicadeza são reflexo de uma pessoa autêntica: “que diz e faz o que pensa conforme lhe apetece, porque é livre”, mas tal liberdade não passa de uma prisão para a alma porque é criação dos instintos e desejos animalescos da personalidade.

É nosso dever, hoje, quebrar esta crescente tendência do bruto e do animalizante para mostrar ao ser humano que é capaz de mais e melhor.

  • Desenvolver o poder da influência e o poder da sensibilidade.

Ter a capacidade de chegar até aos outros no momento certo e de dizer a palavra certa. Desenvolver melhores recursos para poder ajudar as pessoas. Influenciar positivamente sem manipular.

“Cultiva a gentileza dinâmica que torna os outros em gentis”

N Sri Ram

Estes são alguns conselhos e recomendações que vários filósofos e mestres de todos os tempos nos deixaram e que nos podem ser extremamente úteis, hoje, numa época histórica em que a convivência e, até mesmo o contacto humano, caiu em desuso. Voltamo-nos, uma vez mais, para o ideal de fraternidade, um dos princípios da Nova Acrópole, e a sua importância para o futuro da humanidade.

Carlos Ramos

Imagem de destaque: Jovens interagindo em uma sociedade diversa do ponto de vista étnico. Creative Commons