Há vários séculos atrás que as correntes filosóficas atribuídas aos problemas éticos vinham a desenvolver-se na velha Grécia, porém não chegaram a surgir com tanta apoteose senão durante o esplendor do Império Romano. Estamos a referimo-nos, sobretudo ao estoicismo. Esta escola, fundada por Zenão de Sitium, foi destinada a fazer maravilhas de realizações empíricas dentro do espírito humano. Ela não fez filósofos especulativos; fez homens que sabiam como viver com a Vida da alma. Mesmo no nosso mundo atual quando nos queremos referir com admiração a alguém, exclamamos: “parece-se com um estoico”… quanta verdade, nesta simples afirmação!

Zenão de Sitium, escultura da Coleção Farnese, fotografada por Paolo Monti em 1969. Creative Commons

Conscientemente colocados em espírito sob a vontade dos seus deuses, cumpriram-na sem se queixarem, conhecendo as leis matemáticas do cosmos, que não dá a ninguém menos nem mais do que o total da sua conta individual. Nem faziam de Deus, aquela coisa fria quase inexistente – heresia filosófica – mas o uniam ao mundo por Ele criado, de tal modo que em cada coisa viva podia ver-se um pouco do batimento cardíaco divino. Tudo está tão matematicamente controlado para o estoico que essa adivinhação é apenas uma questão de calculo. Estes homens de metafísica profunda – mesmo que seja recusado – sabiam como Platão que era necessário ter fé nas faculdades humanas, e crer nas possibilidades que nos foram outorgadas para alcançar o conhecimento; porque o homem é um deus acorrentado, que embora tenha perdido a suprema virtude do seu brilho, conserva, no entanto, a recordação do seu passado de esplendor, que está a tentar reencontrar vivendo. Não sabe como o perdeu na realidade nem onde, nem quando, mas sabe como reconquistá-lo novamente.

O passado obscurece-lhe a visão do seu terrível colapso, mas o futuro sorri-lhe, mostrando-lhe como voltará a ser o soberano do seu Reino interior. O caminho está aberto para a frente. Existe um só sine qua non para empreender a marcha, e é o da Virtude. Não se pode aspirar à possessão de uma montanha de diamante enquanto se vive embutido num pântano. É necessário primeiro sair, libertar-se deste último, representação metafórica do mundo objetivo, ou, como diriam os hindus, mayávico. Por isso, o que mais se admira no estoico é o seu porte, sua conduta diante do mundo, e perante cada um dos seus homens. Vadeia as situações mais difíceis com nobreza e valor. Sabe que vive num sonho, o do seu exílio, mas sente-se personagem celeste, e age como tal na ilha onde cumpre a sua pena. Olha com desdém para esta terra, porque sentindo-se rei todo poderoso, nada de tão paupérrima região pode incitar seu desejo, ele despreza tudo o que tem a cor da objetividade, porque ele mesmo quer ser o seu único objeto, e não admite a presença de outro. Pronto para as mais altas renúncias, seja para usar as vestes majestosas de um purpurado, seja para habitar as vilas miseráveis da baixa Roma como um mendigo. Não o assustam os diferentes trajes que como encarcerado, deve vestir. Ele sorri sempre, e tem por amigas as mais altas-estrelas, suas irmãs. Magoado perante a cegueira dos homens que não reconhecem a sua natureza divina, esquece a indiferença do cínico em relação à política, e ele que aspira ao reino celeste, trata de compor o reino humano o melhor possível, como um meio que, convenientemente adequado, possa projetar as almas para o seu verdadeiro País de maravilhas; o espírito. O estoico é um soldado que quer ganhar a batalha contra as sombras do mundo que travam a sua ascensão à Luz. Pouco importou ao Grande Séneca abrir-se às veias e morrer frente ao pior dos seus discípulos, Nero, que não acreditava na força da sua alma nem no desprezo do seu Mestre pela vida sensível. Sábio impassível, converteu a sua agonia no melhor de todos seus ensinamentos, e morreu sorrindo. Vida notável também a do escravo liberto Epicteto, e coroa de todas, a do célebre Imperador Marco Aurélio.

Esta doutrina semeou nos sulcos do mundo o Ideal moral humano. Sob que mantos de indiferenças dormem, esperando suas sementes? Cabe-nos a nós descobri-las, e fazer, que já crescidas, perfumem com as suas flores as nossas celas, para que intuamos através delas, a glória apoteótica da nossa perdida Liberdade. E nos decidamos a procurá-la.

Publicado no Nº 22 da revista Estudios Teosóficos,
Diretor Jorge Ángel Livraga Rizzi, ano 1963,
Argentina.

Imagem de destaque: Personificação da virtude na Biblioteca de Celso em Éfeso, Turquia. Creative Commons