É mais subtil que a terra e a água, e por isso mesmo, apresenta um aspecto muito mais frágil. É mais móvel que a terra e a água, porque é mais subtil e porque aparenta ser mais frágil. Porém, Maya voltou a brincar com os nossos sentidos: o ar é mais subtil, é muito mais móvel que as outras formas de matéria, mas longe de ser mais frágil é, pelo contrário, muito mais forte e poderoso.
Com os nossos dedos de carne, não podemos agarrar o ar… mas ele pode penetrar-nos, penetrar toda a terra, ainda penetrar na água, brincando com todos nós, envolto na magia da sua subtil mobilidade. Quanto menos matéria, menos resistência, menos peso; mais movimento e mais força.
A terra está impregnada de ar. O elemento aéreo tem a propriedade de fazer-se passar através das fendas e gretas mais improváveis. Esgueira-se pelas profundidades do planeta, provoca internos e estranhos redemoinhos que nunca chegamos a ver, e chega ao coração do fogo, que dorme no mais profundo; lá aquece-se e expande-se, para sair então para o exterior, por outras gretas e fendas, mas cheio de energia irradiada, de energia vulcânica, em gêiseres que se levantam no meio do mar, de fumos ou vapores que emergem de repente diante dos olhos atónitos dos homens.
O ar também brinca na superfície da terra. Passeia-se entre as pedras, canta ao lado delas, misteriosas canções, cujos sons não podemos escrever no pentagrama de papel. Esconde-se na folhagem das plantas, e aparece de repente, como uma criança travessa, revelando a sua presença face ao baile prodigioso das folhas e dos arbustos, dos pastos e dos grandes ramos. Brinca com os homens enredando nas suas roupas, a meter-se entre os seus cabelos e a sussurrar-lhes as suas palavras mágicas aos ouvidos. Dança incansável, com passos rápidos ou lentos, como suave brisa ou como turbilhão incontrolável, agachado em redemoinhos vertiginosos. Levanta partículas de pó, cega ao varrer os caminhos, prepara a chegada da chuva…
O ar e a água são grandes amigos, e expressam essa relação das mais variadas formas. Há dias em que o seu encontro se manifesta através da ondulação suave das correntes dos rios, ou das delicadas ondas do mar que vão terminar o seu caminho nas margens. Ajuda as águas a correr: aos rios leva-os ao mar, e ao mar leva-o às suas costas; então participa do constante movimento que é próprio de toda a Natureza. Mas há dias em que água e ar se misturam apaixonadamente: ventos e chuvas, ondas e trombas de água, rios a transbordar, tempestades marinhas prodigiosas falam-nos da tremenda força dessa paixão. É então quando os elementos mostram toda a sua potência e quando assustam os homens, que se evidencia a raiz cósmica que os alimenta. Se o homem soubesse procurar a sua própria raiz, entenderia a água e o ar das tormentas, mas como o homem se encolhe na sua caixa de carne, é varrido e afogado por aquelas outras forças que, naturalmente, o ultrapassam no material.
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Para os sábios de velhos mundos, o ar era o símbolo da força psíquica. Ar era emoção, sentimento, paixão, a mobilidade inconstante da esfera afetiva. Para o compreender seria suficiente brincar um pouco com o ar e vê-lo atrás dos véus do vento.
As tranquilas brisas recordam-nos o sentimento calmo e afetuoso que preenche de satisfação os humanos, tal como a brisa à natureza terrena. Os suaves sussurros que movem levemente as areias, que enrolam levemente a superfície do mar, ou que movem com graça as verdes folhas das árvores, são muito parecidos com as suaves palavras de carinho que, de vez em quando, os homens sabem pronunciar.
Os ventos tempestuosos e furibundos são a mesma imagem das paixões descontroladas. Elas rugem e atacam, e as paixões gritam e destroem a capacidade psicológica. Face às grandes tempestades de vento – que pressagiam as não menos grandes de água – geralmente nos escondemos para nos proteger. Face às grandes explosões passionais, nós mal temos defesa. Em que espaço mais seguro nos protegeríamos, se não tivéssemos aprendido a viver um pouco mais acima, um pouco mais firme?
Se compreendemos que uma tempestade arrasa com tudo o que encontra no seu caminho, porque não chegamos a conceber que os desejos violentos e incontidos podem arrasar com o nosso próprio ser? Porque temos fé na Natureza e esperamos pelo fim da tempestade, por causa que “não há mal que sempre dure”? E porque, pelo contrário, não temos fé em nós próprios, e caímos à primeira investida dos ventos emocionais?
Grande é a força do ar, que pode com a terra e com a água, que pode com o nosso corpo e a nossa vitalidade…
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Mas temos insistido muitas vezes que os jogos de Maya não são casuais nem descontrolados. O nosso conhecimento é que pode ser casual e descontrolado se não se baseia em leis firmes.
Maya produz as brisas, os ventos e as tempestades, brinca com o ar, mas segue leis que sabem de inícios e finais, que sabem do como, o para quê e o porquê de todas as coisas.
Tomemos o exemplo do simples e tantas vezes esquecido processo da nossa respiração. Cada vez que inspiramos, o ar, com a sua especial vitalidade, penetra nos nossos corpos. A própria inconsciência com que lidamos com a nossa existência física faz com que não interfiramos demasiado neste processo, e assim tudo se cumpre rítmica e matematicamente, segundo a ordem que o ar segue nas suas manifestações superiores.
Entra o ar: entra a energia deste elemento vivo. O ar é distribuído e segue os canais para ele estabelecidos, conjugando-se com o outro ritmo sagrado do coração palpitante, assim como os ventos se conjugam com as chuvas e o mar. Entrega ao ar a sua carga preciosa, recolhe os desperdícios inúteis do nosso organismo e volta a sair para o exterior, quente, quase ardente, como fumos vulcânicos de lama e lava. O ar doou a sua vida e a sua pureza para que nós possamos viver. E nós continuamos a pensar que é por casualidade que temos dois orifícios abertos no nariz…
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O ar está vivo. Vai e vem levando a sua vida a todos os cantos. Penetra a terra e o mar. Insinua-se nas pedras, nas plantas, nos animais e nos homens. Conhece as suas leis e joga a cumpri-las. Canta, desfruta, ri e chora: é suave emoção, arrasadora paixão e sublime sentimento.
O ar sabe de transmutações; sabe rugir com fúria tempestuosa, e sabe de murmúrios agradáveis. E aprendeu a penetrar, da mesma forma, nuns tubos de matéria que o homem fabricou para captar a sua canção.
Por algum motivo, diziam os antigos gregos que a construção de instrumentos musicais era um dom vindo do céu, e agradeciam a Apolo tão maravilhoso presente. Ainda hoje continuamos a fabricar instrumentos: basta soprar e mover pinos para que o ar responda a nossa chamada e cante com os sons de uma flauta, o calor de um oboé ou a aspereza de um trombone.
E nós, que também podemos dominar o ar nestes tubos com pinos e orifícios, quando conseguiremos aprender o mesmo jogo e a dominar o vento das nossas paixões, que corre sem instrumento algum que as contenha?
Delia Steinberg Guzmán
Extraído do livro Os Jogos de Maya. Editorial Nova Acrópole
Imagem de destaque: Sementes do cardo ou dente-de-leão dispersas pelo vento. Creative Commons