É dia festivo, cem mil pessoas se reuniram no Anfiteatro Flávio. Milhões de tijolos e blocos de várias pedras e mármores ergueram este vulcão artificial em cuja seio ruge a multidão sob o artístico tecto de bronze, cristal e sedas douradas orladas de púrpura.
A arena não se vê, pois a imensa superfície está coberta pelas águas que desde a noite anterior fluem por um canal de três bocas. Os pálios e tapeçarias avermelhadas bordadas com águias douradas e machados de prata pendem das varandas de mármore âmbar para as águas sussurrantes. Duas grandes colunas coríntias pairam sobre este lago artificial; sobre cada uma, um escudo de sólida placa de bronze ostentando a imagem, de perfil, do Imperador e da sua esposa. Guirlandas de louros pendem de capitel em capitel, e de ambos os lados, em tripés gregos, arde o incenso da Índia.
De repente, um trovão; as cem mil bocas repetiram o nome de César, clarins estridentes entrecortam o surdo bramido como relâmpagos no meio de tempestuosas e inescrutáveis nuvens. O Imperador do mundo senta-se, junto da sua esposa, no trono duplo confeccionado com os corações de mil cedros do Líbano. Senadores, Cônsules, Lictores, Filósofos, Comerciantes, Soldados e Artesãos saúdam com o braço erguido a sua presença, e assinalam-lhe a mansão dos Deuses, na qual, acredita-se, é protegido o seu poder absoluto. A lendária Guarda Pretoriana, campeã em combates e desfiles perante uma centena de povos derrotados, situa-se, imóvel junto do trono de Roma. Juntamente com as várias centenas de estátuas que contemplam o cenário a partir de todos os níveis de altura, transformaram-se em outras tantas.
Um novo rugido segue a um clarim que dá vários toques curtos. Foi aberta uma comporta, e entrou em cena uma nave que simula ser cartaginesa; o seu esporão de bronze e ferro rompe as águas e os seus cinquenta remos cobrem de espuma os espectadores mais próximos. Guerreiros encouraçados a tripulam, um tridente branco se levanta na sua popa, junto de um altar de pedra.
Trás ela, diante do delírio da juventude e da caída de nuvens de pétalas de rosa, surge veloz uma nave romana. As águias do Império campeiam os seus mastros e um Signifer, à frente de guerreiros de bronze, ergue o seu símbolo, resumo do Domínio, da Justiça e da História.
Por simulacro, ambos navios arremetem-se, disparam flechas um contra o outro, incitam-se violentamente entre o ranger do madeirame e os gritos dos actores, que, nos seus excessos, acabam não poucos, mortos verdadeiramente. Do seio da embarcação cartaginesa surge uma língua de fogo e minutos depois, toda ela é uma fogueira que se afunda nas águas turbulentas e sujas. O barco romano retrocede sob o enérgico golpe dos seus remos e apenas consegue evitar o seu próprio incêndio e destruição. Inundando-se lentamente, afundados os seus flancos e exauridos os seus homens, dá uma volta ao anfiteatro recebendo a ovação de todo aquele povo, generoso no aplauso e na crítica.
Ao passarem em frente ao trono duplo, os guerreiros levantam os seus rostos suados e erguem as mãos doridas; todo o cansaço ou dor é esquecido agora perante o trono do mundo; a marcialidade, a firmeza, o viril entusiasmo substituíram as vis paixões, e o coração desses homens arde como uma tocha mais. Mas o César já não está… acaba de retirar-se, com um olhar triste, rodeado pelos seus filósofos e príncipes, as mãos vazias, aos costados daquele corpo ungido pelas essências de toda a Ásia. A guarda pretoriana imóvel parece não ter notado. Não podendo saudar o Imperador, os heróis saúdam o Trono, e a sua nave, praticamente sepultada em flores, fitas e coroas de louros, sai pelo torrentoso rio que já desagua o anfiteatro.
O tecto é retirado e se vê no seu esplendor o rosado céu da tarde, milhares de pessoas saem de cada uma das muitas portas, as águas arrastam fora do teatro madeiras quebradas, pétalas de rosa e pedaços de metal. Naumaquia… Um povo embriagado de glória, conduzido por um génio torturado, teve uma festa. Todos estão alegres e comentam os incidentes… No seu jardim rodeado por ciprestes e ânforas de mármore pentélico, enquanto ao seu lado arde um bambu chinês recheado de mirra e, um pouco além, o seu elefante favorito saqueia as árvores frutíferas, o César, completamente sozinho, olha tristemente diante de si, as mãos vazias, aos costados desse corpo ungido pelas essências de toda a Ásia.
O nome do autor não aparece
Publicado no Nº 22 da Revista Estudios Teosóficos.
Diretor Jorge Ángel Livraga Rizzi, Argentina, ano 1963
Imagem de destaque: A Naumaquia, Ulpiano Checa. Domínio Público