Continuando com a análise dos símbolos presentes na cartonagem externa da múmia do sacerdote Nesperennub, vemos no centro a representação do chamado Tótem de Abydos ou Cabeça de Osíris.

Cabeça de Osíris no Tótem de Abydos, “Osíris e a Ressurreição Egípcia”, Wallis Budge, página 54. revista Seraphis.png

A lenda diz que o corpo de Osíris foi cortado pelos seus inimigos em 7 ou em 14 partes, e os seus restos mortais foram distribuídos ou estabelecidos como capelas ao longo do Nilo em diferentes locais. Provavelmente referia-se ao estabelecimento do seu culto mistérico numa série de centros por todo o Egito. O número 7 parece estar fortemente associado à lenda de Osíris, por exemplo:

  • Osíris é dividido em 7 ou 14 pedaços, (7×2).
  • Os conspiradores contra ele são 72, (6×12).
  • As proteções em redor de Osíris são 7.
  • Os juízes são 42, (6×7).
  • Os pórticos de acesso que tem de atravessar são 7.
  • As portas que tem de superar são 21, (7×3).
  • Osíris morre aos 28 anos, (4×7).
  • A constelação da Coxa, a Ursa Maior, relacionada a Osíris, tem 7 estrelas.
  • Os espíritos gloriosos que o acompanham são 7.
  • O falcão dourado em que ele se transforma, de acordo com o Livro dos Mortos, m tem 7 côvados de comprimento.
  • O trigo do paraíso tem 7 côvados de comprimento.
  • 7 são as vacas de Hathor que o recebem na vida após a morte.
  • Babai, o protetor de Osíris, defende-o com 77 cães.

Parece, portanto, que esta parte do corpo de Osíris, a sua cabeça, ou seja, o lugar principal, residia em Abydos.

Abydos era para os antigos egípcios como a Jerusalém dos cristãos e dos judeus, na qual muitos queriam ser enterrados. Portanto, os “osirificados”, ou seja, aqueles que aspiravam ou conseguiram alcançar o estado ou título de Osíris, miticamente também queriam ser enterrados em Abydos.

O local exato do enterramento de Osíris é desconhecido. Em todo o caso, durante séculos numa determinada área próxima, a oeste do chamado Osirion de Seti I, encontraram-se vários túmulos antigos das primeiras dinastias egípcias, na área desértica conhecida como “Um el Qaab”:

Um el Qaab. Revista Seraphis

Essa área foi considerada durante milénios como sagrada.

Voltando ao sacerdote Nesperennub, o Tótem de Osíris, representado no centro cartonagem externa da múmia, também possui uma inscrição vertical típica. Começa com as palavras estereotipadas “oferenda dada pelo rei”, da qual participa o próprio Nesperennub (o seu nome aparece na parte inferior). Esta oferenda é dedicada a Osíris:

Imagem Revista Seraphis

A razão disto é que no Antigo Egito apenas havia um sacerdote diante da divindade, um único oficiante: o faraó. Todos os outros sacerdotes oficiavam em seu nome e, portanto, as oferendas eram feitas por cada oferente individual, mas associadas ao nome do faraó como ator principal.

Em ambos os lados desta inscrição e do Tótem de Abydos encontramos duas aves com as suas asas abertas em ângulo. Sempre que as figuras simbólicas aparecem com os braços em ângulo, simbolizam o “Ka”, ou seja, a energia invisível por trás das coisas, com o sentido de proteção. Nesse caso, a ave está pousada no “símbolo do ouro”, o qual nos indica que se trata de um ser divino, já que a carne dos deuses era carne de ouro. Entre as suas asas, tanto na figura da esquerda como da direita, está o símbolo de “Anj”, ou Cruz da Vida, acoplado na sua base a um símbolo semicircular que significa “senhor” ou “dono”, que se refere neste contexto a Osíris, como Senhor da Vida ou Possuidor da Vida, entendida aqui como a vida espiritual.

Imagem Revista Seraphis

Esta imagem é semelhante e tem a mesma posição protetora que a figura desenhada pelo famoso descobridor da múmia de Tut-Ankh-Amon (“Imagem Viva de Amon”), Howard Carter. Está assinada pelo famoso egiptólogo abaixo da ave, e no canto inferior esquerdo tem o nome do deus sol “Amon-Ra”.

Amon-Ra, com a assinatura de Howard Carter no canto inferior direito e o nome da divindade escrito em hieróglifos à esquerda. Revista Seraphis

Diz um texto do Livro dos Mortos, num Hino Introdutório dedicado a Osíris:

Ó Pilar de Milhões de Anos! (Osíris), largo de peito, de aspeto gentil, quem está na Terra Sagrada: Concede poder no céu, força na terra e defesa no mundo dos seres divinos, viajando rio abaixo para Busíris como uma alma viva e viajando rio acima em direção a Abydos como a Ave Fénix

Ser enterrado em Abydos, perto da terra sagrada, viajar rio acima até Abydos, era viajar como uma Ave Fénix que renasce, que volta à Terra dos Antigos, onde o trigo sagrado tem 7 côvados de altura, e onde as Almas de Luz habitam no Horizonte da Luz, vivendo da Luz.

(Continuará)

Juan Martín Carpio

Publicado na revista Seraphis, em 15/11/2022

Imagem de destaque: Osirión, Леон Петросян. De acordo com algumas versões, o túmulo de Osiris está localizado aqui. Creative Commons