“Nada se esconde debaixo do sol. “
Leonardo da Vinci, nascido em 1452, na Itália, em Anchiano, na Toscânia, nas proximidades de Florença, viria a morrer a 2 de Maio de 1519, com 67 anos, em França, no castelo de Cloux, perto da vila de Amboise. Foi em Florença que desenvolveu a maior parte da sua actividade tendo o seu valor sido reconhecido, desde bem cedo, em toda a Itália. Chamado por Ludovico Sforza, fundador da Academia de Arquitetura, em Milão, muda-se para aquela cidade onde vive até 1502. Anos mais tarde, foi para Roma, ao tempo do pontificado de Leão X e, apesar de ter sido nos jardins romanos de Belvedere que executou muitas das suas experiências, em 1517, devido às más condições de trabalho e perseguido pela inveja, pelos ciúmes e pela incompreensão de alguns contemporâneos, abandonou Roma para se refugiar em França, sob a proteção do rei Francisco I, amigo e grande admirador de Leonardo.
Morreu o Homem mas o génio vanguardista continua a surpreender-nos e a iluminar o mundo.
Foi pintor, escultor, arquiteto, matemático, urbanista, físico, astrónomo, engenheiro, químico, naturalista, geólogo, cartógrafo, estratega e inventor; sem dúvida o artista e o homem de ciência mais importante do seu tempo, cuja multifacetada obra é toda impregnada de genialidade. Dotado de uma visão sem precedentes e de um poder criativo futurista, encarnou como nenhum outro o modelo do Homem Universal, símbolo do ideal da época renascentista. Embora mestre em diversos campos, foi na pintura que se notabilizou com verdadeiras obras-primas, como o retrato de “Mona Lisa”, a “Última Ceia”, a “Anunciação” e a “Virgem dos Rochedos.
Ainda que na Idade Média as Sete Artes Liberais da escolástica excluíssem a pintura, considerada, juntamente com o trabalho manual, como uma arte mecânica, Da Vinci reivindicou o valor de excelência da sua arte afirmando que aquele ”que despreza a pintura não ama nem a filosofia nem a natureza. Se despreza a pintura, única imitadora de todas as obras visíveis da natureza, estará certamente a desprezar uma invenção subtil que leva a Filosofia e a subtil reflexão a suportar a Natureza de todas as formas – mar e terra, plantas e animais, ervas e flores…” [2]. E aconselhava: “Não desprezes a pintura, pois estarás a desprezar a contemplação apurada e filosófica do universo.”[3]
Apoiando-nos nas suas próprias palavras, retiradas do Tratado de Pintura, e na observação atenta e particularizada da sua pintura mais famosa, “Mona Lisa”, procuraremos fundamentar a nossa opinião sobre a genialidade de mestre Leonardo e sobre a possibilidade de encontrar todo o Universo num só retrato.
A GENEALIDADE DO PINTOR
Homem do seu tempo, luz viva do Renascimento, Leonardo da Vinci aponta para nós o céu e a terra; com o olhar cirúrgico de Aristóteles, reproduzindo no seu caderno de desenhos todos os mecanismos da vida manifestada, mostra-nos todos os segredos do mundo terreno. Porém, é com o retrato mais famoso da história da pintura, a Mona Lisa, que o mestre nos leva a entender num só rosto aquilo que Platão designava como o supremo arquétipo: Deus em nós ou o ideal da beleza.
Mona Lisa não é um simples retrato de uma jovem mulher florentina, a Gioconda; ela é o próprio retrato do mestre iluminando a sua sombra, imagem etérea das núpcias entre o Espirito e a Matéria, aquilo que no Oriente é chamado a união do yogui com a sua sakti (energia divina ou poder interno), momento de êxtase indescritível e que na arte tem como finalidade a irradiação do Belo. Porque a “lei suprema da arte é a representação do Belo”. [4]
Captar o invisível não é unicamente uma questão de olhar porque, como dizia Leonardo, “a pintura é coisa mental”[5]. A mente é um raio de luz emitido pelo espírito e é através desta luz refletida que iluminamos o mundo. O olho é a lente que fixa as imagens e cada olhar é o resultado da nossa capacidade de entender e compreender a vida. Quanto menos ignorância houver dentro de nós, mais luz irá preencher o nosso vazio e quem ilumina o seu campo torna-se o próprio campo. Ou seja, como explicava, o mestre “jamais o sol pode ver a sua sombra” [6]. Por isso, é preciso observar com total abertura de espírito e ter presente, seguindo a estética taoista, que “tal como a claridade se insinua entre o dia e anoite e a felicidade entre o desejo e o ato, também entre a realidade e a ilusão, a arte caminha no limiar da sombra porque a beleza está do outro lado”.[7]
Leonardo é, sem dúvida, o mais oriental dos artistas ocidentais; semelhante à estética taoista, a sua pintura caracteriza-se mais por aquilo que oculta do que por aquilo que mostra, tal como na poesia chinesa em que as reticências significam que as palavras terminam mas o sentido continua.[8] Para os taoistas o “artista está perpetuamente arrebatando ao tempo o momento passageiro e constrói um monumento no mesmo instante em que este se vai.” [9]
Para qualificarmos o génio criativo de Leonardo Da Vinci nem mil adjetivos nos bastariam se quiséssemos espelhar toda a complexidade de sentimentos que a sua obra desencadeia em nós. No entanto, se quisermos sintetizar, talvez uma palavra seja suficiente: harmonia. Harmonia enquanto conciliação dos opostos, quietude, o motor imóvel de Aristóteles; harmonia enquanto amor, porque a entrega realiza-se sem paixão egoísta revelando o esplendor da dádiva; harmonia som e silêncio, ritmo e repouso, inteligência e comoção, vazio e saciedade, inocência e maturidade, luz e sombra.
E poderíamos, enfim, continuar a enumerar as infinitas variações de estados de alma que surgem frente à pintura de Leonardo. O gozo sensorial e espiritual que produzem as suas obras só tem comparação com a visão da emergência do sol no horizonte, momento único em que todas as forças vivas da natureza despertam em uníssono.
É que, como lembra o mestre, a “pintura deve parecer uma coisa natural vista num grande espelho”. [10]
Para Leonardo, ao contrário das ciências exatas, que podem ser transmitidas pela técnica e pela herança, a pintura só pode ser transmitida àquele a quem a natureza deu o dom (a chi natura no’l concede), pois “não é pintor quem quer, são necessários a aptidão, o dom inato, aquela docilidade da mão que pode responder a todos os movimentos do espírito”. [11]
A matemática, a aritmética, a geometria, o estudo da luz, da cor, da proporção, da anatomia são saberes indispensáveis para ajustar o olhar do artista à ordem do mundo, porém, a pintura não pode limitar-se ao estudo exclusivamente técnico; ela deve procurar ser um espelho da vida, integrando num só tema toda a intensidade do ser que o habita. A harmonia deve ser vivenciada antes de poder ser recreada, pois, na opinião do mestre, a pintura permite reinventar a harmonia do mundo.
A pintura para Leonardo é também imitação, na medida em que deve recrear a beleza do mundo das formas, multiplicar as suas aparições, porque a forma é um sinal, uma linguagem e a expressão visível da alma e do seu criador, assim a pintura tem por propósito fazer aparecer o espírito, já que “o corpo é um espírito momentâneo”.[12]
De acordo com Da Vinci, “o artista deve ser universal, não se deve limitar a pintar o nu, a paisagem ou a repetir sempre a mesma coisa, isto fá-lo-ia cair na rotina e a sua mão agiria sem o auxílio do seu pensamento”.[13] E vai mais longe salientando que ”a coisa mais importante na teoria da pintura são os movimentos apropriados aos estados de alma de cada ser, o desejo, o desprezo, a cólera, a piedade, o corpo inteiro deve falar, por isso devem existir tantos movimentos como emoções”.[14]
O estudo do temperamento, do carácter, da idade, do sexo, da sombra, da luz, da estação, do clima, da proporção e da perspectiva, do número de pessoas ou animais envolvidos num só tema, tudo isso é objeto de profundos estudos aonde os pormenores são tão importante como a visão do conjunto. O artista deve captar a alma das coisas, entregar-se com paciente análise, porque “quando mais conhecemos, mais amamos”.[15]
Leonardo observava e desenhava tudo aquilo que podia reconstituir o drama humano; para isso não poupava esforços e insinuava-se nos lugares mais sórdidos para estudar, por exemplo, o desespero de um condenado à morte, copiando os sinais das pupilas dos olhos dilatadas ou o arco pronunciado das sobrancelhas. Também frequentava as casas mortuárias onde apreendia a anatomia do corpo humano que ele mesmo dissecava.
Mestre do traço e da morfopsicologia, conseguiu reproduzir a fisionomia dos sentimentos. Os desenhos dos esboços que Leonardo realizava no seu bloco são autêntica pintura sem cor.
Entendia que sendo o homem “a medida de todas as coisas… cada parte do todo deve estar em proporção com o todo…” e acrescentava entender o mesmo “aplicável a todos os animais e plantas.”[16]
No seu esboço sobre a batalha de Anghiari podemos observar com que precisão o olhar de Leonardo reproduziu a furor da guerra; a cena é de tal forma realista e cheia de paixão que as imagens se assemelham às imagens 3D do cinema atual. Quando olhamos para este desenho que envolve cavalos retorcidos e cavaleiros em combate corpo a corpo não podemos deixar de sentir toda a atmosfera terrífica deste cenário dramático.
No entanto, o mestre vai ainda mais longe na exigência de um rigor de representação que nos conduza à perceção de todo o ambiente, recomendando, por isso, que se represente “primeiro o fumo da artilharia, misturando-se no ar com a poeira levantada pelo movimento dos cavalos dos combatentes.” [17] É que, para ele, “todo o nosso conhecimento tem origem nas nossas perceções”.[18]
Para Leonardo Da Vinci o rigor impõe um conhecimento profundo, a tal ponto que dedicou boa parte da sua vida aos estudos anatómicos frequentando salas de autópsias e de dissecação de cadáveres, estudos estes iniciados na sua juventude, ainda em Florença.
A este propósito refere: “E se tu tiveres amor por tais coisas, talvez sejas impedido pelo estômago, e se este não te impedir, tu serás talvez impedido pelo pavor de estar durante a noite em companhia de tais mortos cortados e esfolados, horríveis de ver-se. E se isto não te impedir, talvez faltará em ti o bom desenho, o qual pertence a tal representação, e se tu tiveres o desenho, este não será acompanhado com a perspectiva, e se esse assim for, faltará em ti a ordem das demonstrações geométricas e a ordem dos cálculos das forças e virtudes dos músculos. E talvez faltará em ti a paciência, de modo que tu não serás diligente “.[19]
Para Leonardo Da Vinci era impensável a ausência de estudos profundos sobre o que se queria representar. A esse propósito dizia: “ Os que se encantam com a prática sem a ciência são como os timoneiros que entram no navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino”.[20]
A ânsia do rigor levou-o a dedicar-se também ao estudo da ótica. Ao mestre devemos preciosos tratados sobre esta matéria, em cujos estudos se tornou um precursor tanto no domínio do conhecimento da luz e dos seus efeitos como na sua utilização nas artes visuais. A propósito lembrava que “quando mais brilhante for a luz de um corpo luminoso tanto mais profundas as sombras projetadas pelo objeto iluminado”. [21]
E foi mais longe ainda abordando também a anatomia ocular, a fisiologia da visão, a dioptria ocular, a ótica física, o estudo sobre a teoria ondulatória da luz e da sua propagação. Também conhecia a lei da refração, a decomposição da luz, a fotometria, a difração, o telescópio e os espelhos côncavos.
Sobre o olho, parte do corpo a que dedicou particular atenção, admirava-se exclamando: “quem poderia imaginar que um espaço tão pequeno poderia conter as imagens de todo o universo”, aconselhando que, por isso se deva, acima de tudo, “manter a mente tão limpa como a superfície de um espelho”. [22]
Mona Lisa: A quinta essência da Natureza num só quadro
A Gioconda (cujo nome deriva do apelido do marido) representa uma jovem mulher de 23 ou 24 anos, esposa do rico mercador florentino, Francesco del Giocondo. Este quadro, pintado a óleo sobre madeira, foi iniciado em 1502/1503 e nunca foi entregue devido ao facto de Leonardo ter abandonado Florença e ido para Milão em 1506. A obra levou vários anos a ser concluída e viajou com Leonardo quando partiu, em 1516, para o exílio, em França. Sendo adquirida por Francisco I, em 1518. Desde então a Gioconda permaneceu em França encontrando-se atualmente exposta no museu do Louvre, em Paris.
Ora a Gioconda é o “livro da vida” em que Leonardo expôs todo o seu saber e a sua alma e, talvez por isso, nunca tenhamos conseguido desencriptar totalmente o seu mistério. Jamais uma imagem teve tanto poder e magnetismo. Milhares de estudos, comentários e interpretações foram publicados sem que nenhum tenha conseguido decifrar este poderoso talismã que continua a atrair multidões.
Sem dúvida que, como advogava mestre Da Vinci, “tal como o ferro enferruja com o desuso e a água estagnada apodrece ou gela quando esfria”, também o nosso “intelecto perde”[23] a não ser que lhe demos uso. Porém, com esta obra, o intelecto não basta pois a razão pode dissecá-la, os raios X inspeccioná-la por dentro, mas ainda nada disso conseguiu explicar a sensação indescritivel daquele sorriso que desfruta e renuncia, daqueles olhos obliquos que nos perseguem em qualquer canto, desta vida interna que sem fronteiras se expande e se propaga em todo o quadro para se ramificar no ponto invisivel do coração. Pura ilusão de óptica… sim, porque toda a imagem é luz refletida na nossa retina, se bem que ilusão cheia de graça.
Do mesmo modo que nos templos egípcios existiam portas falsas, que não se abriam para fora, mas sim para o mundo interior, a Gioconda é uma porta falsa para quem só a quiser entender desde fora. Todavia, nós não vamos desistir de bater a esta porta secreta: invocaremos o “abre-te Sésamo”, nem que seja só por um instante, para podermos contemplar o seu tesouro. Deixaremos o nosso eu do outro lado da porta e entraremos despidos de fugazes opiniões.
Escutemos, então, a voz do Mestre através do seu tratado de pintura pois, como ele diz, “enquanto o Senhor, que é luz de todas as coisas, condescender em iluminar-me eu revelarei a luz”. [24]
A modelo é uma jovem mulher sentada, representada em meio-corpo e olhando para o espectador. A Gioconda está no centro da composição, onde as diagonais convergem para o coração, sacrário da vida. A paisagem de fundo é ligeiramente mais alta do lado direito, e a luz que provém do lado esquerdo, ilumina o rosto, o peito e as mãos da modelo. As cores quentes são reservadas à configuração do retrato e as cores frias aparecem no véu, no vestido e na natureza envolvente. Toda a imagem é banhada numa sombra delicada e aveludada: a famosa técnica do sfumato ) que tinge o quadro de uma neblina sobrenatural, dissipando os contornos, criando assim uma fusão perfeita do retrato com a paisagem.
Sendo uma técnica artística usada para gerar suaves gradientes entre as tonalidades, o sfumato é geralmente aplicado em desenhos ou pinturas. quando se quer produzir um efeito vaporoso. O termo vem do italiano sfumar”, que significa “de tom baixo” ou “evaporar como fumo” e era um dos quatro modos canónicos de pintura do Renascimento, sendo os outros três o cangiante, ou fusão de cores, o chiaroscuro ou claro-escuro e o unione ou sfumato que mantem as cores vibrantes. Nesta técnica são empregues a grafite, o carvão ou o pastel seco devendo estes materiais ser esfregados com o dedo por cima do desenho com riscos, para que esses riscos sumam e fique apenas o resultado..
Sobre a paisagem, o mestre aconselha que “o ar que se encontra perto da terra deve parecer mais iluminado que aquele que está longe. Porque o ar que está perto da terra é mais grosseiro que aquele que está longe recebendo e emitindo muita mais luz. Assim é necessário que a parte baixa do céu receba a luz solar com mais intensidade.
No quadro, a paisagem de verde musgo aconchega o modelo como uma matriz vegetal fazendo realçar o eterno feminino como a flor que desabrocha sob a carícia da luz
O tema da natureza, ícone predileto do Renascimento, é a imagem da celebração da vida. Por detrás da Mona Lisa, Leonardo recria o micro cosmos, pedra, planta, árvores, rio e lagoa, céu e luz, sendo a presença humana a coroa da obra divina.
O ambiente atmosférico sugere um fim de tarde sereno e comovente pelo perfume de sândalo emitido pela imagem virtuosa e sóbria desta bela mulher recoberta de sombras delicadas e discretas. O céu, envolvido de uma luz dourada ténue, funda-se na vegetação azul verdoso. Na proximidade da varanda, contrastando com a terra acobreada, vislumbra- se um caminho serpentino, símbolo do tempo. A água de um rio azulado dá continuidade ao sinuoso caminho sugerindo um laço que envolve a figura. A ida e volta deste laço de água, inserido por detrás do eixo central do retrato, une os dois extremos do quadro desenhando o alfa e ómega, letras sagradas do alfabeto grego e que significam o princípio e o fim de todas as coisas.
À semelhança de um cartucho egípcio de forma ovóide , encontra-se inserida a esplendorosa pirâmide da Mona Lisa que, tal como a esfinge, contempla, desde a sua postura de estabilidade, a variabilidade do tempo.
Uma ponte assinala a necessidade de atravessar a outra margem, para encontrar o ponto de retorno à unidade do tema. A luz irradia no horizonte e vem pousar-se no ombro da Gioconda espalhando-se como uma cascada nas pregas acobreadas das mangas do seu vestido.
As ondas líquidas dos seus cabelos sedosos emergem de um finíssimo véu rendilhado, dando ao rosto delicadeza e dignidade. Leonardo recomendava que se desenhassem e pintassem os cabelos seguindo o modelo da água que forma com os seus remoinhos e sinuosidade a ondulação dos caracóis, molde plástico perfeito para contornar e adornar o rosto aconselhando: “faz que a tuas figuras e os seus cabelos sejam sacudidos por um vento invisível e fá-lo rodopiar em volta dos rostos juvenis, ornamenta-os com graciosidade de caracóis variados e não imites aqueles que colam os cabelos ao rosto e dão à face um ar vitrificado.” [25]
O vestido sóbrio desta jovem mãe é tingido de terra de Siena e serve de contraluz ao busto generoso onde realça o ponto de luz do coração. As elegantes pregas animam os braços em repouso realçando as mãos alongadas e delicadas da modelo revelando sensibilidade e dotes artísticos.
Para Leonardo Da Vinci, “os tecidos devem ser adaptados ao corpo a fim de não parecer desajustado, isto quer dizer que não pode ser um amontoado de panos que reveste um personagem e que por amor a complexos jogos de pregas encha o corpo do seu modelo, esquecendo-se que os tecidos foram feitos para vestir e envolver com graciosidade os membros de quem os porta”.[26]
No estudo do rosto observamos uma fronte alta e aberta favorecida pela prática das mulheres florentinas da época de rapar os cabelos no alto da testa e de depilar os sobrancelhas. O nariz fino, reto e comprido revela afirmação e determinação, efeito perfeitamente ajustado ao queixo pontiagudo e voluntário
Os olhos castanhos, atentos e enigmáticos, possuem uma força hipnotizante. Semelhante à profundidade de um poço, sentimo-nos atraídos pela sua luz oculta como se estivesse a cavar dentro de nós. Estes olhos que falam no silêncio e que esperam um eco vindo do mais profundo de nós mesmos, interroga-nos e persegue-nos de forma inquietante.
O sorriso, sim o tal sorriso que fez verter tanta tinta e que continua um mistério. O leve movimento do lábio superior, suavemente curvado do lado direito da boca, contribui para um esboço de sorriso cheio de contentamento e de repouso. Subtil véu de luz, ironia do tempo, certeza, desafio, mistério… Três pontos que formam um triângulo virado par baixo e que une os dois olhos e o sorriso.
Esta obra de Leonardo é um momento de êxtase roubado ao tempo, uma porta que se abre para as incomensuráveis dimensões da alma humana. Através dela podemos viajar dentro de nós, porque, como todas as obras dos grandes mestres do Renascimento, a Gioconda é um talismã, um verdadeiro espelho da natureza porque nela está a presença e a assinatura do Deus vivo. E Leonardo está vivo porque conseguiu através da Mona Lisa viver eternamente.
Terminamos com estas sábias palavras do mestre:
“Pouco conhecimento faz com que as pessoas se sintam orgulhosas. Muito conhecimento, que se sintam humildes. É assim que as espigas sem grão erguem desdenhosamente a cabeça para o céu, enquanto as cheias as baixam para a terra, sua mãe”.[27]
“Ó, tu que dormes, o que é o sono? O sono é uma imagem da morte. Ó, por que não deixar o teu trabalho ser tal que, após a morte, te tornes uma imagem da imortalidade”.[28]
“Que o teu trabalho seja perfeito para que, mesmo depois da tua morte, ele permaneça”.[29]
BIBLIOGRAFIA:
– Da VINCI, Leonardo, Traité de la peinture, Chez Deterville, 1796.
– O pensamento vivo de Da Vinci, Martin Claret Editores, 1985.
– DARRIULAT, Jacques, Introduction a la philosophie esthétique, http://www.jdarriulat.net/Introductionphiloesth/index.html
– Optique physique de Leonard de Vinci – Codex de l’Institut de France, https://inventionsdevinci.wordpress.com/2015/04/24/lacces-au-codex-pour-tous/
– RACIONERO, Luis, Textos de Estética Taoista, Alianza Editorial, 2002
. Revue des Deux Mondes, tome 111-1892, L’estetique et l’art de Leonard de Vinci– Gabriel Séailles.
– WILLIAM wray, Leonardo da Vinci nas suas próprias palavras, fubu editores, 2006
– Frases de Leonardo da Vinci, http://www.frasesfamosas.com.br/frases-de/leonardo-da-vinci/
– Leonardo da Vinci, ele próprio, http://liceu-aristotelico.blogspot.pt/2014/01/leonardo-da-vinci-ele-proprio.html
– Pensamentos de Leonardo da Vinci, Citador, http://www.citador.pt/frases/pouco-conhecimento-faz-com-que-as-pessoas-se-sint-leonardo-da-vinci-6873
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